13.Da prescrição
Mesmo que de forma perfunctória, a prescrição não poderia deixar de ser abordada neste artigo, sobretudo porque, como acentua Elody Nassar [90], em obra específica sobre o tema no âmbito da Administração Pública, em qualquer área do Direito a prescrição é princípio de ordem pública e objetiva estabilizar as relações jurídicas.
Especificamente na seara penal, a prescrição da pretensão punitiva é conceituada por Celso Delmanto [91]comoa perda do direito de punir do Estado, causada pelo decurso do tempo fixado em lei.
A lição em apreço tem plena aplicação prática no Direito Administrativo Disciplinar, na medida em que a Administração, em respeito à segurança jurídica, tem um prazo previamente estipulado para o exercício do poder de punir – daí a conhecida expressão prescrição da pretensão punitiva.
Nesse contexto, a Lei Paulista, em seu art. 261, da Lei 10.261/68, estabelece que esse prazo será de cinco anos, na hipótese de processo administrativo disciplinar, e apenas dois anos nos casos de sindicâncias.
Note-se, no entanto, que a legislação estadual prevê uma causa de interrupção do lapso prescricional, que é a Portaria instaurada pelo Procurador do Estado.
Como é concebido, diante dessa interrupção, o prazo prescricional simplesmente “zera”[92], ou seja, passa a ser contado novamente desde o início. Assim, no caso de uma sindicância punitiva, se a Portaria Inicial vem a ser baixada um ano após o cometimento da falta, a respectiva sanção poderá ser aplicada em até dois anos contados a partir dessa Portaria.
Outro aspecto de extrema relevância merece especial registro.
Com o advento da chamada via rápida (Lei Complementar 942/03), operou-se significativa alteração no que concerne ao início de contagem dos prazos prescricionais.
Assim, a partir de junho de 2003, nos termos do art. 261, § 1o, da Lei 10.261/68, o início dos prazos prescricionais passou a ser o dia em que a falta foi cometida (regra semelhante àquela utilizada no art. 111, do Código Penal).
Na prática, esta alteração representou uma significativa redução nos prazos prescricionais, pois no modelo anterior (data em que a falta teria se tornado conhecida da Autoridade), a identificação do dia em que a prescrição começava a correr era operação bastante complexa e muitas vezes imprecisa.
Importante observar, por derradeiro, que foi mantida a disposição que prevê a utilização do máximo da pena em abstrato, sempre que a falta disciplinar também caracterizar crime. Essa utilização, contudo, fica condicionada aos prazos prescricionais criminais serem superiores a cinco anos.
Nessa hipótese, para se chegar ao prazo prescricional, basta identificar o respectivo artigo no Código Penal que identifica o crime praticado (preceito primário) e a pena máxima nele prevista (preceito secundário). Em seguida a pena em questão deverá ser confrontada com “tabela” prevista no art. 109 do referido Código e, assim, será identificado o prazo prescricional.
Um exemplo facilitará a compreensão: no caso de roubo simples – art. 157, “caput”, do Código Penal, a pena privativa de liberdade (preceito secundário) varia de quatro adez anos. Por seu turno, dez anos (pena máxima em abstrato), nos termos da “tabela” do art. 109, prescreve em dezesseis anos, conforme dispõe o inciso II, do mencionado artigo.
14.Da aplicação da Lei Disciplinar no tempo
O art. 5º.,inciso XL, da Constituição Federal, ao estabelecer que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu, contempla mais uma garantia que tem inteira aplicação no Direito Administrativo Disciplinar.
Ao examinar a questão da validade da norma, Aníbal Bruno acentua que desde que é posta a vigorar, cumpridos os atos de sanção, promulgação e publicação e vencido o prazo para sua entrada em vigência, a norma jurídica passa a reger todos os fatos de que caem dentro do seu domínio.[93]
Trata-se, como é consabido, do chamado princípio tempus regit actum, cuja aplicação no Direito Administrativo Disciplinar, como restou consignado, tem plena aplicação.
Aliás, recente alteração legislativa comprova essa afirmação. A propósito, a Lei Complementar 1.096, de 24, de setembro de 2.009, revogou expressamente o inciso I, do art. 242, da Lei Paulista.
O referido dispositivo proibia o funcionário de referir-se depreciativamente, em informação, parecer ou despacho, ou pela imprensa, ou qualquer meio de divulgação, às autoridades constituídas e aos atos da Administração. Ocorre que, com a entrada em vigor da Lei Complementar 1.096/09, todos os procedimentos que estavam em tramitação foram chamados à conclusão, oportunidade em que, com a utilização subsidiária do Código Penal, foi declarada a extinção da punibilidade (art. 107, inciso III, CP).
15.Considerações Finais
Estabelecer com exatidão o grau de afinidade entre o Direito Administrativo Disciplinar e o Direito Penal é uma empreitada que tem gerado intensas discussões, máxime porque há aqueles que vislumbram entre ambas perfeita simetria, enquanto outros pregam a absoluta independência. Na primeira corrente, conforme aponta Themístocles Brandão Cavalcanti, sustentado na doutrina de Cino Vitta, encontram-se nomes de expressão, como Mittermayer, Mayer, von Bar, Seydel, Zorn, Hauriou, Jèze, Vaccheli, Presutti e Cameo.[94]
Sob a ótica das garantias que compõem o devido processo legal, o presente trabalho procurou demonstrar, em cotejo com a Lei Paulista, a existência de pontos que guardam flagrante similitude com a área penal. Todavia, quiçá na mesma intensidade, foram apontados aspectos significativamente díspares.
É curioso observar que, caso essa confrontação tivesse sido realizada à luz do direito material, por certo o mesmo quadro se desenharia.
Assim, por exemplo, no caso de um “crime impossível” [95], por conta de um falso grosseiro (atestado médico), a absolvição advinda no âmbito penal, não teria, em tese, qualquer repercussão na seara disciplinar, na qual a falta estaria devidamente caracterizada e poderia levar até a expulsão do funcionário dos quadros do serviço público. Ainda nessa direção, uma excludente de culpabilidade, consistente em obediência hierárquica (art. 22, CP) não levaria, diante dos dispositivos da Lei Paulista[96], à prolação de um édito absolutório na seara disciplinar.
Em sentido contrário, ainda a título de exemplo, no caso de uma detração, verifica-se acentuada semelhança entre o dispositivo penal (art. 42, CP) e a regra decorrente do art. 267, da Lei Paulista. Outro exemplo emblemático nesse campo de afinidades seria uma causa excludente de ilicitude (art. 23, 24 e 25, do CP).
Por certo que esse exame contemplaria infindáveis situações.
Emerge dessas constatações, o magistério de J. Cretella Júnior, no sentido de que, se por um lado constitui erro elementar transplantar, pura e simplesmente, para o campo do direito disciplinar as noções cristalizadas e já tradicionais no campo penal, por outro, aqueles que defendem a total autonomia do direito disciplinar acabam por cometer erro típico dos que tomam posições radicais, porque confundem ‘autonomia’ com soberania, procurando inovar na reformulação dos institutos do novo ramo; jamais aceitando qualquer canalização de conceitos hauridos em outros setores da ciência jurídica, mesmo de campos afins, como é o caso do direito penal em relação ao direito disciplinar.[97]
Nesse contexto, conclui-se que os estudos acerca das similitudes e discrepâncias entre essas duas áreas afins, ainda se mostra um tanto quanto incipiente. O presente artigo, embora de forma despretensiosa, buscou trazer à reflexão esse quadro.
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