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A arquitetura prisional brasileira e a eficácia na ressocialização do indivíduo

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Agenda 15/11/2016 às 10:15

3 ANÁLISE DO REAL MODELO DA ARQUITETURA PRISIONAL BRASILEIRA

A Lei de Execução Penal dispôs, de maneira eficaz, sobre a estrutura física dos estabelecimentos prisionais. No entanto, a realidade não é como a lei estabelece.

O que se observa, na prática, é a pena de prisão ser cumprida ao arrepio do disposto no art. 88 desta Lei, sem que o Judiciário tome medidas drásticas para impedir tal situação, interditando, por exemplo, o local. Acostumado a contar com a compreensão judicial, o Executivo deixa de cumprir sua obrigação e as celas não adquirem a forma prevista em lei. (NUCCI, 2010, p. 534).

Muitos fatores contribuem para o resultado da precariedade no sistema prisional. Dentre eles o descaso do poder público, o abandono advindo desse descaso, a falta de investimento em construção de novos estabelecimentos e em melhorias nos já existentes, são os principais. Contudo, a sociedade também colabora com tal precariedade, pois acredita que a prisão não deve possuir condições dignas para aqueles que praticaram crimes, e que os apenados devem pagar cruelmente por seus atos.

Portanto, em contrapartida com o ideal da pena de prisão, que é o de substituir a pena de morte e as torturas físicas, o que se tem hoje é a total deturpação, principalmente com o problema da superlotação carcerária. O inchaço populacional é instrumento chave para a origem de tantas mazelas existentes no ambiente prisional.

Uma reportagem[8] publicada em 23/06/2015 no site G1 (http://www.g1.com) divulga que o número de presos no Brasil já é de 600 (seiscentos) mil, sendo que o déficit já de vagas está em torno de 244 (duzentas e quarenta e quatro) mil.

Na mesma reportagem, é abordada a questão dos presos provisórios, que ainda aguardam julgamento, sendo um número de 238 (duzentos e trinta e oito) mil detentos. De tal forma, a mantença destes indivíduos encarcerados gera uma convivência péssima, principalmente no que tange a disposição físico-ambiental das celas.

As celas possuem condições degradantes. Abrigam quantidades de indivíduos muito superiores do que a lei apresenta. Não há o espaço para o cumprimento da pena de maneira individual. Os encarcerados não possuem alojamento com espaço suficiente para terem o mínimo de conforto para dormir, por exemplo. Muitos deles se prendem às grades para conseguirem descansar. Bitencourt (2004, p. 229) diz que “em geral os reclusos vivem em condições de ‘amontoamento’, havendo poucas condições de as autoridades penitenciárias realizarem adequada supervisão e vigilância interna”.

A superpopulação carcerária se torna, então, uma sanção a mais a ser imposta ao condenado. Sobreviver em um presídio em péssimas condições faz com que o apenado não somente cumpra a pena estabelecida, mas o obriga a responder por aquilo que, inclusive, infringe os pressupostos legais, principalmente a dignidade da pessoa humana. Ou seja, paga-se pelo crime e paga-se pelo descaso do poder público.

Além da superlotação, a própria construção dos presídios já começa eivada de vícios, como se infere da fala de Nucci:

Muitos dos referidos estabelecimentos penais, até mesmo os recém-construídos, atingem a superlotação assim que são inaugurados. E pode-se observar que muitos presídios já são erguidos em desacordo com os preceitos desta Lei, que prevê isolamento noturno do preso, quando, na realidade, as celas são moldadas para receber vários condenados. (NUCCI, 2010, p. 531)

Em entrevista dada ao G1[9], o ex-detento “R.S.” de 39 anos, falou um pouco de como são as condições dentro da cela em que dividiu espaço com outros 56 presos, sendo que a capacidade era para apenas 06:

 É horrível. Você não tem privacidade, não tem lugar para todo mundo dormir. Ficava todo mundo no chão, no banheiro. Às vezes, tinha que revezar, cada um dormia um pouco [...] Fiquei doente, porque aquele lugar é imundo, tem barata para tudo que é lado. Tive muita tosse.

Como já mencionado, a pena não atinge a ressocialização, a reintegração e tampouco a prevenção criminal. Desta maneira, percebe-se a falha existente no sistema penitenciário brasileiro, já que não basta somente existir lei que institua as normas referentes ao cumprimento da pena, mas deve haver o efetivo resultado positivo desta. Para que haja a melhora do sistema, a arquitetura das prisões deve ser o objeto inicial, já que muitos dos problemas são advindos das condições insalubres e desumanas destas.

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Nesta linha, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que tem como uma de suas competências, “estabelecer regras sobre a arquitetura e a construção de estabelecimentos penais e casas de albergados”[10], através da resolução nº 09 de 2011, estabeleceu uma tabela[11] de capacidade geral de indivíduos nos estabelecimentos penais:

Todavia, a situação real esta longe de ser como prevê a tabela. Em Aracaju, por exemplo, o Complexo Manoel Carvalho Neto – São Cristóvão, que, segundo dados[12], possui capacidade para 800 (oitocentos) presos, abriga 2.318 (dois mil, trezentos e dezoito) indivíduos, um número muito acima do estipulado. Houve, em junho de 2015, a interdição do Complexo, em razão da superlotação.

            No que tange a dimensão celular a resolução nº 09/2011[13] também dispôs o seguinte:

Contudo, inclusive pela problemática da superlotação, observa-se novamente o desrespeito ao limite espacial das celas, que é fundamental para a qualidade no cumprimento da pena.

Assim declara Darlúcia Palafoz Silva[14]:

“Assinalamos o que dispõe a Lei 7210 de 11 de julho de 1984 nos Capítulos II e IV, respectivamente "Da assistência" e" Dos [...] direitos" onde se descreve todo o amparo que o preso e o interno terão por ocasião do recolhimento e cumprimento da pena.

[...]

b) Instalações: o primeiro grande impacto sofrido pelo preso quando recolhido é deparar-se com o local onde permanecerá. Não é a visão externa de muros altos, portões lacrados, arames farpados, cercas elétricas e agentes montando guarda, tudo isso é previsível. A visão interna é que amedronta. O ar rarefeito, a umidade, o calor, o odor fétido, a multidão de detentos encolhidos em espaços mínimos;”

Em 2009, uma CPI tratou acerca da realidade do Sistema Prisional Brasileiro e dispôs, com o objetivo de, além de verificar a realidade, apontar possíveis soluções para humanizar o sistema prisional do país (p. 41) [15]. Abordou, na realidade prisional, o seguinte:

Apesar de normas constitucionais transparentes, da excelência da lei de execução penal e após 24 anos de sua vigência e da existência de novos atos normativos, o sistema carcerário nacional se constitui num verdadeiro inferno, por responsabilidade pura e nua da federação brasileira através da ação e omissão dos seus mais diversos agentes. (CPI Sistema Carcerário, 2009, p. 70)

O real modelo de arquitetura prisional brasileiro possui um déficit, não somente de vagas, mas também estrutural e financeiro, sendo contraposto ao que a Lei de Execuções Penais, de maneira tão competente, dispôs, a fim de alcançar o melhor cumprimento da pena e a ressocialização do indivíduo.

Sobre a autora
Nathalya Meira Carvalho

- Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília. - Realização de diligências perante os Tribunais presentes em Brasília, com o acompanhamento processual, realização de cópias e cargas processuais, audiências, petições e demais atividades inerentes à Advocacia. - Experiências nas áreas: licitações e contratos administrativos; trabalhista; cível; consumidor; penal. - Contato: nathalyameira.adv@gmail.com

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Nathalya Meira. A arquitetura prisional brasileira e a eficácia na ressocialização do indivíduo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4885, 15 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53602. Acesso em: 23 dez. 2024.

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