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Cunha rompe “omertà” e já “delata” Moreira Franco (“cérebro do Temer”, que comandaria propinas no FI-FGTS)

Agenda 20/09/2016 às 18:19

“Omertà” é a lei do silêncio nas máfias. Ninguém delata ninguém. O homem-bomba Cunha rompe a “omertà” e já faz sua 1ª “delação”: Moreira Franco, que é o secretário do Programa Parcerias de Investimentos e que comanda o atual plano de privatizações...

“Omertà” é a lei do silêncio nas máfias. Ninguém delata ninguém. O homem-bomba Cunha rompe a “omertà” e já faz sua 1ª “delação”: Moreira Franco, que é o secretário do Programa Parcerias de Investimentos e que comanda o atual plano de privatizações e concessões, teria participado da trama do financiamento criminoso do projeto Porto Maravilha-RJ (junto ao Fundo de Investimento do FGTS) (ver Estadão 17/9/16). Isso é bombástico porque Franco é também o homem forte do Temer (seu “cérebro”).

O novo plano de concessões e privatizações (R$ 30 bilhões vão ser oferecidos a empresários) “nasce sob suspeita” [de muita corrupção] e o conluio pode atingir inclusive Temer. As investigações vão revelar muita coisa sobre isso (disse Cunha – Estadão 17/9/16). Mais ainda: isso pode desmoronar por completo o governo Temer (que não tem conseguido bons índices de popularidade).

Cunha teria, nesse projeto, recebido da Carioca Engenharia R$ 52 milhões em propina (há delação de Fábio Cleto, nesse sentido). Ele nega participação. Logo, oficialmente, sua “delação” contra Moreira Franco, na verdade, é uma mera informação (porque a delação pressupõe confissão). Ambas só possuem valor jurídico quando há provas corroborativas.

Informante não se confunde, assim, com delator, que deve confessar sua participação no crime. O informante é uma figura regulada nos EUA, por exemplo. Em 2014, um informante chegou a ganhar US$ 11 milhões por uma preciosa informação. Nada disso está regulamentado no Brasil. O legislador deveria cuidar desse assunto.

Cunha esclareceu: “Moreira Franco era vice-presidente (de Fundos e Loterias) da Caixa. Ele criou o FI-FGTS na Caixa. Toda a operação no Porto Maravilha foi montada por ele. No programa de privatização, dos R$ 30 bilhões anunciados, R$ 12 bilhões vêm de onde? Do Fundo de Investimento da Caixa. Ele sabe de onde tirar dinheiro.

“Esse programa de privatização começa com risco de escândalo. Nasce sob suspeição” (Estadão 17/9/16). Lá (no FI-FGTS) “tem muitos financiamentos concedidos que foram perdas da Caixa. Na hora em que as investigações avançarem, vai ficar muito difícil a permanência do Moreira no governo”.

De que perdas o sr. fala? Uma de que me lembro foi da Rede Energia. Outra foi da Nova Cibe. O uso de energia, na época, teve escândalo grande (Estadão 17/9/16).

De Sarney a Michel Temer, já são 31 anos de Nova República, que poderia muito bem ser chamada de República Velhaca, marcada pela bandidagem da política, dos partidos e dos empresários criminosos que fazem parte do clube dos donos do poder.

“Não existe organização criminosa mais bem-sucedida do que a que conta com apoio estatal” (Misha Glenny). Essa é a essência das cleptocracias, que significam não só governo de ladrões e aproveitadores, senão também apoio e acobertamento institucional. Trata-se de uma roubalheira com apoio (cúmplice ou conivente) das instituições econômicas, políticas, jurídicas e sociais.

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Nas últimas décadas no Brasil (até 2013) a desigualdade de renda caiu sensivelmente. O pico da desigualdade de renda se deu com Sarney (1989), quando os 5% mais ricos ganhavam 79 vezes a renda dos 5% mais pobres. Em 2012, a taxa era de 36 vezes. Houve uma trajetória de conquistas e de redução das desigualdades (ver Arretche, Trajetórias das desigualdades,  p. 1-2), que começaram a se deteriorar a partir de 2014, quando começou a recessão no país.

Com maior ou menor desigualdade, o cupim de que não nos livramos é o dos donos corruptos do poder.  Nossas Repúblicas (Velha, populistas, Nova), ao lado das ditaduras, sempre foram repletas de “honoráveis bandidos”, “que conseguem sentar nas cadeiras mais insuspeitas, dignas das pessoas mais honradas. Emprestam seus nomes a ruas, escolas, edifícios públicos, rodovias, até cidades. São aqueles que, de tanto triunfar na ignomínia, Rui Barbosa inculpa de levar gente honesta a ter vergonha de ser honesta” (ver M. Severiano, em P. Dória, Honoráveis bandidos, p. 12).

De qualquer modo se sabe que os últimos 31 anos de bandidagem política, partidária e empresarial não nasceram do nada. J. F. Lisboa já falava em gastos eleitorais excessivos em meados do século XIX (Jornal de Timon). Usa-se dinheiro privado assim como dinheiro público para se vencer uma eleição. Os partidos continuam personalistas, sem ideias e princípios; são frequentes as mudanças de partido, campanhas baseadas em insultos pessoais visando à vida privada dos candidatos, fome de empregos públicos, troca de favores, corrupção generalizada, impunidade, lei do cada um por si, desmoralização social (ausência de valores)… tudo isso que era denunciado em meados do século XIX soam ainda hoje muito familiar e atual (J. Murilo de Carvalho, Introdução a J. F. Lisboa, Jornal de Timon, p. 27).

Os donos cleptocratas do poder roubam o Brasil e os brasileiros desde sempre. Até a sociedade civil vai conviver com esse tipo de sociedade?

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

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