1. INTRODUÇÃO
O termo processo, em sua etimologia, tem o significado de “marchar para a frente”, “caminhada”, além de representar um conjunto de manipulações para obtenção de um resultado, sendo, tal vocábulo, apropriado para representar o exercício da jurisdição.
Vale ressaltar que, no campo jurídico lato sensu, o termo “processo” ultrapassa ao direito processual, visto que se encontra presente em todas as atividades estatais – como nos processos administrativos, processos legislativos – ou não-estatais – presentes nos processos disciplinares dos partidos políticos e associações, dentre outros – no entanto, está ligado ao poder do Estado de compor ou extirpar conflitos e pacificar pessoas ou grupos.
O processo, como via utilizada pelo Estado com a função de fazer atuar o Direito ao caso concreto, desenvolve-se por meio de uma série ordenada de atos das partes e do órgão judicial, objetivando por fim ao conflito de interesses existente.
Após intimação/citação da parte, esta pode, conforme seu interesse, reconhecer o pedido adverso, defender-se, ou seja, resistir à sua pretensão, ou, abdicar de comparecer aos autos com o propósito de deliberar acerca do assunto em pauta.
No caso do não comparecimento ao processo, a parte estará sendo revel ou contumaz, visto que, a revelia é um instituto da ciência do direito que trata da omissão das partes, seja do autor ou réu, e traz severas consequencias ao revel, sendo este instituto mantido no topo das discussões na seara do Direito Processual.
O instituto da revelia e seus efeitos serão analisados à luz das garantias e diretrizes constitucionais que orientam o Direito Processual Civil e o Direito Processual Trabalhista, no entanto, faz-se necessário a exposição das concepções de jurisdição, instrumentalidade do processo, papel exercido pelo magistrado e os princípios constitucionais.
A revelia e a contumácia foram instituídas ainda em diversos povos, com suas características próprias, mas com a concepção de penalizar a parte inerte aos comandos judiciais, ou seja, revelia é um ato-fato processual, advinda da inércia por não apresentar manifestação contrária ao pedido elaborado pelo autor, quando regularmente citado.
A revelia tem sua origem relacionada diretamente com a acepção de contumácia ou rebeldia, com vínculo direto na estrutura primitiva do processo civil, onde, naquele período o demandado tinha obrigação de incorporar-se ao processo, no entanto, com a evolução do processo – principalmente durante o direito medieval – se realizou a sua formação regular, inclusive na ausência do demandado para se defender.
No processo de conhecimento o revel é aquele que não ofereceu contestação, contudo, não se deve confundir a revelia com os efeitos da revelia que são presumidamente a veracidade dos fatos alegados pelo autor e que por consequência da inércia, não foram contestados pelo réu.
O propósito deste projeto será iniciar um estudo no tocante ao instituto da revelia, comparando-o nas searas processuais cível e trabalhista, onde, embora consagrado no sistema jurídico brasileiro, apresenta controvérsias e polêmicas, principalmente no que se refere a sua aplicabilidade prática, sua decretação e até que ponto sua aplicação é justa.
Com o advento do novo Código Civil brasileiro, faz-se necessário averiguar as mudanças apresentadas – ou não – acerca do assunto em análise.
2. PROBLEMATIZAÇÃO E REFERENCIAL TEÓRICO
A revelia, instituto do direito processual que tem sua origem relacionada diretamente com a acepção de contumácia ou rebeldia, com vínculo direto na estrutura primitiva do processo civil.
Uma vez provocada a jurisdição, o processo segue sob direção do juiz, contudo, necessita precisa da manifestação das partes, onde, havendo a inatividade seja do réu, seja do autor, estaremos diante da contumácia.
Entende-se por revelia, em sentido latu sensu, no não comparecimento do réu a juízo, e, strictu sensu, como sendo o descumprimento da ordem contida na citação pelo réu, deixando assim, de apresentar a sua defesa tempestivamente.
A revelia é, também, chamada de contumácia, pois que, rebeldia que é, traz o sentido de desobediência deliberada ou intencional ao mandado do juiz.
Existem vários conceitos doutrinários entre contumácia e revelia, o que acaba gerando inúmeras controvérsias, e consequentemente conduzindo a inúmeras conclusões sobre a revelia, encontrando-se ora a situação similar entre contumácia e revelia, ora como contumácia sendo gênero do qual a revelia é espécie.
No entanto alguns questionamentos são traçados sobre os institutos da revelia e contumácia, sendo: qual a diferença entre os institutos da revelia e contumácia? Existe afronta a algum princípio constitucional, visto que autor e réu são tratados processualmente de forma distinta, quando se atribui penalidades mais severas ao réu ausente do que ao autor que não comparece ao processo?
A revelia é ocasionada por ato próprio do réu, visto que citado e não empenhado ao ponto de apresentar sua defesa dentro do prazo legal, ou seja, não há porque dizer que existiu ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e o contraditório, haja vista que é atribuído ao reclamado a possibilidade de se defender através de citação regular. Tal indagação seria justificativa para a utilização do instituto da revelia nos processos civil e trabalhista brasileiro?
O art. 344. do Código de Processo Civil assevera que “se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor”. O artigo ora mencionado trata do efeito material do instituto da revelia, ou seja, a presunção de veracidade das alegações de fato feitas pelo demandante.
O art. 769. da Consolidação das Leis do Trabalho proclama:
Art. 769. - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
No processo trabalhista na referencia previsão de fluência dos prazos para o revel, por conta desta omissão da CLT, serão aplicadas as normas do processo comum, pois, conforme assevera o art. 769. da CLT.
Sobre a fluência dos prazos contra o revel, o art. 346. do CPC anuncia:
Art. 346. Os prazos contra o revel que não tenha patrono nos autos fluirão da data de publicação do ato decisório no órgão oficial.
Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar.
A privação encontrada no caput do artigo acima demonstrado não se atribui diretamente aos prazos, mas às notificações e intimações posteriores à citação, ou seja, será respeitado o curso do prazo dos atos processuais praticados nos autos a que a parte teria direito caso não fosse revel.
Há uma incompatibilidade do caput do art. 346. do CPC com o processo do trabalho quando a CLT, por força do art. 852, onde, afirma que as partes deverão ser notificadas da sentença de mérito.
Assim afirma o art. 852. da CLT:
Art. 852. - Da decisão serão os litigantes notificados, pessoalmente, ou por seu representante na própria audiência. No caso de revelia, a notificação far-se-á pela forma estabelecida no § 1º do art. 841.
Na situação acima demonstrada o revel será intimado da sentença que será proferida, contudo, após a intimação da decisão, o revel passará a não ter ciência dos atos futuros praticados.
Outro artigo polêmico no tocante à revelia no processo trabalhista pátrio é o art. 844, que assegura:
Art. 844. - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.
Parágrafo único - Ocorrendo, entretanto, motivo relevante, poderá o presidente suspender o julgamento, designando nova audiência.
Carlos Henrique Bezerra Leite (2010, p. 485) faz uma crítica ao caput do artigo ao transmitir:
Há errônea técnica no emprego do termo “arquivamento da reclamação”. Na linguagem da ciência processual, a reclamação é a ação, sendo que esta não é arquivada, pois é um direito da parte [...]; os autos do processo é que são arquivados.
Nos termos do caput do art. 844, observa-se a presunção de veracidade dos fatos afirmados pelo reclamante, acarretando ao reclamado confissão quanto à matéria de fato, contudo, somente ocorrerá quando da citação constar que, não havendo contestação por parte do réu, serão presumidos verdadeiros os fatos apresentados pelo autor em sua petição inicial.
Não sendo constada tal advertência na notificação, esta não será invalidada, no entanto, haverá o impedimento que sejam declarados verdadeiros os fatos narrados na petição inicial.
O parágrafo único do art. 844. da CLT afirma que a audiência pode ser adiada ocorrendo motivo relevante, no entanto, a CLT não expõe o que é motivo relevante, sendo assim cabível a doutrina e a jurisprudência tratá-los.
Para Mauro Schiavi (2010, p. 497), motivo relevante é:
A nosso ver, o motivo relevante para o adiamento da audiência significa um motivo que impeça qualquer pessoa de comparecer, naquele dia e naquele horário, tomando-se em consideração o padrão médio da sociedade. Por exemplo, greve do metrô, enchentes, acidentes de trânsito e doença – para nós, o motivo relevante não exige a mesma contundência do caso fortuito ou da força maior. Os eventuais transtornos para a chegada à audiência, como trânsito, fila no elevador ou dificuldade para o estacionamento de veículo, estão dentro dos parâmetros de previsibilidade pela parte. Portanto, não são considerados motivos relevantes.
Segundo o caput do art. 795. da CLT, a verificação do motivo relevante que deu motivo ao não comparecimento reclamada deverá ser invocado na primeira oportunidade para falar nos autos, sob consequencia de preclusão.
Assim está expresso no caput do art. 795. da CLT:
Art. 795. - As nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão argüi-las à primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos.
Outra situação discutida no tocante ao instituto da revelia na seara trabalhista, é vista na ausência do reclamado à primeira audiência, comparecendo apenas seu advogado. os Tribunais Regionais do Trabalho assim se posicionam:
REVELIA. PRESENÇA DO ADVOGADO MUNIDO DE CONTESTAÇÃO E DOCUMENTOS. NÃO CONFIGURAÇÃO. A apresentação de contestação e de documentos por advogado munido de mandato demonstra o ânimo de defesa da ré, afastando a configuração da revelia.
(BRASIL, Tribunal Regional do trabalho da 12ª Região. Recurso Ordinário n. 00094/2003. Recorrente Bar Restaurante e Padaria Passargada Ltda e Recorrida Juslaine Aparecida Santos Pinheiro. Relator: Marcos Vinício Zanchetta. Ac. 5428/2004. DJSC 31.05.2004.)
NULIDADE DA REVELIA. POR EVIDENTE ÂNIMO DE DEFESA - HIPÓTESE OCORRENTE - A presença de advogado da Acionada, na audiência inaugural, desde que munido do respectivo instrumento de mandato, com poderes expressos para produzir a defesa, tipifica o evidente ânimo de defesa, autorizador da cassação da revelia, com seus efeitos. 2. RECURSO ORDINÁRIO conhecido e provido.
(BRASIL, Tribunal Regional do trabalho da 7ª Região. Recurso Ordinário n. 00878/2002. Relator: Judicael Sudário de Pinho. DJCE 06.08.2003.)
O Tribunal Superior do Trabalhou assim posicionou-se sobre tal circunstância:
REVELIA. ATRASO DA PARTE NA AUDIÊNCIA. COMPARECIMENTO DO ADVOGADO. A admissibilidade do recurso de revista embasado, tãosomente, em suposta divergência jurisprudencial, encontra obstáculo na regra processual prevista no artigo 896, § 4º, da CLT e no Enunciado nº 333 do TST. Sobre a aplicação da revelia, ainda que presente o advogado da parte, a SBDI-1 deste Tribunal tem entendimento jurisprudencial uniforme no sentido de que "a reclamada ausente à audiência em que deveria apresentar defesa, é revel, ainda que presente seu advogado munido de procuração" (OJ nº 74). E, quanto ao atraso das partes à audiência, a atual jurisprudência deste Tribunal vem reiteradamente decidindo que "inexiste previsão legal tolerando atraso no horário de comparecimento das partes na audiência" (OJ nº 245). [...] 4. Recurso de revista não conhecido.
(BRASIL. TST. Recurso de Revista n. 496902, Relator Ministro Emmanoel Perreira, DJ 17.10.2003. Recorrente: Caixa Econômica Federal – CEF e Recorrida: Lucia Bernadeth Malta Velho)
O art. 843. da CLT tem a seguinte redação:
Art. 843. - Na audiência de julgamento deverão estar presentes o reclamante e o reclamado, independentemente do comparecimento de seus representantes, salvo nos casos de Reclamatórias Plúrimas ou Ações de Cumprimento, quando os empregados poderão fazer-se representar pelo sindicato de sua categoria.
§ 1º - É facultado ao empregador fazer-se substituir pelo gerente, ou qualquer outro preposto que tenha conhecimento do fato, e cujas declarações obrigarão o proponente.
§ 2º - Se por doença ou qualquer outro motivo poderoso, devidamente comprovado, não for possível ao empregado comparecer pessoalmente, poderá fazer-se representar por outro empregado que pertença à mesma profissão, ou pelo seu sindicato.
De acordo o art. 844. da CLT, o não comparecimento da parte, exceto nas hipóteses previstas no art. 843. e seus parágrafos da mesma lei, se caracterizará a revelia, causando ao réu os efeitos sobre a matéria fática, desta forma, o juiz estará impedido de receber a contestação.
Outro ponto que deverá ser abordado é a distinção entre revelia e confissão, onde, tais expressões não são sinônimas, havendo uma vasta diferença entre tais figuras, onde, confissão deriva do latim confessio, significando reconhecimento, aquiescência.
Tanto a confissão como a revelia são ônus impostos pela lei ao réu, onde, a revelia se verifica no momento da contestação, ao passo que a confissão advém no momento do depoimento.
Não existe previsão legal na CLT prevendo a pena de confissão para o reclamante, no entanto, por força do princípio subsidiariedade contido no artigo 769 da CLT, aplica-se ao reclamante a pena de confissão.
A polêmica existente sobre o assunto em tela apresenta-se pertinente, especialmente a evitar a afronta dos direitos inerentes aos litigantes.
REFERÊNCIAS
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