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Direito administrativo disciplinar e a legislação paulista

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Agenda 28/09/2016 às 16:13

8.Do duplo grau

A Lei Paulista prevê, num primeiro plano, um recurso inominado, que poderá ser interposto uma única vez(art. 312). Sua justificativa, de acordo com Antonio Carlos de Alencar Carvalho, decorre do controle hierárquico, aquele que se desenvolve no âmago da própria Administração Pública mediante instâncias internas.[71]

Diante de previsões legais desse jaez, consagra-se, segundo o magistério de Fabio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, os princípios insertos no art. 5º., incisos LIV e LV, da Constituição Federal, com a adoção da dualidade de instâncias e, por consequência, com a garantia conferida ao interessado, do reexame recursal. [72]

A respeito, Maria Sylvia Zanella di Pietro assevera que o recurso hierárquico, que pode ser próprio ou impróprio,é o pedido de reexame do ato dirigido à autoridade superior à que proferiu o ato.[73]

O prazo para a interposição do mencionado recurso é de trinta dias contados da publicação da decisão impugnada no Diário Oficial do Estado ou da intimação pessoal do servidor (art. 312, § 1º).

Cumpre registrar que esse recurso é dirigido originariamente para a Autoridade que aplicou a reprimenda, que poderá mantê-la ou reformá-la  - o chamado juízo de retratação – (art. 312, § 3º).

Nas hipóteses em que a pena venha a ser mantida, total ou parcialmente, deverá o processo imediatamente encaminhado para reexame pelo superior hierárquico (art. 312, § 4º).

Há, ainda, previsão expressa que contempla a fungibilidade do recurso (art. 312, § 5º).

Da decisão do Governador, há a possibilidade de um “pedido de reconsideração”, que não poderá ser renovado (art. 313).

No campo destinado ao reexame da decisão, a despeito da discussão acerca de sua natureza jurídica, ainda pode ser apontada a revisão ( art. 315).

Sobre o instituto da revisão, Edmir Netto de Araújo esclarece que se destina a processos findos, dos quais não caibam mais recurso hierárquico ou reconsideração, em caso de apresentação de novas provas, fatos ou argumentos, ou demonstração de falsidade de provas anteriores.  [74]

Para Maria Sylvia Zanella di Pietro, a revisão é o recurso de que se utiliza o servidor público, punido pela Administração, para o reexame da decisão, em caso de surgirem fatos novos  suscetíveis de demonstrar sua inocência. [75]

Nesse contexto, basta um exame perfunctório para que se constate que alguns dos requisitos previstos pela Lei Paulista em muito se assemelham àqueles previstos no art. 621, do Código de Processo Penal, como, por exemplo, o surgimento de fatos novos ou circunstâncias ainda não apreciadas, ou vícios insanáveis de procedimento, desde que justifiquem a redução ou anulação da reprimenda aplicada (art. 315).

Ademais, a exemplo da seara penal, opera-se a inversão do ônus da prova (art. 315, § 4º).

Um aspecto peculiar refere-se ao fato da Lei Paulista exigir que a revisão deva ser sempre subscrita por advogado (art. 317).Outro aspecto relevante nos casos de revisão, diz respeito à impossibilidade de reformatio in pejus (art. 316).

Por fim, é necessário observar que, no sentido de manter indene uma eventual instrução que anteceda o julgamento da revisão, a Lei Paulista, mantendo a competência exclusiva de Procuradores do Estado na condução dos processos administrativos disciplinares, impede a atuação daquele que presidiu o feito original no qual a reprimenda foi aplicada (art. 319).


9.Da Reformatio in Pejus

A respeito da incidência ou não dessa garantia nos processos administrativos disciplinares, Antonio Carlos Alencar Carvalho esclarece que, em razão do poder hierárquico, a autoridade superior tem, em regra, a prerrogativa de modificar a decisão proferida pelo agente decisor  inferior, corrigindo eventual erro de fato ou de direito.[76]

Destarte, ainda segundo o autor, na seara federal a lei 9.784/99, em seu art. 64, parágrafo único, a autoridade superior poderá, inclusive, agravar a situação do recorrente.

No âmbito estadual, a despeito do Estatuto ser silente a respeito, no que concerne ao recurso hierárquico, a matéria é regulada pela Lei n. 10.177/94, que apresenta uma opção diversa ; in verbis:

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“[...] Artigo 49 - A decisão de recurso não poderá, no mesmo procedimento, agravar a restrição produzida pelo ato ao interesse do recorrente, salvo em casos de invalidação[...]”

Esse posicionamento, também é verificado no caso de revisão, prevendo a Lei Estadual que a pena imposta não poderá ser agravada (art. 316).


10.Da publicidade

Segundo o magistério de Odete Medauar, a publicidade é inerente ao processo administrativo, uma vez que a Constituição de 1988 alinha-se à tendência de publicidade ampla ou transparência da Administração, tornando-se impossíveis atuações ocultas. Contudo, como adverte a autora, em casos relativos à privacidade e honra, por exemplo, sua realização pode ocorrer em círculo restrito, porém sempre com a atuação dos sujeitos a que se refere. [77]

É fato que a Constituição Federal, em seu artigo 37, contempla um princípio da publicidade aplicável a todos os Poderes. Por seu turno, a lei federal (Lei 9.784/99 [78]), como enfatizam Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari, foi sensível às regras de publicidade, reservando o caráter de excepcionalidade ao sigilo. [79]Opção diversa, contudo, adotou a legislação paulista.

Nesse sentido, no âmbito estadual, a Lei 10.177/98 [80], prestigiando outras garantias e princípios tutelados pela Constituição, como por exemplo, a defesa da intimidade, a honra, a imagem, o interesse social e a presunção de inocência, optou pelo sigilo dos procedimentos de caráter sancionatório. A respeito, o art. 64, expressamente dispõe:

“[...] Artigo 64 - O procedimento sancionatório será sigiloso até decisão final, salvo em relação ao acusado, seu procurador ou terceiro que demonstre legítimo interesse.

Parágrafo único - Incidirá em infração disciplinar grave o servidor que, por qualquer forma, divulgar irregularmente informações relativas à acusação, ao acusado ou ao procedimento [...]”

 Por certo, como acentuou Odete Medauar e expressamente prevê o aludido dispositivo legal, que esse sigilo não atinge o acusado, seu defensor e terceiro que demonstre legítimo interesse.


11.Da regra do Non bis in idem

A Súmula 19, do Supremo Tribunal Federal, prestigia a regra do non bis in idem,que expressamente estabelece: é inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira.

A exemplo do que ocorre no âmbito penal, o Direito Administrativo Disciplinar adota integralmente a regra em apreço.

A rigor, como acentua José Armando da Costa, ninguém poderá ser punido mais de uma vez pela prática de um mesmo fato.[81]Desse modo, caso o funcionário venha a receber uma reprimenda (uma repreensão ou mesmo uma suspensão, por exemplo), não poderá, pela mesma falta, ser novamente apenado.

Não há confundir-se, contudo, a regra em comento com a possibilidade de uma mesma conduta ilícita vir a ser objeto de sanções em outras áreas do Direito, como por exemplo, o Direito Civil e o Direito Penal.

Sobre o tema, Edmir Netto de Araújo esclarece que a conduta ilícita é gênero, do qual os ilícitos penal, civil, contábil, administrativo, tributário, trabalhista, são espécies.[82]Ao discorrer sobre o tema, José Cretella Júnior lembra que a aplicação da regra de que ninguém pode ser processado e punido duas vezes pela mesma infração, não significa que não possa sofrer, acumuladamente, uma pena disciplinar e outra pena criminal, respondendo também a dois processos distintos.[83]

A afirmação, cuja aceitação é pacífica nos meios doutrinários e jurisprudenciais, decorre do fato de que a repressão disciplinar difere da repressão penal, o que não inviabiliza a instauração de dois processos distintos, com sanções diferenciadas.

Nesses termos, repita-se, o que é vedado pelo ordenamento jurídico é a aplicação de uma pena disciplinar no caso do funcionário, pela mesma falta, já ter sido punido.[84]


12.Da apuração preliminar

A Lei Paulista destina apenas quatro artigos à apuração preliminar (antiga sindicância averiguatória) [85], razão pela qual qualquer análise que pretenda fazer sobre o instituto terá de se socorrer da doutrina.

Ocorre que, dentre os textos existentes, constata-se uma clara tendência de equiparar a apuração preliminar ao inquérito policial. Nessa direção, J. Cretella Júnior[86], assinala:

[...] Estabelecendo-se paralelo, mais ou menos aproximado, entre o que ocorre no âmbito penal e na esfera administrativa, é lícito dizer, sob a fórmula de proporção matemática, que a sindicância está para o processo administrativo, do mesmo modo que o inquérito policial está para o processo penal [...]

Compartilhando desse entendimento, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[87]arremata:

[...] a sindicância seria uma fase preliminar à instauração do processo administrativo; corresponderia ao inquérito policial que se realiza antes do processo penal [...]

Nesses termos, malgrado não se vislumbrar na legislação paulista a mencionada “proporção matemática”, respeitadas as peculiaridades de cada instituto, é correto afirmar que a Apuração Preliminar guarda semelhança com o Inquérito Policial, na medida em que ambos são procedimentos prévios, facultativos, escritos, sigilosos e inquisitoriais, que objetivam a colheita de fatos, visando o embasamento de uma Peça de Acusação.

Outro aspecto relevante, diz respeito às garantias que devem incidir sobre tal procedimento. Isso porque, embora pacificado o entendimento no sentido de que em tal fase inexiste contraditório e ampla defesa, [88] não se pode perder de vista a incidência de outros princípios e garantias inerentes à cláusula do devido processo legal.

Registre-se que, num primeiro momento, a inaplicabilidade dos princípios do contraditório e ampla defesa na fase de apuração preliminar, não significa que outras garantias inerentes ao devido processo legal devam ser olvidadas. Nesse sentido, o Pretório Excelso decidiu:

 “[...] Inaplicabilidade da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo, porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, ou de não se incriminar e o de manter-se em silêncio [...]”

Supremo Tribunal Federal, HC 82.354, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 10-8-04, 1ª Turma, DJ de 24-9-04).

Daí se mostrar pertinente a doutrina de Luiz Flávio Gomes, que ao examinar garantais inerentes do inquérito policial, conclui:[89]

A – pela Constituição Federal

1.- direito de se entrevistar, pessoal e reservadamente, com seu advogado,

2. - direito ao silêncio,

3. -direito de não se declarar culpado ou de fornecer prova contra si próprio,

4. -direito à intangibilidade corpórea e à integridade física,

5. - direito à própria dignidade da pessoa humana;

6 - direito de saber a identificação de quem o incrimina.

7  - condução das investigações por autoridade apuradora imparcial

B – Aplicação subsidiária do CPP

1 - direito de ser ouvido – art. 6º. V CPP

2  - faculdade de apresentar requerimentos – art. 14 CPP

As garantias tuteladas pela Constituição apontadas pelo autor tem plena aplicação no âmbito disciplinar.                                 

Por outro lado, a despeito de não causar qualquer nulidade a ausência de declarações, é sempre conveniente tentar ouvir aquele funcionário cujos indícios apontam ser o autor da infração disciplinar.  Nada impede, por fim, que esse funcionário faça algum requerimento, todavia, eventual indeferimento não irá contaminar o procedimento apuratório.

Sobre o autor
Messias José Lourenço

Procurador do Estado de São Paulo Presidente da Primeira Unidade Disciplinar da Procuradoria de Procedimentos Disciplinares

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOURENÇO, Messias José. Direito administrativo disciplinar e a legislação paulista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4837, 28 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52405. Acesso em: 17 nov. 2024.

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