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A influência da mídia nos julgamentos do Tribunal do Júri

Agenda 03/10/2016 às 18:29

O presente trabalho tem como objetivo analisar a influência da mídia nos julgamentos do Tribunal do Júri, e se essa influência é capaz de trazer a desigualdade entre as partes do processo, não se observando a equidade processual.

1 INTRODUÇÃO

            Ao se discutir a constitucionalidade do Tribunal do Júri em julgamentos de crimes dolosos contra a vida, temos em risco a questão da validade racional e imparcial do julgamento feito por seus membros. Esse questionamento se torna mais consistente quando nos detemos em analisar a influência da mídia nos processos que integram a formação de opinião.

            Na verdade, um juízo de valor carrega em si toda uma carga cultural, preferências e preconceitos corresponde, em boa medida, à maneira com que o objeto em juízo interpela as identidades do sujeito social. As mídias, como formadoras de opinião, possuem a capacidade de, através de estratégias discursivas, estabelecerem um determinado enquadramento de temas e de sujeitos.

            Algumas vezes existe um processo de “linchamento público” feito pela mídia, que, depois de transcorridos os trâmites processuais, se mostra injusto. Porém em sua grande maioria, os casos são apresentados, os suspeitos julgados e condenados pela mídia que, em nome da opinião pública, exige a punição do “suspeito-culpado’.

            O presente trabalho objetiva analisar a influência que a mídia acarreta em relação as decisões do Tribunal do Júri, evidenciando principalmente o juízo de valor que a mídia produz em suas informações. Busca-se através de um estudo bibliográfico demostrar o prejuízo que se dá em favor do réu quando os julgadores já têm uma decisão pré formulada criada pela mídia.

No entanto vale ressaltar que este trabalho não tem como objetivo defender o autor da infração penal, mas sim o direito em questão, tornando-o mais claro e justo. Inicialmente torna-se necessária a abordagem resumidamente da origem do Tribunal do Júri bem como sua evolução até os dias atuais.

Em segundo momento é possível analisar sua constitucionalidade e assuntos relacionados ao tema tal como os meios midiáticos capazes de influenciar os cidadãos emitindo juízos de valor uma vez que deveria ser imparcial. Finalmente obsta observar uma colisão entre direitos fundamentais como o da liberdade de expressão e princípios constitucionais como o da presunção de inocência.

Por fim o trabalho indaga a óptica dada pelos meios de comunicação em massa aos casos de grande repercussão na mídia, mostrando que o julgamento midiático consegue influenciar facilmente a trajetória final da lide, criando um instrumento que é capaz de embaraçar os direitos e garantias de um suposto infrator penal.

2 SURGIMENTO E EVOLUÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI

 

            Não há um consenso ou uma corrente majoritária sobre o surgimento do tribunal do júri, há sim, inúmeras teses sobre a origem dessa instituição milenar. Esse dissenso se dá pela falta de acervos históricos seguros e específicos, aliados ao fato de o instituto estar ligado às raízes do direito e acompanhar as mais antigas aglomerações humanas.

            A primeira tese é a chamada de cética, que defende o surgimento do tribunal do júri na época clássica da Grécia, com os diskatas e Roma Antiga, com seus judices jurati, além dos centeni comites, presentes na Germânia.

            Por outro lado, existe a tese liberal que aponta a origem do júri na época mosaica, com os judeus, onde o julgamento era feito pelos pares, no Conselho dos Anciões, em nome de Deus. Nesse entendimento Nucci (2008, p.41) defende que:

Na Palestina, havia o Tribunal dos vinte e três, nas vilas em que a população fosse superior a 120 famílias. Tais cortes conheciam e julgavam processos criminais relacionados a crimes puníveis com a pena de morte. Os membros escolhidos dentre os pares, levitas e principais chefes de Israel.

            A tese mais segura, é que o tribunal do júri surgiu na velha Inglaterra, no ano de 1215, quando o Concílio de Latrão extinguiu as ordálias, ou seja, juízos de Deus, onde a crença dizia que Deus não deixaria de socorrer inocente.

            O júri com berço na Inglaterra nasceu para julgar os crimes de bruxaria e de caráter místico, esotérico, tais como qualquer heresia. Para tanto eram escolhidos doze homens da sociedade os quais eram considerados detentores da verdade divina para compor o júri e aplicar o castigo necessário a cada cidadão. Desde então o júri se espalhou para a Europa com o seguinte preceito, segundo Nucci (2008, p.42): “Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus pares, segundo as leis do país”.

2.1 Tribunal do Júri no Brasil

            No Brasil, o júri adotado tem natureza inglesa, visto nossa colonização ter sido portuguesa, os quais tinham forte laço com a Inglaterra. É necessário ressaltar que quando a família real veio ao Brasil, trouxe em sua bagagem todos seus costumes e o sistema europeu.

Em relação ao nascimento do tribunal do júri no Brasil, Rangel (2008, p.488) afirma que:

Em se tratando de Júri, o nosso nasceu na Lei d 18 de julho de 1822, antes, portanto da independência (7 de setembro de 1822) e da primeira Constituição brasileira (25 de março de 1824) e, ainda, sob o domínio português, mas sob forte influência inglesa. Entretanto, o júri era apenas para os crimes de imprensa e os jurados eram eleitos.

O tribunal do júri pátrio foi criado em 18 de junho de 1822 pelo Decreto Imperial, inicialmente chamado de “juízes de fato” e era composto por vinte e quatro juízes, os quais deveriam ser honrados, patriotas e inteligentes. Sua competência era limitada apenas aos crimes de imprensa e da decisão cabia recurso à Clemência Real.

            Em 25 de março de 1824 com a vinda da primeira Constituição nacional denominada Constituição do Império, a competência do júri foi ampliada, passando a julgar causas cíveis e criminais.

            A Constituição Democrática de 1946 restabeleceu a soberania do júri, bem como a dispôs no rol dos direitos e garantias constitucionais, que foi mantida até a última Constituição.

Por fim, a atual Carta Magna, promulgada em 05 de outubro de 1988, recepcionou o instituto do júri, reconhecendo-o como cláusula pétrea, elencando-o em seu artigo 5º, XXXVIII:

(...) é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:

a) a plenitude de defesa;

b) o sigilo das votações;

c) a soberania dos veredictos;

d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (...).

Sobre a importância do júri, Oliveira afirma que:

Costuma-se afirmar que o Tribunal do Júri seria uma das mais democráticas instituições do poder judiciário, sobretudo pelo fato de submeter o homem ao julgamento de seus pares e não segundo a justiça togada. É dizer: aplicar-se-ia o Direito segundo a sua compreensão popular e não segundo a teoria dos tribunais. Oliveira (2009, p.107)          

3 CONSTITUCIONALIDADE DO TRIBUNAL DO JÚRI

Presente no contexto dos direitos e garantias humanas fundamentais, pergunta-se qual seria a efetiva posição constitucional do Tribunal Popular: seria um direito individual ou uma garantia individual?

Com efeito, a doutrina majoritária assevera ser o júri uma garantia, ou seja, aquela cuja finalidade é assegurar que o direito seja, com eficácia, fruído, além de que contribui decisivamente à garantia do devido processo legal, essa é a posição adotada por renomados doutrinadores, como Rui Barbosa, Pontes de Miranda, Júlio Fabbrini Mirabete, dentre outros.

Há teses de que o Tribunal do Júri é uma garantia à liberdade, porém, esta deve ser afastada, visto que esta garantia não é um escudo protetor ao criminoso que atenta contra a vida humana, mas sim uma garantia ao devido processo legal. Logo, se o júri condenar ou absolver está cumprindo sua função.

Ressalta-se que o júri constitui uma cláusula pétrea na Constituição Federal, conforme dispõe em seu artigo 60, § 4º, inciso IV, “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais “, limitando o poder derivado de reformar esse instituto.

Logo, qualquer discussão a respeito da exclusão do tribunal popular só poderá se dar em uma nova constituinte que promulgue originariamente nova constituição.

3.1 Sigilo das votações

            O princípio-garantia em estudo está previsto no artigo 5º, XXXVIII, b, da Constituição Federal e determina que os jurados profiram o veredicto em votação no interior de uma sala especial, assegurando-lhes a liberdade de convicção, sendo possível, ainda, consulta ao processo e elaborar perguntas ao Juiz Presidente do Tribunal do Júri.

            Antes de adentrar nesse tema que importa inúmeros questionamentos sobre sua constitucionalidade, necessário de faz explanar sobre a organização e composição do Tribunal do Júri.

            No que tange a composição do júri, este é composto por um juiz togado, que o preside, além de 21 (vinte e um) jurados sorteados para a sessão, dos quais apenas 7 (sete) irão compor o Conselho de Sentença.

            Insta salientar, ainda, que para dar início aos trabalhos é necessário a presença de no mínimo 15 (quinze) jurados, dos quais, após o sorteio, apenas 7 (sete) irão compor o Conselho de Sentença. O número de jurados está disposto no artigo 447, do Código de Processo Penal:

Art. 447: O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de Julgamento. (Redação dada pela Lei n.º 11.689, de 2008).

Portanto, há um Tribunal do Júri pleno, composto por um juiz togado e 21 (vinte e um) jurados; e há um Tribunal do Júri mínimo, composto por um juiz togado e 15 (quinze) pessoas.

            É válido mencionar que para ser jurado é necessário apenas ter 18 (dezoito) anos e ser pessoa idônea, consoante se observa no artigo 436, do Código de Processo Penal: Art. 436: O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade.

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A figura do jurado é de extrema importância para o Tribunal do Júri, ele exerce um serviço público, como bem expõe o artigo 439, do Código de Processo Penal: Art. 439: O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral.

Quanto ao requisito da idoneidade moral, este se verifica através da ausência de antecedentes criminais, no entanto, nas comarcas menores, o magistrado tem a seu favor o conhecimento de outros elementos, a exemplo a conduta social do indivíduo.  

Superadas as questões inerentes aos jurados, chegamos ao ponto crucial do princípio em questão, a condução das partes e jurados à chamada sala secreta ou sala especial, este instituto está previsto no artigo 485, do Código de Processo Penal, apesar de alguns doutrinadores a considerarem inconstitucional.

Segundo o artigo 485, do diploma legal supracitado:

Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão, o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida votação.

Aduz ainda este mesmo artigo, em seu § 1º que: “ Na falta de sala especial, juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo”.

A polêmica está instaurada no sigilo das votações que se opõe à publicidade, esta que está assegurada duplamente na constituição Federal, que prevê em seu artigo 5º, inciso LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”.

Com efeito, o texto constitucional continua em seu artigo 93:

Art. 93 – Lei complementar, de iniciativa do supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observada os seguintes princípios: XI – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentados todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e seus advogados, ou somente a estes.

Na mesma direção, está o artigo 6º da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a ser ouvida em forma imparcial e pública (...)’.

Já a Declaração Universal de direitos Humanos estabelece no artigo 11 que todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Da farta fundamentação jurídica, extrai-se, ainda, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, a qual versa em seu artigo 8º, nº 5: “O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar o interesse da justiça”.

Por fim, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos estabelecem em seu artigo 14, nº 1:

Todas as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal formulada contra ela ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil. A imprensa e o público poderão ser excluídos de parte ou da totalidade de um julgamento, quer por motivo de mora pública, ordem pública ou de segurança nacional em uma sociedade democrática, quer quando o interesse da vida privada das partes o exija , quer na medida em que isto seja estritamente necessário na opinião da justiça, em circunstâncias especificas, nas quais a publicidade venha a prejudicar os interesses da justiça; entretanto, qualquer sentença proferida em matéria penal ou civil deverá tornar-se pública, a menos que o interesse de menores exija procedimento oposto ou o processo diga a respeito à controvérsias matrimoniais ou à tutela de menores.

Por outro lado, Julio Fabbrini Mirabete, aduz que:

A própria natureza do júri impõe proteção aos jurados e tal proteção se materializa por meio do sigilo indispensável em suas votações e pela tranquilidade do julgador popular, que seria afetada ao proceder a votação sob vistas do público. Aliás, o art. 93, XI, não pode se referir ao julgamento do júri, mesmo porque este, as decisões não podem ser fundamentadas (Mirabete, 2000, pág. 1032).

Ademais, para reforçar o sigilo das votações, com o advento da Lei nº 11.689/08, que passou a viger em 09 de agosto de 2008, o legislador assegurou a raito essendi do sigilo das votações, ou seja, atingindo o quarto voto no mesmo sentido encerra-se a apuração, preservando os votos dos demais jurados, consoante se observa nos §§ 1º e 2º, do artigo 483, do Código de Processo Penal:

Art. 483. Os quesitos serão formulados na seguinte ordem, indagando sobre: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)

I - a materialidade do fato; (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

II - a autoria ou participação;

III - se o acusado deve ser absolvido;

IV - se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa;

V - se existe circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acusação.

§ 1o A resposta negativa, de mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos referidos nos incisos I e II do caput deste artigo encerra a votação e implica a absolvição do acusado. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008)

§ 2o Respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte redação: O jurado absolve o acusado?

Desse modo, conclui-se que as decisões no Tribunal do Júri Popular são por maioria de votos, conforme dispõe o artigo 489, do Código de Processo Penal: “As decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por maioria de votos”.

Portanto, a mudança feita pela Lei nº 11.689/08, com o acréscimo dos §§ 1º e 2º, consolidou o princípio do sigilo das votações, preservando-se, assim, a livre manifestação do pensamento dos jurados, os quais terão certeza que o sigilo não será violado, lhes dando segurança para fazer justiça, desapegados de pressão, somente levando em conta sua íntima convicção.

4 TRIBUNAL DO JÚRI, MÍDIA E OPINIÃO PÚBLICA

Atualmente os crimes que fazem parte da competência do tribunal do júri são tão somete os dolosos contra a vida apartados em capítulo específico do Código Penal, sendo eles taxados como homicídio doloso, infanticídio, auxilio, induzimento ou instigação ao suicídio e o aborto.

 Tais crimes fazem parte do rol de abrangência do tribunal do júri quer seja em sua forma tentada, quer seja em sua forma consumada, nos termos do artigo 14, do Código Penal. Os demais crimes que não são referidos no artigo 74, §1º, do Código Penal, não fazem parte do rol de competência do tribunal de júri, mesmo havendo resultado morte. Exemplo disso é o crime de latrocínio, nos termos da Sumula nº 603, do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “A competência para o processo e julgamento de latrocínio é do juiz singular e não do Tribunal do Júri”.

Críticas existem em relação ao próprio tribunal do júri e neste sentido bem se manifesta o clássico doutrinador José Frederico Marques em sua obra magistral A instituição do Júri, datada de 1997, publicada pela editora BookSeller:

Hodiernamente, a discussão se deslocou para outro campo: o da especialização do juiz criminal, com magistrados no exercício exclusivo da Justiça punitiva e devidamente providos de ‘conhecimentos jurídicos e criminológicos, para julgar o fato e o homem que delinquiu, inclusive ainda para impor o tratamento adequado e lhe fiscalizar a execução e os seus efeitos no tocante ao réu’.

É que o júri, levado ao continente europeu como reação à magistratura das monarquias absolutistas, perdeu seu aspecto político depois que o judiciário adquiriu independência em fase do Executivo; e despido daquela auréola quase mística de paladium da liberdade, para ser apreciado objetivamente como um dos órgãos da justiça penal, a sua inferioridade se tornou patente. Entre o julgamento inspirado na lei e na razão, no direito e no conhecimento técnico, e aquele ditado pelo arbítrio e pela instituição cega, não há hesitação possível.

O mesmo autor acima referido, mantem postura de discordância na forma de organização do tribunal do júri, pois reclama que o juiz leigo é muito suscetível à pressão das circunstâncias e manobras secretas para proferir seu voto. Para tanto, utiliza o autor fundamentação na doutrina de G. Lattanzi, para dizer que os jurados podem servir aos desejos de outrem, atendendo a finalidades políticas.

Pelo ordenamento jurídico em vigor todo brasileiro, homem ou mulher, está apto a servir como jurado, desde que se trate de pessoa idônea, respeitando-se o texto do artigo 436, do Código de Processo Penal, in verbis: “O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade”.

Por mais que seja inegável e necessária a notória idoneidade do jurado quando de sua convocação para o julgamento penal, é inegável que sobre este recaia a influência midiática e política, veiculada pelos meios de comunicação que se manifestam sobre cada caso penal posto para julgamento.

É sabido por todos que a todos os instantes, informações diversas chegam ao conhecimento público, criando regras e paradigmas, formando opiniões. Na esfera da criminologia e do processo penal, os meios de comunicação fazem a cobertura de casos criminosos, denotando maior atenção aos praticados com grande violência ou os que causam grande comoção social.

Nesta toada, como bem ensina Frederico Marques, o julgador no processo de competência do tribunal do júri pode vir a sofrer influências indesejáveis pela mídia e informações sensacionalistas.

A humanidade nunca evoluiu tanto no ramo das comunicações como no último século, desenvolvendo-se grande quantidade de informações e formas de se comunicar.

Por decorrência de tal situação, deu-se a criação dos popularescos meios de comunicação, que por sua vez pode influenciar e criar opiniões naqueles que com eles mantiverem contato, promovendo alterações das mais variadas formas.

O direito penal por sua vez objetiva tutelar os bens mais preciosos da existência humana, dentre eles a vida, a liberdade, o patrimônio, dentre outros, o que causa grande interesse social, principalmente pelo caráter sancionatório deste ramo do direito. Tal interesse não é despertado em apenas uma classe social, mas sim em toda coletividade. Por conta dessa abrangência do direito penal, os meios de comunicação, têm procurado dar maior atenção aos fatos que permeiam o campo criminal, passando estas duas áreas humanas a ter uma forte interação, que por vezes geram frutos de influência uma na outra.

Por óbvio que o ponto de maior repercussão neste estudo seria o da influência pejorativa dos meios de comunicação no julgamento penal, em especial na propagação de informações nos casos de incidência dos crimes de competência do tribunal do júri, formando, assim, indiretamente, a convicção dos julgadores desses casos, quais sejam, a própria sociedade em prejuízo dos princípios basilares que devem nortear o processo penal.

Cabe destacar que os componentes do tribunal do júri, são o público alvo dos meios de comunicação, sofrendo influência política e ideológica destes, dando corpo, conforme dito acima, ao explicitado pelo doutrinador Frederico Marques ao criticar a instituição do Tribunal do Júri.

Em artigo publicado durante o 2º Congresso internacional de Direito e Contemporaneidade da Universidade federal de Santa Maria a autora Fernanda Graebin Mendonça definiu muito claramente a relação entre a mídia e o sistema penal brasileiro. Descreve a autora:

Nas últimas décadas, a ‘mídia’ – comumente chamados os meios de comunicação em massa difusores de informações – ganhou força e influencia que não devem ser desconsideradas. Através da multiplicação e popularização de cada vez mais veículos midiáticos, como a internet, informações, sobre os mais diversos assuntos chegam aos indivíduos a todo minuto e de forma constante. Deste modo, a sociedade é influenciada pelo que vê e ouve através da mídia, formando, assim, a chamada ‘opinião pública’. Sobre este termo, ele pode possuir várias concepções dependendo do autor e do enfoque dado ao termo, mas, de forma mais simples e objetiva, pode-se definir a opinião pública como “o juízo coletivo adotado e exteriorizado no mesmo direcionamento por um grupo de pessoas com expressiva representatividade popular sobre algo de interesse geral” o que demonstra que os veículos midiáticos são capazes de formar e transformar a consciência coletiva.

Como narrado acima, o sistema penal nacional tem ganhado espaço privilegiado nos meios de comunicação, o que também foi alvo de comentários da operadora do direito Arianne Câmara Nery, em sua obra Considerações Sobre o Papel da Mídia no Processo Penal, em seu tema de conclusão de curso no ano de 2010, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro:

É possível destacar, em qualquer dos Órgãos da mídia, espaços dedicados à questão criminal, com nítida preferência a alguns tipos de crimes, previamente selecionados, que são reiteradamente exibidos, narrados e descritos constantemente. Neste cenário, é possível que tamanha quantidade de informações veiculadas exerça alguma forte influência no comportamento das pessoas em geral, o que é extensível aos sujeitos processuais – especialmente o juiz.

A atuação em exagero dos meios de comunicação no repasse de notícias em especial as de ordem criminal, no campo de atuação do Tribunal do Júri, por vezes vai além dos campos aceitáveis de moderação e da moral, desvirtuando-se, se tornando uma verdadeira fábrica de vítimas e réus em seus contos.

5 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA E LIBERDADE DE EXPRESSÃO

 

            O princípio da presunção de inocência, nada mais representa do que um direito fundamental com aplicação no campo penal, indispensável à pessoa humana que figure em processo penal, assegurando-se a esta sua dignidade e um julgamento justo. Tal princípio Constitucional é princípio do Estado Democrático de Direito, impondo ao próprio Estado regramentos e limites para que ocorra a condenação penal de qualquer indivíduo.

            Nesse sentido, há de se ter destaque o fato de que o Estado através dos meios legais cabíveis, deve comprovar a culpabilidade e a ocorrência do crime, garantindo-se para tanto a validade de outros dois direitos fundamentais, quais sejam, o contraditório e a ampla defesa.

            Não se trata de inocentar o acusado penal, mas tão somente garantir que este seja considerado culpado após uma colheita justa de provas e o transcorrer do processo penal eficaz. Trata-se, portanto de um dos mais importantes direitos fundamentais, devendo ser entendido como uma limitação ao próprio poder estatal, em prejuízo de que verdadeiras aberrações ocorram no julgamento de inocentes ou na aplicação de sanções mais gravosas aos autores de ilícitos penais.

Cabe enfatizar, que com a evolução da própria sociedade e da massificação de seus meios de comunicações, a manutenção do referido instituto se encontra abalada.

Estamos inseridos em um Estado Social em que a propagação de informações pelos meios de comunicações, em especial os de grande porte e de circulação nacional, modulam o censo crítico dos cidadãos. Em muitos casos, referidos meios de comunicação, têm em sua organização departamentos próprios para a cobertura de ilícitos penais em virtude da grande violência que açoita a sociedade moderna, fazendo programas específicos para tais situações e dando grande ênfase no julgamento dos casos de maior repercussão.

Por vezes, os meios de comunicação acompanham as infrações penais desde a sua consumação, passando pela fase inquisitiva, colheita de provas, chegando até o julgamento. Neste caso é ditado popularesco que esclarece que “a primeira impressão é a que fica” é real, pois com a exposição mássica ao público em geral das informações iniciais colhidas no inquérito policial cria-se uma atmosfera pela condenação daquele é o investigado ou indiciado.

Muito se discute sobre o potencial de impacto da mídia sobre os julgadores, estes, como seres humanos, inseridos no meio social, absorvem as demandas que circulam em seu entorno, através das informações que lhe são encaminhadas, razão pela qual não se faz equivocado afirmar que essas pessoas também sofrem a influência da mídia justiceira.

A massificação de informações pelos meios de comunicação, podem gerar uma falsa realidade tendenciosa à condenação do acusado, o que se mostra arriscado, pois como já dito, em muitos casos a posição midiática é estabelecida com os primeiros atos do Inquérito Policial que é organizado sem a existência do contraditório ou da ampla defesa.

Em caso de repercussão recente existe o exemplo que fatalmente aconteceu na Capital deste Estado de São Paulo com a família de Dina Vieira Lopes da Silva, que foi encontrada morta no interior do apartamento em que residiam. De imediato, os meios de comunicação passaram a noticiar que tais mortes foram causadas pela pessoa de Alex Guinones Pedrazza, boliviano residente neste país, que em tese teria promovido a dispersão de veneno no alimento consumido pelo grupo familiar.

Tais fatos foram noticiados como um verdadeiro absurdo perante os meios de comunicação, denotando prévia condenação moral aos atos do sujeito estrangeiro. Contudo, ocorre que com o desenrolar das investigações, chegou-se à conclusão de que não houve envenenamento praticado pelo estrangeiro, mas sim um acidente na tubulação de gás do apartamento e a consequente asfixia dos membros da família morta.

Para a maior parte da população, o sujeito boliviano foi e continuará sendo o autor do homicídio daquelas pessoas, pois a mídia dispensou neste caso uma maior atenção para imputar a ele a prática delituosa do que para assumir que a investigação estava equivocada e que ela noticiou fatos inverídicos.

Tal situação se evidencia quando se analisa a reportagem publicada no sitie da Rede Globo de Televisão na rede mundial de computadores no dia 18 de setembro de 2013:

Está preso em Suzano, na Grande São Paulo, o namorado da auxiliar de enfermagem encontrada morta com os quatro filhos na madrugada desta terça-feira (17). A polícia acredita que a família tenha sido envenenada.

Foi o próprio namorado, um boliviano de 33 anos, que avisou à polícia das cinco mortes.

Ele passou a ser considerado suspeito porque a polícia descobriu que o boliviano, namorado da vítima, já tinha feito ameaças contra ela várias vezes. Na terça-feira (17) à tarde ele esteve no apartamento onde aconteceu a tragédia e participou de uma reconstituição. Pouco depois, foi preso.

No banco de trás do carro da polícia, Alex Guinone Pedraza, de 33 anos, escondia o rosto. Por volta da 01h30 da manhã, ele chegou à cadeia pública de Suzano, na Grande São Paulo.

A auxiliar de enfermagem Dina Vieira Lopes, de 42 anos, e os quatro filhos, de 7, 11, 12 e 16 anos, foram encontrados mortos no apartamento onde moravam, em Ferraz de Vasconcelos, na madrugada desta terça-feira (17). O local estava muito sujo e revirado.

Na terça (17), Alex chegou a prestar depoimento no departamento de homicídios, e disse que pediu ajuda do vigia do prédio para arrombar o apartamento, pois ninguém atendia a campainha.

A polícia desconfiou do boliviano porque ele tinha um histórico de ameaças contra a auxiliar de enfermagem. Ela fez três queixas de agressão, uma delas em 2011. A justiça aceitou os argumentos e decretou a prisão temporária para evitar que Alex fugisse durante as investigações.

É em tom agressivo contra o princípio da presunção de inocência que a mídia neste caso imputa ao suspeito a autoria de um delito, que tempos mais tarde, descobriu-se que sequer existiu, tendo sido declarada uma fatalidade, pois a família não havia sido envenenada, mas sim asfixiada por um vazamento de gás no apartamento em que residiam.

É de causar indignação a forma de veiculação das informações referentes ao caso, dando fim antecipado e injusto a inocência de Alex Guinones Pedrazza. O boliviano em entrevista ao Jornal “O Estado de São Paulo”, publicada no sítio da rede mundial de computadores em 27 de setembro de 2013, manifestou-se em relação à tais circunstâncias da seguinte forma:

Está todo mundo em cima de mim. Não deu tempo de fazer nada. Fiquei escondido. Achei uma injustiça falarem que eu era o culpado. Já falavam que eu era o boliviano assassino. Falei que não era eu desde o começo. Falaram que eu estava bêbado, mas eu não conseguia nem falar. Fiquei desesperado. Mas não estava bêbado.

Provavelmente se este homem fosse a um júri, o clamor popular seria por sua condenação, apesar de estar evidenciado que não foi ele quem matou qualquer das pessoas que compunham o núcleo familiar, já que a mídia despejou sobre a sociedade informações de forma mais intensa sobre a sua “culpabilidade” do que sobre a não ocorrência de qualquer ato criminoso que o envolvesse.

Diante de tal situação temos a hipótese de que as informações repassadas pela grande mídia têm o condão de estabelecer ou não a convicção dos que irão compor o corpo de sentença em julgamento popular, pois todos os que compõe fazem parte da sociedade, como de fato devem ser nos termos legais, mas que não podem se livrar da bagagem de emoções e informações que os levaram até o julgamento.

Com o acontecimento penal, os meios de comunicação, imediatamente fazem com que as informações se propaguem perante toda a sociedade. Não pode se dizer que tal situação é ilegal, porém este tipo de postura há de ser tido como imoral, uma vez que em muitos casos a intimidade e a identidade dos envolvidos não é resguardada, criando-se uma mancha, muitas vezes de sangue na história do envolvido, que dificilmente pode ser removida, como no caso exemplificado acima.

Como dito, a divulgação de informações não é ilegal, mas sim imoral e sensacionalista, estabelecendo-se um embate ético entre regras constitucionais, quais sejam a liberdade de expressão e os direitos fundamentais da presunção de inocência, garantia da ampla defesa e contraditório e a própria intimidade dos envolvidos.

De fato, a sociedade tem o direito de ser informada e os meios de comunicação devem cumprir com seu papel de informantes, porém devem ter como regra básica a garantia de que em o fazendo, resguardarão a inocência do acusado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Por fim, cabe destacar que eventual pressão midiática sobre os agentes da cultura penal, em especial sobre os julgadores, mediante a indevida irrestritividade de informações, pode ocasionar em quebra de garantias constitucionais que se fazem indispensáveis à verdade real e a um julgamento justo, seja o réu quem for.

6 CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto foi possível observar que o julgamento de nossos pares pela sociedade se deu desde o início da velha Inglaterra, se expandindo por todo o mundo inclusive no Brasil e perdura até os tempos de hoje.

            Também foi exposto claramente que o intuito deste trabalho é defender o direito em questão e não a pessoa do acusado, é garantir que o princípio do devido processo legal seja cumprido, assegurando ao infrator penal que todos os seus direitos fundados na Constituição sejam resguardados.

            Frente às notícias de aumento alarmante da criminalidade a população fica temerosa e é nesse contexto que nasce um sentimento de impunidade, que posteriormente evolui para um sentimento de condenação a qualquer custo, desprezando os princípios basilares do Tribunal do Júri, bem como outros princípios constitucionais, tais como o princípio da ampla defesa e contraditório, todos devidamente respeitados, alcança-se a equidade no júri, atendendo ao super princípio, qual seja o devido processo legal.

            Fica notoriamente comprovado que a mídia possui forte influência na propagação de informações de seu interesse onde por diversas vezes distorce casos contando ao público apenas sua versão, criando uma falsa imagem na mente da população em que o correto é aquilo que ela está expondo. Necessário seria que esta exposição de fatos divulgados pela mídia fosse apenas de caráter informativo e feita com a maior descrição possível, para que não afete nem prejudique qualquer acusado que seja, porém infelizmente esta realidade está longe de acontecer.

Portanto, conclui-se que é plenamente possível que os julgadores sejam influenciados pela postura midiática que é imposta a sociedade pelos meios de comunicação. Tais julgadores, nos casos de grande repercussão, não estão livres de se dirigirem à sessão de julgamento com uma mentalidade condenatória pré-estabelecida pelos meios de comunicação, o que prejudica a aplicação das regras processuais penais de livre apreciação das provas e da aplicação do princípio da presunção de inocência.

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STJ, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 23/02/2010, TS – QUINTA TURMA.

STF – HC: 70193 RS, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 20/09/1993, Primeira Turma, Data de Publicação: DJ 06-11-2006 PP-00037 EMENT VOL-02254-02 PP-0292.

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