INTRODUÇÃO
O sistema carcerário brasileiro é alvo de diversas críticas por sua precariedade. Isso faz com que várias dúvidas surjam a respeito da eficácia na ressocialização do apenado. Nesta linha, a arquitetura prisional contribui diretamente para a melhora no sistema carcerário, bem como para o já mencionado êxito do caráter ressocializador da pena.
Historicamente, o sistema prisional já perpassou por várias fases. Na Antiguidade, as penas possuíam o intuito de castigar os indivíduos. Na Idade Média, a realidade ainda se mantinha cruel; contudo, surgiu nesta época a possibilidade de substituição da pena por metal ou em espécie. Já na Idade Moderna, ocorreu a criação das prisões organizadas, de modo a abrigar os apenados com a privação da liberdade.
No Brasil, as primeiras normas foram advindas da colonização, e não possuíram eficácia, devido a desigualdades e falhas em sua elaboração. Por conseguinte, o código penal do Brasil Império possuía muita clareza e qualidade, considerado um dos mais bem elaborados. Já na época do Brasil República, em razão da necessidade de atualização de leis, o código era eivado de vícios. Isso só melhorou no Estado Novo, em que houve a criação de um código em 1940 que vigora até os dias atuais.
A Lei de Execução Penal (LEP) possui como escopo a efetivação do disposto em decisão criminal e proporcionar a ressocialização do apenado. Para isso, dispõe diversas características na arquitetura prisional, para que ocorra a melhor disposição de tarefas dentro do ambiente, fazendo com que a vivência do encarcerado e seu retorno à sociedade ocorram de maneira positiva.
Todavia vê-se na atualidade a problemática da precariedade da estrutura carcerária. As condições dos presídios são desumanas e possuem situação interna de pré-civilidade. O fato incide ativamente para as falhas das atividades internas e externas previstas na Lei de Execução Penal, as quais dariam escopo para que o apenado cumprisse a pena de maneira positiva e possuísse um melhor convívio social quando da sua saída do ambiente prisional.
Neste ínterim percebe-se que os indivíduos encarcerados não possuem condições mínimas de sobrevivência; ao invés de aproveitarem o tempo de cárcere para a educação e trabalho, se aperfeiçoam criminalmente; as condições ambientais colaboram para que haja violência, rebeliões e também tentativas de fuga. Isto é, há a visível deturpação na ressocialização dos indivíduos, que retornam à sociedade com mais impulso ao cometimento de novas infrações, o que é negativo para ambos os lados.
Para a melhora e a consequente eficácia na reintegração do apenado, existem possibilidades que, ao serem realizadas, melhorariam a estrutura. A exemplo tem-se a ampliação das possibilidades de substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos; a realização de parcerias público-privadas que, de maneira célere e organizada, diminuiriam a superlotação e melhorariam a qualidade nos estabelecimentos; e o investimento na prisão domiciliar com a fiscalização eletrônica, método que não afasta o indivíduo do convívio familiar e social e o permite cumprir sua sanção.
1 ASPECTOS CONCEITUAIS E HISTÓRICOS ACERCA DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
1. HISTÓRICO
1.1 HISTÓRICO GERAL
1.1.1 Antiguidade
Até fins do século XVIII a prisão serviu somente aos objetivos de contenção e guarda de réus, para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes.[1]
As penas possuíam o intuito de castigar física e corporalmente os indivíduos, sendo os estabelecimentos, verdadeiros matadouros. Ainda aborda Bitencourt (2004, p.7) que “os piores lugares eram empregados como prisões: utilizavam-se horrendos calabouços, aposentos frequentemente em ruínas ou insalubres de castelos, torres, conventos abandonados, palácios e outros edifícios.”
1.1.2 Idade Média
No período da Idade Média, a realidade não se modificou tanto assim. “A amputação de braços, pernas, olhos, língua, mutilações diversas, queima de carne a fogo, e a morte, em suas mais variadas formas, constituem o espetáculo favorito das multidões desse período histórico.” (Bitencourt, 2004, p. 7).
Tudo isso era realizado, como aborda Biterncourt, com o objetivo de despertar o medo coletivo, a fim de que a sociedade, ao ver o que os criminosos sofriam, não possuíssem vontade ou coragem de realizar atitudes ilícitas.[2]
A maior “evolução” neste período ocorreu, em acordo com o asseverado por Bitencourt, com a possibilidade de substituição das referidas sanções, quando os crimes não possuíam gravidade suficiente, por pagamento realizado em metal ou espécie. [3]
1.1.3 Idade Moderna
De maneira diferente dos períodos passados, exsurgiu na Idade Moderna o ideal da criação de prisões organizadas, que tinham o intuito de abrigar e corrigir os indivíduos apenados, como aborda Bitencourt (2004, p.16). “A crise da pena de morte deu origem a uma nova modalidade de sanção penal: a pena privativa de liberdade, uma grande invenção que demonstrava ser meio mais eficaz de controle social.” (Bitencourt, 2004, p.29)
Ainda sobre o período da Idade Moderna:
O sistema orientava-se pela convicção, como todas as ideias que inspiraram o penitenciarismo clássico, de que o trabalho e a férrea disciplina são um meio indiscutível para a reforma do recluso. Ademais, a instituição tinha objetivos relacionados com a prevenção geral, já que pretendia desestimular outros para a vadiagem e a ociosidade. (BITENCOURT, 2004, p.16)
1.2. SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
1.2.1. Brasil Colônia
O descobrimento do Brasil ensejou na criação de normas. Assim diz Bitencourt:
A partir do descobrimento do Brasil, em 1500, passou a vigorar em nossas terras o Direito lusitano. Nesse período, vigoravam em Portugal as Ordenações Afonsinas, publicadas em 1446, sob o reinado de D. Afonso V, consideradas como primeiro código europeu completo. Em 1521, foram substituídas pelas Ordenações Manuelinas, por determinação de D. Manuel I, que vigoraram até o advento da Compilação de Duarte Nunes de Leão, em 1569, realizada por determinação do rei D. Sebastião. Os ordenamentos jurídicos referidos não chegaram a ser eficazes, em razão das peculiaridades reinantes na imensa colônia. Na realidade, havia uma inflação de leis e decretos reais destinados a solucionar casuísmos da nova colônia. (BITENCOURT, 2008, p. 45)
Portanto, as “Ordenações Afonsinas” se constituiu como primeiro código completo de legislação, vigorando por quase 70 anos. Após, vieram as “Ordenações Manuelinas”, sendo a legislação do início do regime colonial no Brasil. Contudo, devido ao momento histórico vivido, as pessoas que chegavam ao Brasil, no regime das capitanias, não estavam preocupadas em obedecer as ordens jurídicas. Por fim, vieram as “Ordenações Filipinas”, tendo vigor do tempo colonial até os primeiros anos do Brasil Império. As penas constantes nessas ordenações eram severas e, além de outros erros, a desigualdade entre os infratores era exorbitante.
1.2.2. Brasil Império
A legislação fora forçada a ser substituída em decorrência da Independência do Brasil e também pela Constituição de 1824. Possuiu o acolhimento às ideias liberais.
Bitencourt descreve:
Com efeito, o Código Criminal do Império surgiu como um dos mais bem elaborados, influenciando grandemente o Código Penal espanhol de 1848 e o Código Penal Português de 1852, por sua clareza, precisão, concisão e apuro técnico. Dentre as grandes inovações, nosso Código consagrou, como destacam Régis Prado e Zaffaroni, o sistema dias-multa em seu art. 55, tido, equivocadamente, como de origem nórdica. (BITENCOURT, 2008, p.46)
1.2.3. Brasil República
Depois de proclamada a República e de ser vista a necessidade de criação de novo código “o Código Penal de 1890 apresentava graves defeitos de técnica, aparecendo atrasado em relação à ciência de seu tempo. As críticas não se fizeram esperar e vieram acompanhadas de novos estudos objetivando sua substituição.”[4]
Em 1937, durante o Estado novo, conforme Bitencourt[5]:
Finamente, durante o Estado Novo, em 1937, Alcântara Machado apresentou um projeto de código criminal brasileiro, que, apreciado por uma Comissão Revisora, acabou sendo sancionado, por decreto de 1940, como Código Penal, passando a vigorar desde 1942 até os dias atuais, embora parcialmente reformado. (BITENCOURT, 2008, p.47)
2 ARQUITETURA PRISIONAL À LUZ DA LEGISLAÇÃO
2.1. EXECUÇÃO DA PENA
A lei nº 7.210 de 1984, Lei de Execução Penal (LEP), preleciona no seu artigo 1º, o intuito de “efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”.
Neste compasso, percebe-se o seio do caráter ressocializador da pena para o indivíduo. A estrutura carcerária deve possuir boas condições para que o apenado cumpra sua sanção de maneira eficaz, mas não somente isso. O indivíduo deverá ter meios para, quando no final do cárcere, ser reintegrado à sociedade positivamente, de tal modo a não cometer futuros crimes.
A Lei de Execução Penal aborda acerca da individualização da pena. Tal fato possui ligação direta com a arquitetura prisional, bem como com a ressocialização, pois divide os encarcerados em acordo com o crime cometido, o que colabora para que haja a organização dentro dos estabelecimentos prisionais e a maior possibilidade de êxito no objetivo da pena.
A classificação e individualização executória da pena “significa distribuir em grupos ou classes, conforme determinados critérios” (NUCCI, 2010, p. 457). Isso coaduna para que o contato entre os presos que cometeram crimes de elevadas penas, ou réus primários, não ocorra, de forma fazer com que a prisão não se torne uma escola criminal.
A individualização da pena encontra, ainda, escopo constitucional no artigo 5º, XLVI, “e vale tanto para o momento em que o magistrado condena o réu, aplicando a pena concreta, quanto para a fase da execução da sanção” (NUCCI, 2010, p. 458). A classificação ocorrerá conforme os antecedentes do condenado, bem como sua personalidade e será realizada pela Comissão Técnica de Classificação.
Nesta linha, imperioso faz-se mencionar como a LEP aborda acerca da estrutura dos estabelecimentos prisionais, locais onde o preso deverá cumprir sua pena após a condenação e a devida individualização.
2.2. ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS
A LEP, em seu artigo 10º, dispõe que: “a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”. Há, mais uma vez, a acentuação da finalidade de prevenção do crime por intermédio da reeducação do condenado, sendo dever direto do Estado prover meios para que esta ocorra. É aí que encontra escopo a importância da boa estrutura nos estabelecimentos prisionais.
Os estabelecimentos são destinados ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso. A mulher e o maior de 60 anos serão recolhidos, separadamente, em um estabelecimento próprio. Tudo isso conforme o artigo 82 da LEP.
Neste sentido, Nucci (2011, p. 1026), aborda acerca dos estabelecimentos prisionais:
Conforme a sua destinação, o estabelecimento deve contar com áreas e serviços voltados à assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva dos presos. Os que forem destinados às mulheres terão, ainda, berçário, onde elas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, pelo período, no mínimo, até seis meses de idade (art. 83, §2º, LEP). Além disso, os previstos no §2º deverão possuir unicamente agentes penitenciários do sexo feminino para atuar na segurança de suas dependências internas (art. 83, §3º, LEP).
Há então, para o adequado cumprimento da pena pelo indivíduo, os diversos estabelecimentos prisionais, a seguir relacionados:
2.2.1 Penitenciária
A penitenciária, nas palavras de Nucci:
É o estabelecimento destinado ao cumprimento da pena privativa de liberdade, em regime fechado, quando se tratar de reclusão. Busca-se a segurança máxima, com muralhas ou grades de proteção, bem como a atuação de policiais ou agentes penitenciários em constante vigilância. (NUCCI, 2010, p. 533)
Ainda, conforme a legislação executória da pena tem-se as disposições acerca do alojamento do indivíduo:
Art. 88 O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único: São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6 m² (LEP)[6].
Além de tais requisitos, a lei aborda ainda sobre os presídios femininos que, como dito em notas anteriores, possui algumas particularidades, de modo a garantir a adequação da condição pessoal com a condição do alojamento.
Os presídios femininos devem ter seção específica para abrigar gestante ou parturiente, conforme os padrões e cuidados médicos necessários, previstos no art. 14, §3º, da LEP. Outra imposição legal diz respeito à mantença de creche, no âmbito do estabelecimento penal, para acolher as crianças entre seis meses e seis anos, possibilitando-a permanecer sob os cuidados maternos, em fase tão delicada e importante de sua vida. (NUCCI, 2010, p.535).
2.2.2 Colônia Agrícola, Industrial ou Similar
A Colônia Agrícola, Industrial ou Similar possui destinação ao indivíduo que deverá cumprir a pena em regime semiaberto. Diferentemente da penitenciária, o condenado poderá dividir o espaço de alojamento de modo coletivo, em acordo com os critérios de salubridade.
No entanto, a salubridade não é requisito único. A seleção adequada dos presos, bem como a observância do limite de capacidade, também são critérios a serem observados, de modo que o objetivo de individualização da pena não seja deturpado.
Ainda sobre este estabelecimento:
Cuida-se de estabelecimento penal de segurança média, onde já não existem muralhas e guardas armados, de modo que a permanência dos presos se dá, em grande parte, por sua própria disciplina e senso de responsabilidade. É o regime intermediário, portanto, o mais adequado em matéria de eficiência. (NUCCI, 2010, p.535)
2.2.3 Casa do Albergado
Nucci (2010, p. 537) afirma que: “[...] cuida-se do estabelecimento adequado ao cumprimento da pena no mencionado regime aberto. Além disso, serve também a abrigar aqueles que devem cumprir a pena de limitação de fim de semana [...]”.
O prédio da Casa do Albergado deverá ser situado em centro urbano, separado de demais estabelecimentos, de forma que não haja obstáculos contra a fuga. A segurança fica sob a responsabilidade do condenado.
A LEP aborda ainda que em cada região deverá haver ao menos uma Casa de Albergado possuindo, além dos aposentos de acomodação, um local específico para cursos e palestras.
2.2.4 Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico
A LEP estabelece que:
Art. 99 O Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no art. 26 e seu parágrafo único do Código Penal.
Parágrafo único. Aplica-se ao Hospital, no que couber, o disposto no parágrafo único do art. 88 desta Lei. (LEP)[7]
Este hospital-presídio não necessita de cela individual, por tratar-se de local que possui padrão hospitalar, em virtude de sua destinação, atendendo, assim, o que a medicina psiquiátrica necessita. (CAPEZ, 2011, p. 62)
2.2.5 Cadeia Pública
A Cadeia Pública é destinada aos presos provisoriamente. Conforme legislação, cada cidade deverá ter ao menos uma cadeia pública.
Em outras palavras, a cadeia, normalmente encontrada na maioria das cidades brasileiras, é um prédio (muitas vezes anexo à delegacia de polícia) que abriga celas – o ideal é que fossem individuais ou, pelo menos, sem superlotação –, contendo um pátio para banho de sol. Não há trabalho disponível, nem outras dependências de lazer, cursos, etc., justamente por ser lugar de passagem, onde não se deve cumprir pena. (NUCCI, 2010, p. 540).