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A judicialização do FUNDEF e o rombo nos cofres da União

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Agenda 11/11/2016 às 08:33

Os entes federativos recorrem ao Judiciário para obtenção de êxito em demandas relativas à complementação federal do FUNDEF, porém graves erros interpretativos, na 1ª instância, podem gerar milhões de reais de despesa pela União.

RESUMO: Recentemente, vários municípios alagoanos sagraram-se vitoriosos em decisões judiciais sob o argumento do não repasse de verbas federais à complementação do FUNDEF. Os valores, a despeito da procedência dos pedidos ajuizados, contêm erros de cálculo que vem acarretando elevado dispêndio injustificado e irrazoável de verbas do Orçamento Federal. O presente artigo enfrenta o assunto pelo confronto dos valores pagos com a estimativa financeira obtida por sistemas do TCU e da própria Justiça Federal, além de tecer comentários acerca da aplicação da lei ao caso concreto.

PALAVRAS-CHAVE: FUNDEF. VMAA. Precatório.


I – JUDICIALIZAÇÃO DO FUNDEF – VALOR MÍNIMO ANUAL POR ALUNO (VMAA)

Noticiou o blog de informações “Alagoas 24 horas” matéria sob o título “Focco vai acompanhar pagamento de R$ 439 milhões de precatórios da educação a municípios alagoanos”[1], sobre a atuação dos membros do Fórum de Combate a Corrupção de Alagoas (Focco-AL) e do Ministério Público Estadual (MPE-AL) em relação à execução de ações judiciais interpostas por municípios alagoanos contestando o não repasse da União para complemento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, instituído pela Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996[2].

A matéria ainda faz alusão ao gasto federal de R$ 439 milhões em favor de 18 municípios alagoanos, apresentando planilhas com os municípios beneficiários, a data provável de pagamento do precatório e seu valor.


II – O FUNDO DE MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO FUNDAMENTAL E DE VALORIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO (FUNDEF) E O CÁLCULO DO VMAA.

A União, por intermédio da Emenda Constitucional nº 14, de 12 de setembro de 1996[3], promoveu, dentre outros dispositivos, a alteração do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT[4], com a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, vigente nos dez primeiros anos da promulgação da referida Emenda.

Com a Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, foi instituído e regulamentado o FUNDEF em cada Estado, Distrito Federal e Município.

No art. 6º da Lei consta o compromisso da União para complementação dos Fundos dos entes da Federação sempre que seu valor por aluno não alcançar o mínimo definido nacionalmente, e “será fixado por ato do Presidente da República e nunca será inferior à razão entre a previsão da receita total para o Fundo e a matrícula total do ensino fundamental no ano anterior, acrescida do total estimado de novas matrículas” (art. 6º, § 1º).

O Decreto nº 2.264, de 27 de junho de 1997[5], que regulamenta a “Lei do FUNDEF”, dispõe que “com base no Censo Escolar e nas demais informações publicadas, o Ministério da Educação e do Desporto elaborará a tabela de coeficientes de distribuição dos recursos do Fundo, e a publicará no Diário Oficial da União até o último dia útil de cada exercício, para utilização no ano subsequente, remetendo as planilhas de cálculo as Tribunal de Contas da União, para exame e controle.” (art. 2º, § 3º)

Já ao Ministério da Fazenda compete “efetuar o cálculo da complementação anual devida pela União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização Magistério em cada Estado e no Distrito Federal”, e terá como base “o número de alunos de que trata o § 1º do Art. 2º deste Decreto, o valor mínimo por aluno, definido nacionalmente, na forma do art. 6º, da Lei nº 9.424, de 24 de dezembro de 1996, e a arrecadação das receitas vinculadas ao Fundo.” (art. 3º, caput e § 1º)

E o art. 2º, § 1º, ‘a’, dispõe que “para o estabelecimento dos coeficientes de distribuição serão considerados o número de alunos matriculados nas escolas cadastradas das respectivas redes de ensino, apurado no Censo Escolar do exercício anterior ao da distribuição, considerando-se para este fim as matrículas da 1º à 8º séries do ensino fundamental regular”.

Em síntese, a complementação da União ao FUNDEF deveria obedecer aos seguintes parâmetros:

a) o Poder Executivo Federal, por Decreto, estabeleceria o Valor Mínimo Anual por Aluno – VMAA:

Ato Normativo

Exercício

VMAA

Decreto nº 2.935/99[6]

1999

R$ 315,00

Decreto nº 3.326/99[7]

2000

R$ 333,00 (alunos da 1ª a 4ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

R$ 349,65 (alunos da 5ª a 8ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

Decreto nº 3.742/01[8]

2001

R$ 363,00 (alunos da 1ª a 4ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

R$ 381,15 (alunos da 5ª a 8ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

Decreto nº 4.103/02[9]

2002

R$ 418,00 (alunos da 1ª a 4ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

R$ 438,90 (alunos da 5ª a 8ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

Decreto nº 4.580/03[10]

2003

R$ 446,00 (alunos da 1ª a 4ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

R$ 468,30 (alunos da 5ª a 8ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

Decreto nº 4.861/03[11]

2003

R$ 462,00 (alunos da 1ª a 4ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

R$ 485,10 (alunos da 5ª a 8ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

Decreto nº 4.966/04[12]

2004

R$ 537,71 (alunos da 1ª a 4ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

R$ 564,60 (alunos da 5ª a 8ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

Decreto nº 5.299/04[13]

2004

R$ 564,63 (alunos da 1ª a 4ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

R$ 592,86 (alunos da 5ª a 8ª séries, nas escolas urbanas e rurais)

Decreto nº 5.374/05[14]

2005

R$ 620,56 (séries iniciais nas escolas urbanas)

R$ 632,97 (séries iniciais nas escolas rurais)

R$ 651,59 (quatro séries finais nas escolas urbanas)

R$ 664,00 (quatro séries finais nas escolas rurais e alunos da educação especial do ensino fundamental)

Decreto nº 5.690/06[15]

2006

R$ 682,60 (séries iniciais nas escolas urbanas)

R$ 696,25 (séries iniciais nas escolas rurais)

R$ 716,73 (quatro séries finais nas escolas urbanas)

R$ 730,38 (quatro séries finais nas escolas rurais e alunos da educação especial do ensino fundamental)

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b.1) os dados definitivos do Censo Escolar do ano imediatamente anterior é um dos fatores da fórmula de cálculo do FUNDEF, como por exemplo o Censo de 2000 é utilizado na obtenção das receitas do Fundo para o exercício de 2001.

b.2) esta regra não é nova, porquanto à época de vigência do FUNDEF outros programas em regime de cooperação financeira entre a União, por intermédio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE, e os demais entes federativos, também foram executados mediante utilização de Censo Escolar do exercício imediatamente anterior àquele em que se operacionalizaria a parceria institucional, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE e o Programa de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino – PMDE, pela Resolução FNDE nº 6, de 13 de maio de 1998[16], e o Programa Dinheiro Direto na Escola – PDDE, pela Resolução FNDE nº 3, de 21 de janeiro de 1999[17], permanecendo a aplicação do Censo Escolar anterior ao exercício de execução do programa até os dias atuais, como são nos casos do PNAE, com a Resolução FNDE nº 26, de 17 de junho de 2013[18], e do Programa Nacional de Apoio ao Transporte do Escolar – PNATE, com a Resolução FNDE nº 5, de 28 de maio de 2015[19].


III – A COMPLEMENTAÇÃO DO FUNDEF DEVIDA AO MUNICÍPIO DE MINADOR DO NEGRÃO/AL.

Da lista de 18 municípios contemplados com complementação do FUNDEF pela via contenciosa, disponibilizada pelo blog, selecionei o município de Minador do Negrão/AL.

O município de Minador do Negrão/AL localiza-se no Agreste alagoano, com população estimada em 2016 de 5.419 habitantes, distribuídos em seus 167,604Km², cujo PIB per capita mais atualizado (2013) é de R$ 6.395,27[20].

Com o propósito de compreender a tramitação de feitos judiciais e expedir opinião concernente aos valores potencialmente devidos pela União, foi selecionado o Processo nº 0011145-31.2003.4.05.8000, que trata da Ação Ordinária contra a União Federal, tendo como autor o município de Minador do Negrão/AL, tramitado na 2ª Vara da Justiça Federal da Seção Judiciária de Alagoas. [21]

O Processo em alusão teve sua distribuição ordinária realizada em 31 de outubro de 2003; em 6 de novembro de 2004 foi prolatada a sentença, cujo dispositivo contém o seguinte teor:

Em razão do exposto, rejeito o primeiro pedido, acolhendo em parte o pedido alternativo, para condenar a ré a pagar ao autor a quantia de R$ 87.855,25 (oitenta e sete mil, oitocentos e cinqüenta e cinco reais e vinte e cinco centavos).

Diante da sucumbência recíproca, cada parte arcará com metade das custas processuais e com o pagamento dos honorários de seus respectivos advogados.

Consultando o Portal eletrônico do Tribunal Regional Federal da 5ª Região[22], foram constatadas as Requisições de Pequeno Valor – RPV nºs 1339889-AL, 1339890-AL, 1339891-AL, 1339892-AL e 1339893-AL, que tratam de depósitos efetuados em 3 de agosto de 2015 em favor dos escritórios de advocacia que patrocinaram a causa, e o Precatório – PRC nº 130394-AL, que trata da liberação da quantia conquistada em juízo pelo entre federativo, cuja previsão de pagamento é 12 de dezembro de 2016.

Pela informação do blog, foi calculado inicialmente R$ 11.283.714,61, correspondente ao complemento da União judicializado pelo município de Minador do Negrão/AL, referente ao FUNDEF de 1999.


IV – COMPARAÇÃO COM COMPLEMENTO JUDICIAL DO FUNDEF COM OUTRAS FONTES DE RECEITAS.

Para efeito comparativo, o valor supra representa, em equiparação:

a) a 176,92% de toda a Complementação da União ao FUNDEB de Minador do Negrão/AL[23] – Seção II do Capítulo II da Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007[24] -, que entre 2007 até setembro de 2016 contabilizou R$ 6.377.568,66;

b) 105,48% do FUNDEB Municipal creditado à conta específica entre 2014 até o 1º semestre de 2016[23] - somatório das fontes de receitas descritas no art. 3º, e a Complementação da União, de que trata o art. 4º, ambos da Lei nº 11.494/2007 -, que totalizou, no período mencionado, R$ 10.696.781,39;

c) 104,67% da transferência de renda operacionalizada pelo Programa Bolsa Família – PBF - Lei nº 10.836, de 9 de janeiro de 2004[25] -, que em 7 anos (2009-2015) repassou R$ 10.780.394,00[26]; ou

d) 118,39% de todas as receitas municipais de 2015 (receitas resultantes de impostos + receitas de transferências constitucionais e legais, exceto FUNDEB), que foi de R$ 9.530.893,04[27].


V – LEVANTAMENTO ATUALIZADO POR SISTEMAS DE APURAÇÃO DE DÉBITO DO TCU E DA JUSTIÇA FEDERAL. DISCREPÂNCIA DE VALORES.

Na sentença proferida pelo Magistrado de 1º Grau, destaco os seguintes excertos:

“Conforme se vê à fl. 76, em 1999, o Dec. n.º 2.935, de 11.01.1999 estabeleceu o valor mínimo anual por aluno em R$ 315,00 (trezentos e quinze reais), de modo que, multiplicando-se esse valor pelo número de alunos matriculados, que foi de 1803, conforme censo realizado pelo INEP (fl. 121 e ss.), obtém-se o montante de R$ 567.945,00 (quinhentos e sessenta e sete mil, novecentos e quarenta e cinco reais). Entretanto, de acordo com os números divulgados pelo próprio Ministério da Fazenda (cf. fl. 178), o Município de Minador do Negrão recebeu tão-somente a quantia de R$ 480.089,75 (quatrocentos e oitenta mil, oitenta e nove reais e setenta e cinco centavos). Assim, procedendo-se à subtração entre o valor devido (R$ 567.945,00) e o valor repassado (R$ 480.089,75), chega-se à conclusão de que a União deve, a título de complementação, o montante de R$ 87.855,25 (oitenta e sete mil, oitocentos e cinqüenta e cinco reais e vinte e cinco centavos).”

“Em razão do exposto, rejeito o primeiro pedido, acolhendo em parte o pedido alternativo, para condenar a ré a pagar ao autor a quantia de R$ 87.855,25 (oitenta e sete mil, oitocentos e cinqüenta e cinco reais e vinte e cinco centavos).”

A decisão atendeu parcialmente ao pedido do Município-Autor, considerando procedente a ausência de repasse federal complementar ao FUNDEF de 1999, no valor histórico de R$ 87.855,25, devido, portanto, a partir do 1º dia do 1º mês do exercício subsequente à mora, portanto, desde 1º de janeiro de 2000.

Utilizando o Sistema Atualização de Débito do Tribunal de Contas da União - TCU[28], com incidência de atualização monetária, juros de mora e variação da taxa SELIC - Sistema Especial de Liquidação e de Custódia na apuração dos valores supostamente devidos pela União, contabilizados desde o 1º dia do exercício subsequente à mora federal até 31 de outubro de 2016, chegou-se a débito no montante de R$ 614.473,91, representando 5,44% do valor divulgado pelo blog.

Período de apuração

Valor originário

Sistema de Atualização de Débito do TCU

Total

Principal atualizado

Juros

Variação SELIC

FUNDEF/1999

(01/01/2000 a 31/10/2016)

R$ 87.855,25

R$ 174.840,73

R$ 344.041,45

R$ 95.591,73

R$ 614.473,91

Já em consulta ao Sistema PROJEF WEB - Programa on-line para Cálculos Judiciais, utilizado pela Justiça Federal – Seção Judiciária do Rio Grande do Sul[29], a versão financeira atualizada dos R$ 87.855,25 imputados pelo juízo a quo, com outubro/2016 como data-limite, chega-se ao montante de R$ 596.792,73, representando 5,89% do valor informado pelo blog.

Data

(mm/aaaa)

Principal (R$)

Coeficiente de correção monetária

Principal corrigido (R$)

Juros (%)

Juros (R$) (B)

Total (R$) [(A)+(B)]

Jan/2000

(FUNDEB/1999)

87.855,25

2,25678042

198.270,01

201,0000

398.522,72

596.792,73

Observações:

Critérios e parâmetros do cálculo

Data de início dos juros moratórios: 01/2000 (independente da data da parcela)

Percentual juros de mora: 12% a.a.

Critério de correção monetária das parcelas: Diversos I+TR (07/09) +IPCA-E => [...BTN - INPC (03/91) - TR (07/09) - IPCA-E (26/03/15 em diante) ]

Composição do critério: ORTN (10/64-02/86) OTN (03/86-12/88) BTN (01/89-02/91) INPC (03/91-06/09) TR (07/09) IPCA-E (26/03/2015 em diante) (SEM EXPURGOS)

Sucumbências: Não foram apuradas

Honorários advocatícios: Não foram apurados.

Conforme se depreende, qualquer um dos parâmetros proporciona uma aferição de valor substancialmente inferior àquele informado pelo blog, sobrelevando mencionar que o Sistema PROJEF WEB é proveniente da Justiça Federal, que na Seção Judiciária de Alagoas computou débito de R$ 11.283.714,61, ainda pendente de atualização até a data do efetivo crédito à conta da Prefeitura.

Sobre o autor
Lúcio Oliveira da Conceição

Sou Advogado desde 2008, servidor da Controladoria-Geral da União; exerceu a função de Chefe da Assessoria Especial de Controle Interno no Ministério do Turismo (mar/2017 a jan/2019)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Lúcio Oliveira. A judicialização do FUNDEF e o rombo nos cofres da União. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4881, 11 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53619. Acesso em: 5 nov. 2024.

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