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Responsabilidade aquiliana do Estado: análise da possibilidade de denunciação da lide nas ações indenizatórias

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4.    Breves considerações acerca da Denunciação da Lide

A denunciação da lide é uma modalidade de intervenção de terceiros, prevista nos artigos 125 e seguintes do Novo Código de Processo Civil (NCPC), que consiste em “chamar o terceiro (denunciado), que mantém um vínculo de direito com a parte (denunciante), para vir responder pela garantia do negócio jurídico, caso o denunciante saia vencido no processo”(THEODORO JUNIOR, 2015, p. 372).

Nota-se, a partir deste conceito, que o instituto possui uma dupla finalidade, qual seja: cientificar o denunciado acerca da possibilidade de sua responsabilização ao final daquele processo, além de servir como ação de regresso antecipada, evitando, assim, a propositura de uma nova demanda para responsabilizar o denunciado.

Ademais, cumpre ressaltar a mudança que a legislação processual civil causou neste instituto, com o advento da Lei Federal 13.105, de 2015, que retirou a obrigatoriedade da denunciação da lide, corroborando com os anseios jurisprudencial e doutrinário, que já preconizavam pela facultatividade dessa modalidade de intervenção de terceiro. Essa prerrogativa salta aos olhos pela simples leitura do caput do art. 125, NCPC, que afirma ser “admissível” a denunciação da lide, em confronto com o art. 70 do CPC revogado, que, expressamente, dispunha ser obrigatória essa intervenção, nos casos previstos em seus incisos.

Nessa sucinta abordagem, é necessário ainda elencar as hipóteses de cabimento do instituto em discussão, bem como destacar em qual delas o presente trabalho se fundamenta:

Art. 125.  É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:

I - ao alienante imediato, no processo relativo à coisa cujo domínio foi transferido ao denunciante, a fim de que possa exercer os direitos que da evicção lhe resultam;

II - àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.

§ 1o O direito regressivo será exercido por ação autônoma quando a denunciação da lide for indeferida, deixar de ser promovida ou não for permitida.

§ 2o Admite-se uma única denunciação sucessiva, promovida pelo denunciado, contra seu antecessor imediato na cadeia dominial ou quem seja responsável por indenizá-lo, não podendo o denunciado sucessivo promover nova denunciação, hipótese em que eventual direito de regresso será exercido por ação autônoma.

Ante o exposto, tendo em vista que a finalidade precípua desta pesquisa é apontar a possibilidade de denunciação da lide, pelo Estado, em face do agente público causador do dano, quando aquele for demandado em ação reparatória, percebe-se que é no inciso segundo do artigo supramencionado que este trabalho se baseia, como será melhor detalhado no tópico subsequente.


5.    Possibilidade da Denunciação à lide na Ação Indenizatória em face do Estado

Como já visto, da conduta estatal que resulta em um dano para o particular, abre-se, para este, a possibilidade de ajuizar ação requerendo a reparação do sinistro. Noutro giro, se comprovado que o prejuízo fora causado por culpa ou dolo do agente público, faz nascer para o Estado o chamado direito de regresso. Outrossim, também se apontou que essas ações são autônomas, malgrado ser a ação indenizatória requisito para a de regresso.

Em regra, tem-se que essas ações são independentes e propostas em momentos diversos, criando-se uma dupla relação: vítima versus Estado e Estado versus agente. Nesse modelo adotado, vislumbra-se que o Poder Público tem retardada sua restituição pela indenização que se obrigou em relação à vítima do dano.

Nesse ínterim, é que se passou a discutir acerca da possibilidade de utilização da denunciação da lide nas ações indenizatórias em face do Estado, quando o agente tivesse praticado a conduta lesiva dolosa ou culposamente. Seria uma forma, assim, de antecipar a ação de regresso na própria ação reparatória. Desse modo, conforme preceitua o art. 37, § 6º, da CRFB, constata-se que essa obrigação do agente de reparar o dano decorre da lei, amoldando-se, portanto, ao estabelecido no art. 125, II, do CPC vigente.

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 A par disso, torna-se necessária a abordagem dos posicionamentos divergentes da doutrina e jurisprudência acerca da aplicação ou não dessa modalidade de intervenção de terceiros na questão discutida. Tal divergência, entretanto, não se dá quanto à legalidade do uso desse instituto, mas sim na conveniência da sua aplicação, ante os interesses das partes, sobretudo, da vítima.

Inicialmente, é mister evidenciar o primeiro posicionamento da doutrina, defendido pelo ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello, que advoga pela impossibilidade da denunciação da lide, tendo em vista que a adoção desse instituto acarretaria prejuízo à vítima.

O ônus desta consiste tão somente em demonstrar a conduta estatal, o dano sofrido, bem como o nexo de causalidade entre estas, uma vez que o dever de responsabilização pelo Estado é aferido de forma objetiva. Sendo assim, a instrução probatória exigida no decorrer dessa ação é de caráter mais simples, o que, por conseguinte, torna a demanda, em tese, mais célere.

Todavia, a crítica da doutrina consiste justamente em apontar que, ao denunciar o agente causador do dano à lide indenizatória, haveria, necessariamente, discussão acerca do dolo ou culpa deste, o que ampliaria subjetivamente o mérito da ação, prolongando o curso da demanda. Assim, ao invés de o processo requerer a comprovação apenas dos elementos ensejadores da responsabilidade objetiva, seria preciso ainda a análise da existência de culpa ou dolo na conduta do agente denunciado, o que deveria ser provado por parte do denunciante, ou seja, o Estado.

Nesse sentido, são as palavras de Mello, citando Zancaner:

Outra questão é a de saber-se se é aplicável ao tema da responsabilidade do Estado o disposto no art. 70, III, do Código de Processo Civil, de acordo com o qual: “A denunciação da lide é obrigatória àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda”. Revendo posição anteriormente assumida, estamos em que tem razão WeidaZancaner ao sustentar o descabimento de tal denunciação. Ela implicaria, como diz a citada autora, mesclar-se o tema de uma responsabilidade objetiva — a do Estado — com elementos peculiares a responsabilidade subjetiva — a do funcionário. Procede sua assertiva de que, ademais, haveria prejuízos para o autor, porquanto “procrastinar o reconhecimento de um legitimo direito da vitima, fazendo com que este dependa da solução de um outro conflito intersubjetivo de interesses (entre o Estado e o funcionário), constitui um retardamento injustificado do direito do lesado, considerando-se que este conflito é estranho ao direito da vitima, não necessário para a efetivação do ressarcimento a que tem direito”(MELLO, 2010, p.1041/1042).

Ademais, corroborando com essa corrente, tem-se precedente na jurisprudência do STF (REsp. 93.880/RJ, DJ 05.02.1982) no sentido de declarar a impossibilidade de denunciação da lide nas ações indenizatórias:

Diversos os fundamentos da responsabilidade, num caso, do Estado, em relação ao particular, a simples causação do dano; no outro caso, do funcionário em relação ao Estado, a culpa subjetiva. Trata-se de duas atuações processuais distintas, que se atropelam reciprocamente, não devendo conviver no mesmo processo, sob pena de contrariar-se a finalidade específica da denunciação da lide, que é de encurtar o caminho à solução global das relações litigiosas interdependentes.

Lado outro, há também posicionamento que defende a utilização dessa intervenção de terceiro na ação indenizatória em face do Poder Público.

Em explicação desse raciocínio, Cahali prevê duas hipóteses para aplicação deste instituto, a depender do fundamento da responsabilidade estatal, sendo esta objetiva e calcada na arguição de conduta dolosa ou culposa do agente público, seria possível a denunciação, bem como o litisconsórcio facultativo. Diversamente, entende o autor que, sendo a responsabilidade exclusivamente objetiva ou decorrente de culpa do serviço, não seria cabível a denunciação, seguindo o mesmo pensamento de Mello. (DI PIETRO, 2012, p.721, apud CAHALI, 1995).

Por fim, o Superior Tribunal de Justiça tem o seguinte entendimento:

PROCESSO CIVIL - DENUNCIAÇÃO À LIDE - PROCEDIMENTO SUMÁRIO - CONVERSÃO - ACIDENTE DE TRÂNSITO - MULTA - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - PREQUESTIONAMENTO. Embora cabível e até mesmo recomendável a denunciação à lide de servidor público causador de dano decorrente de acidente de veículo, uma vez indeferido tal pedido, injustificável se torna, em sede de recurso especial, a anulação do processo para conversão do rito sumário em ordinário e admissão da denunciação, em atenção aos princípios da economia e celeridade processuais. Sendo os embargos de declaração opostos com o objetivo de prequestionar a matéria, não apresentam caráter protelatório, devendo ser excluída a multa aplicada (Súmula nº 98 do STJ). Recurso parcialmente provido. (REsp n.197374/MG 1998/0089885-9).

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - DENUNCIAÇÃO DA LIDE - SERVIDOR PÚBLICO - POSSIBILIDADE. EM NOME DA CELERIDADE E DA ECONOMIA PROCESSUAL, ADMITE-SE E SE RECOMENDA QUE O SERVIDOR PÚBLICO, CAUSADOR DO ACIDENTE, INTEGRE, DESDE LOGO, A RELAÇÃO PROCESSUAL. ENTRETANTO, O INDEFERIMENTO DA DENUNCIAÇÃO DA LIDE NÃO JUSTIFICA A ANULAÇÃO DO PROCESSO. RECURSO IMPROVIDO. (REspn. 16.5411/ES1998/0013775-0).

Sendo assim, percebe-se que este Tribunal tem jurisprudência consolidada quanto à possibilidade de se denunciar à lide o funcionário público, em respeito aos princípios de economia e celeridade processual.


6.    Considerações Finais                 

O trabalho buscou explicar acerca da responsabilidade extracontratual do Estado, com análise da sua evolução e estudo da legislação pátria, constatando que no Brasil, como regra, vigora a responsabilização objetiva, decorrente de condutas comissivas, e, excepcionalmente, a responsabilidade subjetiva, quando do dano causado por omissão da Administração Pública, que tinha o dever legal de agir.

No que tange as ações indenizatória e regressiva, notou-se que as partes dessas demandas se diferenciam, sendo que naquela há uma relação entre o lesado e o Estado, enquanto nesta há uma lide entre Estado e o agente causador do dano. Verificou-se ainda que para a Administração Pública buscar o ressarcimento do quantum pago à vítima é necessário que haja um pleito reparatório anterior.

Ademais, a par da discussão sobre a utilização do instituto da denunciação da lide nas ações indenizatórias em face do Poder Público, foi realizado um estudo dessa modalidade de intervenção de terceiros, possibilitando entender sua aplicabilidade, sobretudo, à luz do Novo Código de Processo Civil, que impôs modificações neste incidente processual.

Ultrapassada toda a análise acerca da responsabilidade aquiliana estatal e do instituto da denunciação, foram abordados os posicionamentos divergentes, tanto doutrinários quanto jurisprudenciais, sendo o cerne da questão a conveniência ou não da denunciação da lide.

A pesquisa aponta ser oportuno que o Estado, quando demandado em ação reparatória, denuncie o agente público à lide, quando se verificar que o dano causado à vítima decorreu de conduta dolosa ou culposa deste. Ressalte-se que a denunciação do agente não acarretará manifesto prejuízo ao lesado, tendo em vista que, ao assim proceder, o Estado já assume a sua responsabilidade, não havendo mais discussão da existência da sua obrigação. Além disso, ao reunir, em um mesmo processo, a lide indenizatória e a regressiva, estar-se-iam concretizando os princípios de economia e celeridade processual.


REFERÊNCIAS

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. vol.1. 56. ed. rev., atual. eampl. Rio de Janeiro(RJ): Forense, 2015.

Sobre os autores
Cynara Silde Mesquita Veloso

Doutora em Direito Processual pela PUC Minas, Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela UFSC, Professora do Curso de Direito da UNIMONTES. Professora e Coordenadora do Curso de Direito das FIPMoc.

Hans Barbosa Sena

Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros -UNIMONTES (2017).

Lara Brandão de Aquino

Acadêmica do 9º Período do Curso de Direito da Universalidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Ana Paula Pereira Souza

Acadêmica do 9º Período do Curso de Direito da Universalidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.

Informações sobre o texto

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