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Prolegômenos do Novo Código de Processo Civil e sua aplicabilidade nos juizados especiais cíveis e da fazenda pública

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Agenda 02/11/2016 às 14:50

2. Problemáticas

2.1. Contagem de Prazos 

A contagem de prazo em dias úteis trazida pelo NCPC é sem dúvida a maior polêmica com reflexos nos juizados especiais.

Os que defendem o uso de prazos úteis o fazem sob dois argumentos: Primeiramente, alegando que a lei 9.099/95 e a 12.153/13 não possuem uma forma própria de contagem de prazos. Logo, o NCPC deve ser aplicado subsidiariamente. Esse discurso não tem fundamento pois já concluímos que não há subsidiariedade geral do NCPC à lei 9.099/95.

Além disso, utilizam o art. 219 do NCPC que diz que “Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis”. Daí se conclui logicamente que os prazos em horas ou meses não são contados em dias úteis. A questão é saber se quando o artigo fala “estabelecido por lei” poderia estar se referindo à lei dos juizados para aplicação dos dias úteis.

Qualquer lei agora deverá contar os prazos em dias úteis? Façamos a interpretação do absurdo para deixar claro. A lei penal ou a processual penal seguiria o prazo em dias úteis? E a de improbidade que traz responsabilidades multidisciplinares? Por óbvio que este artigo não quer dizer que qualquer lei que exista no país vai ter contagem em dias úteis. O art. 219, quando fala de prazo fixado em lei ou pelo juiz, refere-se aos prazos no NCPC e todas as leis que o aplicam subsidiariamente como a lei 8.069/90 por exemplo.

Apesar de ser de aplicação subsidiária para a lei 12.153/09, a lei 9.099/95 também o é. Logo, a contagem de prazos em dias úteis não seria cabível aos juizados cíveis e da fazenda.

Além do equívoco interpretativo exposto, devemos levar em consideração o sistema dos juizados especiais. Um dos critérios/princípios norteadores é a celeridade. Se a norma fere o sistema da lei e não tem previsão expressa de aplicação, é impossível qualquer forma de contagem de prazos nos juizados que não em dias corridos.

Passando à prática, o PJE não previu o tema e conta todos os prazos em dias úteis. Até mesmo os prazos não processuais como o prazo para cumprimento de RPV por ente público tem sido contado em dias úteis. Mas apesar do erro, neste exemplo, o magistrado já se manifesta pelo sequestro de valores do ente antes mesmo do prazo vencer no PJE, pois o que importa de fato é a contagem correta. Em estados que contam em dias corridos o PJE foi adaptado.

2.1.1. Regulamentação

O FONAJE (Fórum Nacional de Juízes Estaduais) já disciplinou o assunto no enunciado 165 - “Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos serão contados de forma contínua” (XXXIX Encontro – Maceió-AL) e ENUNCIADO 13 - “A contagem dos prazos processuais nos Juizados da Fazenda Pública será feita de forma contínua, observando-se, inclusive, a regra especial de que não há prazo diferenciado para a Fazenda Pública - art. 7º da Lei 12.153/09” (XXXIX Encontro – Maceió-AL).

Os enunciados do FONAJE não tem caráter vinculante, mas possuem grande importância para a interpretação, bem como para a integração dos dispostos na lei 9099/95. Servem como guias, orientações para todos os operadores que atuam na área dos juizados especiais.

Ainda assim, os Juizados no país estão divididos. Alguns estados já definiram o método de contagem que estão adotando conforme a planilha a seguir:

Seguem dias corridos

Seguem dias úteis

AL

AM

MA

AP

MS

CE

MT

DF

PE

MG

PR

PB

SC

RJ

SE

RN

SP

RR

-

TO

Outros estados ainda não tem uma definição. Na Bahia, o assunto ainda não foi uniformizado. A questão será discutida na próxima reunião de magistrados, ainda sem data definida. O mesmo ocorre no Espírito Santo – o tribunal aguarda reunião entre os juízes dos JE para definir a questão. Em Goiás, a assessoria do Tribunal informou que há divergência sobre o tema. Sendo assim, por ora cada juizado tem autonomia para aplicar a contagem de prazos da forma como entender. O Rio Grande do Sul se pronunciou no sentido de que a questão é jurisdicional, e, por isso, não fará orientação acerca do tema, “entendendo que o ideal seria que o STJ, assim como fez em relação a data de entrada em vigor do NCPC, definisse essa questão em sessão administrativa. No âmbito das Turmas Recursais Cíveis, não houve ainda uma uniformização no entendimento a respeito desse tema" (Site Migalhas, 2016).

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Aqui em Rondônia ainda não há posição oficial sobre o assunto. A corregedoria alegou que os juízes têm autonomia na aplicação dos prazos. A Turma Recursal se manifestou sobre a matéria, tomando a posição do TJ/DF, ou seja, pela aplicação do novo CPC (dias úteis). Todavia, o próprio coordenador dos Juizados Especiais, Desembargador Dr. Raduan Miguel Filho, e os juízes dos Juizados Especiais da capital, Dr. José Torres Ferreira, Dr João Luiz Rolim Sampaio e Dr. Guilherme Baldan defendem que deve ser aplicada a regra dos Juizados Especiais - o prazo corrido.

Na esfera legislativa há proposições para regulamentar o tema. Desta forma, não restaria dúvidas quanto à forma de contagem a seguir. Mas o que parece solução vira outro dilema. Existem dois projetos em tramitação. Um no Senado e outro na Câmara dos Deputados. Um determinando dias corridos e outro dias úteis.

O projeto de lei do senado nº 238, de 2016 de autoria do Senador Lasier Martins acrescenta parágrafo único ao art. 2º da Lei 9.099/95 para prescrever que, nos processos perante os juizados especiais cíveis, os prazos serão computados de forma contínua, não se suspendendo nos sábados, domingos e feriados.

Já o projeto de lei n.º 5.038, de 2016 de autoria do Deputado Augusto Carvalho altera a redação do art. 219 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015; inclui o art. 28 na Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, e o art. 98 na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, visando aplicar a contagem de prazos em dias úteis aos Juizados Especiais.

Muitos entendem como provável uma decisão do STJ a respeito do assunto, que penso inócua se houver mudança legislativa expressa.

2.2. Competência para realizar admissibilidade de recursos

O NCPC trouxe a mudança de competência para realizar a admissibilidade dos recursos, passando ao juízo ad quem. Pouco tempo depois já foi aprovada lei que alterou o NCPC tirando essa competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça no caso de Recurso Extraordinário e Recurso Especial. Através da lei 13.256/2016, assim ficou disposto: “Art. 1.030. Recebida a petição do recurso pela secretaria do tribunal, o recorrido será intimado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias, findo o qual os autos serão conclusos ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal recorrido, que deverá: V – realizar o juízo de admissibilidade e, se positivo, remeter o feito ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, desde que: (...)”. Também no recurso de apelação:

“Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

(...)

§ 3o Após as formalidades previstas nos §§ 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente de juízo de admissibilidade”.

No entanto, na lei 9.099/95 não houve alterações com relação ao recurso inominado, mas alguns magistrados nos juizados argumentaram que a admissibilidade agora seria da turma recursal. Aí a turma recursal diz que não é competência dela e acaba ninguém fazendo a admissibilidade em alguns casos.

Aqui em Porto Velho houve ofício da turma recursal que orientou os juízes a fazerem a admissibilidade para poder conceder eventual efeito suspensivo. No 1º e 2º juizado estavam sendo concedidos ou não a suspensão e encaminhados os processos à turma sem admissibilidade. O juizado da fazenda também não fazia admissibilidade. Em 22 de setembro de 2016, a nova composição da turma recursal oficiou aos juizados informando que deveriam fazer a admissibilidade de acordo com o entendimento do NCPC e lei 9.009/95.

O FONAJE regulamentou a matéria no enunciado 166 - Nos Juizados Especiais Cíveis, o juízo prévio de admissibilidade do recurso será feito em primeiro grau (XXXIX Encontro – Maceió-AL). O que também fale para o juizado da fazenda já que o enunciado 01 diz que aplicam-se aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, no que couber, os Enunciados dos Juizados Especiais Cíveis (XXIX Encontro – Bonito/MS). Na lei 9.099/95 não houve mudança na parte relativa aos recursos. A matéria está regulamentada nos artigos 42 e seguintes:

“Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.

§ 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção.

§ 2º Após o preparo, a Secretaria intimará o recorrido para oferecer resposta escrita no prazo de dez dias.

Art. 43. O recurso terá somente efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo, para evitar dano irreparável para a parte”.

Depois da juntada do recurso inominado, o preparo deverá ser feito em 48 horas, e somente após o preparo, o cartório intimará a parte recorrida para oferecer contrarrazões podendo o juiz, se achar cabível, conceder o efeito suspensivo. Logo o juízo de admissibilidade continua no primeiro grau.

2.3. Cabimento da tutela provisória

Muitas controvérsias a respeito. Para alguns juízes a tutela provisória só deve ser admitida naquilo que for compatível com o rito sumaríssimo, não necessitando seguir os padrões do NCPC que fala em tutela provisória, antecedente e incidental, antecipada ou cautelar, e a tutela de evidência.

Para outros cabe a tutela de urgência mais não a de evidência pois tem que ser trazido o mínimo do NCPC para o juizado.

Em uma visão mais extremada, há o entendimento de que não existe nenhuma das duas no juizado. Não existe no sumaríssimo. Concede-se uma tutela antecipada com base no art 6º da lei 9.099/95 pois o juizado é um regime próprio, de base constitucional.

De acordo com o FONAJE no enunciado 163 - “Os procedimentos de tutela de urgência requeridos em caráter antecedente, na forma prevista nos arts. 303 a 310 do CPC/2015, são incompatíveis com o Sistema dos Juizados Especiais” (XXXVIII Encontro – Belo Horizonte-MG). Daí decorre a interpretação lógica de que se for incidental é cabível.

O juizado não foi de fato pensado em consonância com qualquer forma de antecipação de tutela. Isso porque se previa a celeridade, sendo estas antecipações desnecessárias. Entretanto, com o ritmo no andamento dos processos atualmente, deve o juiz se utilizar do artigo 6º para decidir da forma que entender mais justa atendendo aos fins do sistema dos juizados especiais.

2.4. Alterações com relação à audiência de conciliação e inclusão da mediação

A mediação não foi prevista para os juizados especiais. Quanto às regras sobre audiência de conciliação, inclusive prazo entre a primeira e outras tentativas são restritas ao NCPC. Por não haver subsidiariedade, não podem ser trazidas as modificações para os juizados.

2.5. Distribuição dinâmica do ônus da prova

Há aqueles que defendem que continua tendo o ônus da prova o autor e a possibilidade de inversão do ônus em alguns casos de direito do consumidor. É verdade que o sistema do juizado já possui um tratamento próprio para apreciação e produção de provas. Mas quanto a distribuição do ônus poderiam haver alterações. Não por aplicação subsidiária do NCPC, claro. Mas se no procedimento ordinário o juiz pode hoje determinar quem vai produzir que prova com base na distribuição dinâmica, quanto mais o juiz do juizado que tem a seu favor o art. 6º que lhe dá poderes para tornar o procedimento mais justo e equânime.


Conclusão

O NCPC deve ser subsidiário à lei dos juizados especiais apenas nos casos em que essa referência é feita, e não de forma indiscriminada. A matéria está longe de ser pacificada, mas o certo é que com as mudanças processuais e a aprovação ou não dos projetos em tramitação sobre o assunto, os juizados mudarão. Ou irão atingir o ápice da burocratização e emperrarão, ou se tornarão aquilo que deveria ser desde 1995 gerando um processo célere, simples e eficiente. Commodissimum est, id accipi, quo res de qua agitur, magis valeat quam pereat – Prefira-se a inteligência dos textos que torne viável o seu objetivo, ao invés de que os reduza à inutilidade” (MAXIMILIANO, 2011, pg. 203)


Referências bibliográficas

ANDRIGHI, Fátima Nancy, BENETI, Sidnei. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e Prática dos Juizados Especiais Cíveis. São Paulo: Saraiva, 1999.

CUNHA, J. S. Fagundes. Recursos e Impugnações nos Juizados Especiais Cíveis. 2. ed. Curitiba: Juruá, 1997.

CUNHA, J. S. Fagundes, BALUTA, José Jairo, Questões Controvertidas nos Juizados Especiais. Curitiba: Juruá, 1997.

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Vol.1. 17. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

MORAES, Silvana Campos. Juizado Especial Cível. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

Juizados Especiais de dividem entre aplicar ou não contagem de prazos. Migalhas, informativo n. 3.960. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/Quentes/ 17,MI237194,101048-Juizados+Especiais+se+dividem+entre+aplicar+ou+nao+contagem+de+prazos>. Acesso em: 15 de agosto de 2016.

Sobre a autora
Hanna Thó

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA) Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (UCAM/RJ) Especialização para a Carreira da Magistratura da Escola da Magistratura do Estado de Rondônia - EMERON (em curso) Mestrado interrompido em Direito Urbanístico na Universidade Federal do Pará (UFPA) Servidora do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia (TJRO)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo publicado como avaliação da Escola da Magistratura de Rondônia.

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