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A injustiça de erros judiciais e a violação de princípios constitucionais

Agenda 18/10/2016 às 20:16

Um comparativo entre notícias concretas e filmes baseados em fatos reais e como medidas erradas podem trazer consequências irreversíveis.

A injustiça infelizmente ainda é muito presente na sociedade atual. Quantas pessoas são encarceradas por meses ou então anos até a verdade ser enfim descoberta ou o mal entendido desfeito.

 A questão é que dois casos muito famosos ocorreram na sociedade. Um em nosso país e outro fora dele. A intolerância o preconceito e uma investigação precária e defeituosa podem levar vidas a serem interrompidas.

           A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil em seu artigo 1º, inciso III da Constituição Federal. Pode ser apontado como princípio fundamental que orienta e estrutura todo o ordenamento pátrio.

Conceituar dignidade está longe de ser tarefa fácil, sendo possível observar forte divergência na doutrina.

Ainda assim a definição de Ingo Wolfgang Sarlet[1] traduz bem tal princípio, a saber:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos d própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida

 Portanto, a dignidade da pessoa humana, o direito a um processo justo e ao contraditório e ampla defesa não são apenas princípios que devem estar constantes no texto da lei, mas também na sociedade em que vivemos.

 O CASO DOS IRMÃOS NAVES

            O filme, O caso dos irmãos Naves, retrata o que é considerado o maior erro do judiciário brasileiro. Os irmãos Sebastião e Joaquim Naves foram presos e torturados para confessar um crime que não cometeram, e que sequer existiu.

Esse ocorrido teve injustiças desde o começo e durante todo o ocorrido. Eles foram submetidos a passar por um processo injusto do qual nunca deveriam sequer ter chegado perto de participar. De qualquer maneira, já que era assim ao menos eles deveriam ter tido os direitos irrenunciáveis que qualquer indivíduo que é tido como "réu" deveria possui. Mo entanto, nenhuma de suas garantias foi respeitada. O devido Processo Legal, o princípio da presunção de inocência, nada disso foi levado em conta e todo o resto desrespeitado.

O caso não deveria ter acontecido dessa maneira se tivesse sido observado de acordo com o quanto embasado no Direito Penal atual o qual prevê que princípios devem ser espeitados, a humanidade, integridade, garantias e direitos dos acusados devem ser defendidos. O argumento de que as leis à epoca possuiam lacunas não é o suficiente para aceitar como desculpa e permitir que o processo ocorresse da maneira que assim foi.

Embora, atualmente, muito se evoluiu no campo dos direitos humanos, diversos mecanismos foram criados para o resguardo dos direitos fundamentais. Entretanto arbitrariedades na investigação e no julgamento de crimes ainda ocorrem diuturnamente, não é raro tomarmos conhecimento de uma prisão sem fundamentos, de indivíduos coagidos e agredidos pela polícia.

Mesmo diante da proteção da Constituição Federal de 1988 e da Declaração dos Direitos Humanos, casos de violação, tortura e prisão infundada, como o ocorrido no caso dos irmãos Naves, continuam acontecendo.

Um caso não muito recente, mas que ganhou repercussão foi do ex-mecânico preso por um erro gravíssimo, Marcos Mariano da Silva.

Ele foi preso em 1976 tudo porque tinha o mesmo nome do homem que cometeu um homicídio. A pessoa responsável pelo crime apenas apareceu seis anos depois do ocorrido.

Mesmo tendo colocado em liberdade, 3 anos depois uma blitz o parou quando Marcos dirigia um caminhão arado por uma blitz, quando dirigia um caminhão. Havendo total abuso e nenhum tipo de análise justa, o juiz responsável a causa determinou sua volta à prisão por ter violado a liberdade condicional. Decisão essa que foi tomada sem qualquer consulta ao processo, segundo os noticiários na época.

Marcos foi abandonado pela mulher, tudo o que conseguiu foi uma tuberculose e uma cegueira. Esses foram os seus infortúnios em 13 anos de uma prisão injusta.

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A liberdade definitiva só veio durante um mutirão judiciário. O julgamento em primeiro grau demorou quase seis anos. O Tribunal de Justiça de Pernambuco determinou que o governo deveria pagar R$ 2 milhões. O governo recorreu da decisão, mas se propôs a pagar uma pensão vitalícia de R$ 1.200 à vítima.

Uma pensão vitalícia num valor tão irrisório nunca seria o suficiente para compensar a injustiça cometida contra um homem que teve sua vida destruída por uma decisão e um sistema judiciário falho e lento.

O fato é que nem um valor substancialmente maior seria suficiente. Até porque, como muitos que sofrem o mesmo e nunca chega ao conhecimento de ninguém, Marcos faleceu de infarto do miocárdio há mais de 5 anos atrás.

O artigo 8º da Convenção Interamericana de Direitos Humanos[1] trata das garantias judiciais oferecidas aos acusados de qualquer crime que seja, porém pode-se notar que em muitos casos isso não é respeitado, tal como ocorrido nos casos em discussão.

HURRICANE – O FURACÃO

Para entender o contexto da história e da comparação a ser feito faz-se necessário entender o caso real por trás do filme biográfico de 1999 dirigido por Norman Jewison. Denzel Washington faz o papel de Rubin “Hurricane” Carter. Ele era um famoso pugilista americano que foi preso e acusado injustamente por assassinato. Tudo levava a vrer que haviam perseguições raciais por trás de tais acusações, mas pessoas se sensibilizaram e tentaram ajudá-lo a provar sua inocência, devido um novo julgamento. e das pessoas que o ajudaram a conseguir um novo julgamento que o inocentou.

 Infelizmente, ele ficou mais de 20 anos preso injustamente e é possível ligar tal ocorrência a diversos casos da vida real, onde alguns é possível tomar conhecimento através da mídia e outras acabam eternamente injustiçados, sem nenhum tipo de ajuda ou justiça.

Ao tomar o filme de Rubin Carter como exemplo, pode-se citar o caso recente do ator Vinícius Romão de Souza que foi preso injustamente em janeiro de 2014 após ter sido acusado e preso injustamente pelo roubo de uma bolsa de uma mulher no Rio de Janeiro[3]. Vinícius é formado em psicologia, trabalhava numa loja de roupas e recentemente fez aparoções em trabalhos na televisão. O estereótipo no “negro-ladrão-que-rouba-todo-mundo” infelizmente é algo que muitas pessoas tem que engolir a seco simplesmente pelo tom de sua pele.

É fato que existem as divergências entre ambas as histórias. Rubin Carter ficou preso durante quase 20 anos e mesmo existindo aqueles que acreditavam nele, seu fardo foi pesado durante todo esse tempo. Vinícius Romão ficou preso durante algumas semanas, e certamente apenas saiu da prisão injustamente imposta à ele devido à grande repercussão na mídia que seu caso recebera. Caso contrário, certamente estaria até agora esperando por algo, por algum tipo de sorte, algum milagre aleatório que o pudesse libertar.

Destarte, apesar das diferenças, as histórias se assemelham em diversos aspectos: A injusta acusação e opressão que um indivíduo sofre simplesmente devido à cor de sua pele. Ambas as histórias são reais e foram sentidas na pele por dois homens que estavam no lugar errado, na hora errada. Mas espera...então a culpa é deles? Mas é claro que não. O fato de estarem ali e se verem encurralados numa avalanche de acusações e conspirações – no caso de Rubin -  simplesmente mostra como mesmo com um gap de quase 50 anos entre a prisão de Carter e Vinícius, ainda vivemos numa sociedade retrógrada e por que não, racista. E quando falamos “sociedade”,  seria ela como um todo. Não apenas Brasil e Rio de Janeiro. Não apenas Estados Unidos e New Jersey.

A historia de Rubin Carter não foi simples. Em 17 de junho, 1966, em cerca de 2h30, dois homens entraram no Lafayette Bar e Grill na East 18th Street em Lafayette Street, em Paterson, New Jersey, e começou a atirar. O barman, James Oliver, um cliente, Fred Nauyoks, foram mortos instantaneamente. Uma cliente ficou gravemente ferida. Hazel Tanis morreu quase um mês depois, de ter sido baleado na garganta, estômago, intestino, baço e pulmão esquerdo, e tendo seu braço quebrado por chumbo de espingarda. Um terceiro cliente, Willie Marins, sobreviveu ao ataque, apesar de um ferimento a bala na cabeça que lhe custou a visão em um olho. Durante o interrogatório, ambos Marins e Tanis disse à polícia que os atiradores tinham sido homens negros, embora não identificado Carter ou o seu amigo que também havia sido acusado.

Histórias separadas por várias décadas. Semelhanças presentes mesmo assim. O racismo, a intolerância, o ódio, o estereotipo ridículo do negro que merece ser acusado por ser a opção mais óbvia e mais próxima.

A questão e que em ambos os filmes há a veracidade por trás do enredo cinematográfico. Alguns podem criticar dizendo que em um filme há a intenção de romantizar o negro e ridicularizar o branco; em outro há a presença de elementos que forcam a vitimização dos irmãos acusados e a crítica exacerbada ao judiciário brasileiro. Seria mesmo isso? Certamente não. A verdade muitas vezes e algo difícil de lidar e essa e a verdade por trás dos dois filmes.

Talvez encarar a verdade seja necessário para notar que, mesmo diante de tantos anos de tentativa de evoluir e com tantos avanços dos Direitos Humanos, ainda é preciso olhar para ela, olhar de verdade para o mundo para que assim o indivíduo possa se tornar mais humilde e sentir a dor da humanidade inteira. Não se pode admitir que essas pessoas tenham essa dor, que tenham de encará-la absolutamente sozinhas, fazendo com que essa dor da discriminação ou da injustiça, de tão insuportável, produza sua própria anestesia.

Grandes conquistas e realizações são resultado de grande sacrifício e nunca e o resultado de egoísmo. Enquanto vivermos numa sociedade onde os Direitos Humanos são fortemente aprimorados e enfatizados na teoria e absolutamente negligenciados e esquecidos na prática, essa frase nunca irá fazer sentido. Mas quando tudo aquilo pelo qual o ser humano demorou décadas para construir for levado em conta na hora de realmente valorizar o indivíduo, então sim será possível entender a aplicabilidade e eficácia dos Direitos Humanos na vida de todos os cidadãos, não importa onde eles estejam.

BIBLIOGRAFIA E FONTE:

CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANO. Artigo 8. Garantias judiciais. Inciso 2. (Assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969).

G1 - Ator preso por engano é solto no RJ depois de passar 16 dias na cadeia. http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/02/ator-preso-por-engano-e-solto-no-rj-depois-de-passar-16-dias-na-cadeia.html Acesso em 20 de maio de 2014.

G1 - No Recife, ex-mecânico preso por engano foi vítima de infarto, diz laudo. http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/2011/11/no-recife-ex-mecanico-preso-por-engano-foi-vitima-de-infarto-diz-laudo.html

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direito fundamentais na Constituição Federal de 1988, 7. Ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2009, página 67.CAPEZ. In: CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional Simplificado, Editora Saraiva, 17ª edição, página 56.


 


[1] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direito fundamentais na Constituição Federal de 1988, 7. Ed. Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2009, página 67.CAPEZ. In: CAPEZ, Fernando. Direito Constitucional Simplificado, Editora Saraiva, 17ª edição.

[2] Artigo 8º, 2 - Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa

[3] G1 – Ator preso por engano é solto no RJ depois de passar 16 dias na cadeia

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