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Psicopatia à luz do Direito Penal Brasileiro

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Agenda 13/10/2016 às 13:49

1 A  Psicopatia

É uma espécie de doença mental. É um desvio de comportamento moral, humano e ético. Os acometidos de psicopatia, não fazem interação social.

Há ausência de sentimentos. Não possuem empatia.

Os indivíduos portadores de psicopatia costumam ter uma inteligência acima da média. São manipuladores. Possuem consciência de seus atos. Não apresentam alucinação, psicoses ou neuroses.

São indivíduos insanos sem confusão mental.

Relato sobre um psicopata :

Ted pode ser descrito como o filho perfeito, o estudante perfeito, o escoteiro que virou adulto, um gênio, belo como um ídolo de cinema, uma luz brilhante para o futuro do partido Republicano, um sensível assistente social psiquiátrico, um precoce advogado, um amigo de confiança, um jovem com um futuro de sucesso. Ele era tudo isso, e nada disso. Ted Bundy não tinha um padrão; você não poderia olhar seu perfil e dizer “viu, era inevitável que ele iria acabar assim“. (RULE, 1981)

1.1  Teorias sobre a Psicopatia

Existem três correntes que conceituam a psicopatia.  

A primeira corrente conceitua psicopatia como uma doença mental. O indivíduo psicopata apresenta um transtorno mental, como qualquer outro tipo de doença mental. Essa corrente não diferencia psicopatia das demais doenças mentais.

A segunda corrente conceitua psicopatia como uma doença moral. Há desvio de comportamento. O indivíduo não é capaz de compreender as regras impostas, pela sociedade e se portar conforme tais ditames.

A terceira corrente conceitua psicopatia como transtorno de personalidade.

O indivíduo pode apresentar uma psicopatia primária, genética, nascendo com ela ou uma psicopatia secundária, que é manifestada pelas experiências vividas, traumas e condições socioculturais. Esta teoria é majoritária na psiquiatria forense.

2 Fixação da Pena

O Código Penal adotou o critério trifásico para fixação da pena. O juiz ao elaborar a sentença deverá preencher três etapas para o cálculo da pena. Quais sejam: primeira fase aplicará a pena base, analisando as circunstâncias judiciais; segunda  fase analisará a presença de circunstâncias atenuantes e agravantes; e na terceira fase as causas de aumento e de diminuição de pena.

A primeira fase de aplicação da pena é a mais difícil para o juiz, devido ao seu alto grau de subjetivismo. O juiz analisará o caso concreto, as características do crime, motivos, razões e a personalidade do agente. Em conformidade com o artigo 59 do Código Penal :

Art. 59. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

A análise das circunstâncias judicias para aplicação da pena base a psicopatas é de grande complexidade, para o juiz, já que não há parâmetros em que se basear, para definir o indivíduo como psicopata. Cada caso é um caso.

Os psicopatas apresentam as mais variadas personalidades e graus. Não seguem um padrão determinado. Sendo assim, o juiz será auxiliado pelo auxiliar da justiça: o psiquiatra forense.

2.1 Laudo Pericial

Não há exames laboratoriais que identificam a psicopatia. O exame é apenas clínico.

Devido a ausência de alterações químicas no organismo, o indivíduo se apresenta como uma pessoa normal em suas faculdades mentais, sem distúrbios psíquicos, o que pode retardar ou até mesmo falhar o diagnóstico. 

O psiquiatra analisará o comportamento, a personalidade, depoimento de familiares, o meio sociocultural em que está inserido, e assim emitirá sua opinião, por meio de um laudo de constatação de sanidade mental.         

O juiz não está vinculado ao laudo pericial do psiquiatra. É admissível discricionariedade em sua análise. Na maioria dos casos o juiz fica adstrito ao laudo do psiquiatra.  Alto grau de complexidade permeia a decisão do juiz. Como estabelecer parâmetros para aplicação da pena base se não há ferramentas á disposição do juiz, além do laudo pericial, que é quase que sua, única , alternativa.

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É necessário que a psiquiatria forense e o poder judiciário caminhem juntos, cooperando uns com os outros , para que a justiça seja feita.

Muitos laudos periciais constatam que a tendência dos psiquiatras forenses é optarem pela semi-imputabilidade, já que a psicopatia se manifesta com consciência da ilicitude da conduta, conhecimento das regras, mas descaso em transgredi-las, manipulados por desvios de comportamento.

2.2 Sanção Penal

Entendendo o juiz ser caso de semi-imputabilidade, aplicará medida de segurança restritiva, com diminuição da pena de 2/3. Ficará o juiz adstrito aos limites mínimo e máximo impostos ao tipo. A pena será cumprida em estabelecimento prisional, junto com os presos comuns ou poderá ser submetido a tratamento ambulatorial, a depender da gravidade do delito.

Se o juiz entender que se trata de caso de inimputável , deverá aplicar absolvição imprópria. Absolverá o condenado de uma condenação, para impor uma medida curativa, terapêutica e preventiva, a medida de segurança.  A internação se dará em Hospitais de Custódia e tratamento.

3 Duração da Medida De Segurança

Entende o Código que o prazo de cumprimento da medida de segurança é indeterminado, estabelecendo apenas um prazo mínimo de 1 a 3 anos, para a realização de exame que auferirá a periculosidade do agente. Conforme estabelece em seu artigo 97 :

Art. 97. Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação . Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.

§1º- A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.

Se o laudo pericial constatar que não cessou a periculosidade do agente, este poderá permanecer internado, por prazo incerto. Mas e o principio da Dignidade da pessoa humana? E a norma constitucional que proíbe penas de caráter perpétuo?

Haverá uma contrariedade ao que dispõe a redação da Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5, inc.XlVII, ‘’b’’, conforme verbis :

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

b) de caráter perpétuo;

Diante dessas indagações o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que, o tempo de duração de cumprimento da medida de segurança detentiva, deve perdurar pelo prazo máximo de 30 anos . Conforme limite máximo de cumprimento de pena, imposto pelo Código Penal brasileiro, em seu artigo 75. Segue entendimento :

“(...) A prescrição da medida de segurança deve ser calculada pelo máximo da pena cominada ao delito cometido pelo agente, ocorrendo o marco interruptivo do prazo pelo início do cumprimento daquela, sendo certo que deve perdurar enquanto não haja cessado a periculosidade do agente, limitada, contudo, ao período máximo de 30 (trinta) anos, conforme a jurisprudência pacificada do STF. (...)” STF - RHC n.º 100383 AP-AMAPÀ, Rel. Min. LUIZ FUX, 1ª Turma, DJe 4⁄11⁄2011.

O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que o prazo de duração da medida de segurança, não deve ultrapassar o prazo máximo, previsto abstratamente ao delito cominado. Esse entendimento foi concretizado na súmula 527, com a seguinte redação:

Súmula 527: O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.  

4 Execução Da Pena

Os psicopatas semi-imputáveis têm direito aos benefícios da pena, assim como os demais presos. Mas é necessário muita cautela em sua concessão, já que não temem a volta ao cárcere. Não sofrem os efeitos da pena.     

Há um entendimento do STF que pode restringir a concessão do beneficio de progressão de regime a presos, que cumprem pena em Penitenciária Federal. Segue o julgamento do HC 131.649/RJ :

“Não faz jus ao benefício da progressão de regime o condenado que esteja cumprindo pena em penitenciária federal de segurança máxima por motivo de segurança pública ou que integre organização criminosa, pois tais circunstâncias evidenciam a ausência dos requisitos subjetivos para a progressão de regime prisional.”

Esse entendimento do STF deveria ser analisado a luz das Psicopatias, que não apresentam possibilidades de ressocialização, por oferecerem grande risco a sociedade.

A maioria dos psicopatas cumprem pena em estabelecimento prisional comum, devido a facilidade de dissimular bom comportamento carcerário.

Ao atingirem o prazo máximo de 30 anos de internação, psicopatas serão inseridos ao seio da sociedade, mesmo que a pericia conclua pela não cessação da periculosidade. Como estará a sociedade protegida de psicopatas, que pesquisas apontam um baixo índice de ressocialização? Psicopatas serão colocados em liberdade, mesmo que sem respaldo para tal.

Como instrumento de defesa, há a possibilidade de ajuizar ação civil de interdição e cumular com pedido de internação compulsória.

5 Cumprimento da Finalidade Da Pena

O psicopata cumpre as finalidades da pena de prevenção geral, e prevenção especial? Há ressocialização de psicopatas?

Estatísticas apontam que, no psicopata, o índice de reincidência criminal é três vezes maior que nos demais delinquentes e que tais indivíduos representam cerca de 33 a 80% da população de delinquentes criminais crônicos. (TRINDADE, 2009)

Psicopatas não são capazes de sentirem os efeitos da pena. Não possuem sentimentos de culpa, de remorso, o que impede sua ressocialização.

Na penitenciária possuem bom comportamento, muitas vezes, são tidos como exemplos. Por serem manipuladores, conseguem fingir e dissimular situações que os favoreçam.

Tratamento curativo em Hospitais de Custódia e Tratamento não surtem efeitos, já que não há como impor sentimentos que psicopatas não vivenciaram, portanto não os conhecem. Principalmente os psicopatas primários, que nasceram com a ausência desses sentimentos. Dessa forma é quase impossível afastar a periculosidade do psicopata, para reinseri-lo ao convívio social.

Psicopatas cumprem a finalidade da pena quanto a prevenção geral, mas em sua maioria não cumprem a prevenção especial, devido ao baixo índice de ressocialização.


6 Considerações Finais

Há uma deficiência de leis, súmulas, portarias que tratam sobre o tema psicopatia. Pouco se debate nos Tribunais brasileiros.  Existem um número ínfimo de jurisprudências relacionadas a psicopatia. Isso se deve ao fato de igualarem psicopatas, a delinquentes comum.

Existe uma proposta de projeto de lei (PL 6858/2010) pelo ex-secretário de segurança pública e ex-deputado federal Marcelo Itagiba, que objetiva a alteração na Lei de Execução Penal (Lei 7210/84). Visa a criação de uma comissão técnica independente, composta por psicólogos e psiquiatras forenses, para a realização de exame criminológico do condenado à pena privativa de liberdade. Assim como o cumprimento de pena em estabelecimentos prisionais especiais, separados dos demais presos.

A psicopatia precisa de mais atenção dos poderes públicos, por serem doenças  periculosas com baixíssimo índice de cura ou sem possibilidade de cura, quando a psicopatia for primária.

O meio sociocultural tem papel relevante no surgimento das psicopatias secundárias. Desenvolvem-se principalmente na infância, devido a vivências traumáticas. Essa psicopatia secundária tem uma possibilidade maior de cura e de atingir as finalidades da pena.  

Precisa-se de medidas de acolhimento eficazes, para com as crianças em situações de riscos, melhorias na educação, saúde, lazer, para que seja proporcionado um ambiente saudável, com uma melhora na qualidade de vida.

Psicopatas no Brasil não recebem um tratamento adequado ás suas condições mentais. Por cumprirem pena junto com os demais presos, acabam por influencia-los de forma negativa, o que torna os presídios verdadeiras escolas do crime.

Os psicopatas deveriam cumprir pena em estabelecimentos especiais, com tratamento adequado a sua condição, acompanhados por equipes interdisciplinares qualificadas, pelo Direito Penal e Psiquiatria Forense, para que haja uma possível ressocialização e cumprimento das finalidades de prevenção geral e especial da pena.


7 Referências Bibliográficas

1. Precedentes: HC 107432 RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgamento em 24/5/2011; HC 97621 RS, Rel. Min. Cezar Peluso, Julgamento em 2/6/2009.

2. TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 9ª ed., 2014.

3. Psicopatia e Sociedade. Disponível em: www.psicopatiaesociedade.blogspot.com.br  (acessado em 11 de outubro de 2016)

4. TRINDADE, J.; BEHERENGARAY, A.; CUNEO, M.R. Psicopatia: a máscara da justiça. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

5. TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 6. ed. rev. atual. e ampl. – Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

6. NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 14. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

7. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus HC 131.649 -RJ 

Sobre a autora
Poliany Cestari

Advogada Italo brasileira. Università di Pisa. Atuante no Brasil e Itália.

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