5. O PRECEDENTE VINCULANTE FIRMADO EM DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO ÂMBITO DO CONTROLE DIFUSO-INCIDENTAL, À LUZ DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os novos institutos apresentados pelo Código de Processo Civil de 2015, a saber: assunção de competência e incidente de resolução de demanda repetitiva, somados aos veteranos recursos repetitivos e súmula vinculante, formam juntos um “microssistema de formação concentrada de precedentes obrigatórios” (FREDIE DIDIER, 2016).
Pode-se perceber a importância atual do precedente obrigatório no ordenamento jurídico. Portanto, faz-se necessária uma nova leitura do precedente à luz da Constituição Federal, a isso chamamos de constitucionalização do direito privado. Para esse mister, os precedentes devem ser entendidos, primordialmente, à luz dos direitos fundamentais.
Existe verdadeiro direito fundamental ao precedente vinculante no âmbito do controle difuso, como decorrência do próprio devido processo legal, em sua vertente substantiva.
O devido processo legal substantivo (ou material) “impõe a justiça e razoabilidade das decisões restritivas a direitos (...) as decisões a serem tomadas nesse processo primem pelo sentimento de justiça, de equilíbrio, de adequação, de necessidade e proporcionalidade.”[66]
Com efeito, podemos falar em direito fundamental ao precedente obrigatório proveniente de decisões do Supremo Tribunal Federal no controle difuso-incidental, no momento em que a aplicação do precedente permite que as decisões sejam proferidas de maneira coerente, coesa, equilibrada e proporcional, providas de isonomia, segurança jurídica, e duração razoável.
Inicialmente, existe direito à igualdade na aplicação dos precedentes, consistente no “direito que todos têm de ser tratados igualmente na medida em que se igualem e desigualmente na medida que se desigualem, quer perante a ordem jurídica, quer prante a oportunidade de acesso ao bem da vida”.[67]
Assim, considerando que os efeitos da decisão no âmbito do modelo difuso-incidental de constitucionalidade vinculam tão somente as partes, a mesma lei ou ato normativo declarados inconstitucionais na demanda, restarão válidos para o restante da sociedade. Essa disparidade permanece ainda que a decisão de inconstitucionalidade seja declarada pelo STF, detentor da última palavra na seara constitucional.
Não podemos permitir que em certos momentos a mesma lei ou ato normativo seja inconstitucional para uns e constitucional para outros, sob pena de violação à isonomia. Portanto, vislumbra-se aqui o direito fundamental à igualdade na aplicação dos precedentes obrigatórios firmados pelo Supremo Tribunal Federal, para que a mesma lei ou ato normativo seja constitucional ou inconstitucional para todos.
Em sequencia de raciocínio, existe ainda direito fundamental à segurança jurídica na aplicação dos precedentes vinculantes em controle difuso de constitucionalidade. A segurança jurídica “consagra a proteção da confiança e a segurança de estabilidade das relações jurídicas constituídas”.
Conforme já analisado no decorrer do presente artigo, qual a razão de a decisão incidental de inconstitucionalidade em controle difuso, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, não firmar precedente vinculante, enquanto este é firmado na decisão em controle concentrado de constitucionalidade, também realizado pelo Supremo Tribunal Federal? Esse quadro fere o princípio da segurança jurídica na medida em que abala a estabilidade das relações jurídicas, assim como a confiança de que a mesma norma jurídica geral será aplicada futuramente.
Ainda, a segurança jurídica manifesta-se através das garantias do direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada.
Quanto à coisa julgada, já foi também verificado que a decisão de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito do controle difuso-incidental possui autoridade de coisa julgada incidental, a ser seguido por todos os demais órgãos do poder judiciário, de forma automática, conforme artigo 503, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil de 2015.
Portanto, o incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no âmbito do controle difuso de constitucionalidade, proferida pelo STF, faz coisa julgada, de forma automática, com eficácia geral, sem a necessidade da atuação do Senado Federal para suspender a execução da decisão de lei ou ato normativo declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do controle difuso.
Portanto, aplicar o direito fundamental da segurança jurídica ao precedente vinculante no controle difuso, permite que o próprio Supremo Tribunal Federal dê a última palavra em sede de jurisdição constitucional, e não o Senado Federal, como atualmente acontece. Permitir ao Senado Federal suspender a lei já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, para conferir efeitos “erga omnes”, confere tratamento despido de segurança jurídica na órbita da jurisdição constitucional.
Por último, podemos falar ainda em garantia à razoável duração do processo na aplicação do precedente judicial sob o controle difuso. Tal garantia encontra-se insculpida no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988, vejamos: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Assim, ao respeitar o sistema dos precedentes obrigatórios no âmbito do controle incidental de constitucionalidade, estamos conferindo aplicabilidade à razoável duração e aos meios que garantem celeridade, no momento em que já teremos a norma jurídica geral para ser aplicada aos casos futuros e semelhantes, sem necessidade de novas dilações processuais.
CONCLUSÃO
O Código de Processo Civil de 2015 apresenta dois novos institutos importantes para as decisões judicias, a saber, os precedentes vinculantes e a coisa julgada incidental. Ambos os institutos são aplicados no âmbito da jurisdição constitucional, o que fortalece a Supremacia e Força Normativa da Constituição.
Essa nova sistemática deve ser estudada à luz do direito constitucional brasileiro, a isso chamamos de constitucionalização do direito privado. Para isso, os precedentes judiciais no âmbito do controle difuso – incidental de constitucionalidade devem concretizar os princípios constitucionais do devido processo legal substantivo, isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo.
Após explanar a pesquisa sobre os precedentes judiciais no âmbito do controle difuso-incidental de constitucionalidade, chegamos à conclusão que as decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas incidentalmente em controle difuso de constitucionalidade firmam precedentes obrigatórios, com aptidão para formar coisa julgada, ou seja, são decisões que criam norma jurídica geral de observância obrigatória, que possui eficácia geral e vincula todos os demais órgãos do poder judiciário, podendo, ainda, torna-se imutável e indiscutível.
Logo, ao aplicar o novo panorama dos precedentes obrigatórios no âmbito do controle incidental de constitucionalidade, à semelhança do “stare decises” e do sistema “commom low”, as decisões do Supremo Tribunal Federal, nesta seara, passam a ser erga omnes e vinculantes.
Essa moderna visão da jurisdição constitucional não deixa dúvida que a objetivização do controle difuso-incidental de constitucionalidade tornou-se uma realidade no Brasil.
Finalmente, para evitar maiores divergências sobre o tema, sugerimos três alterações:
A primeira consiste na releitura da teoria da transcendência dos motivos determinantes, liderada pelo Ministro Gilmar Mendes, para acolhê-la em nossa jurisdição constitucional, e assim conferir eficácia “erga omnes” e vinculante às decisões incidentais de inconstitucionalidade proferidas pelo STF no âmbito do controle concreto, sem a ingerência do Senado, e assim concretizar a mutação constitucional do artigo 52, X, CF/88.
A segunda propõe uma equiparação dos efeitos das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado e difuso, quais sejam: erga omnes e vinculante.
Por fim, a terceira consiste em utilizar o método de “interpretação conforme a constituição” do artigo 927, I, NCPC para que a norma extraída do seu texto seja a seguinte: os juízes e os tribunais observarão as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado e difuso de constitucionalidade.
REFERÊNCIAS:
BARROSO, Luís Roberto. O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 9 ed. Salvador: juspodivm, 2015.
JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática. 8 ed. Salvador: juspodivm, 2015.
JÚNIOR, Dirley da Cunha. O princípio do stare decisis e a decisão do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. Disponível em: <http://www.brasiljurídico.com.br>. Acesso em 03.10.2016.
JÚNIOR, Fredie Didier Jr; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. 11 ed. Salvador: juspodivm, 2016.
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
MENDES, Ferreira Gilmar e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 38 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2014.
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma Nova Crítica do Direito. 2 ed. Rio de janeiro: Forense, 2004.
ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
Notas
[1] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo, p.47.
[2] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 257.
[3] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, pp.246-247.
[4] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 257.
[5] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional, p. 218.
[6] MENDES, Ferreira Gilmar e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 1105.
[7] Idem.
[8] Ibidem.
[9] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 112.
[10] Idem, p. 224.
[11] Ibidem, p.228.
[12] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 112.
[13] BARROSO, Luís Roberto. O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, p. 93.
[14] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 112 e 113.
[15] Idem, p. 113.
[16] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p.156.
[17] Idem, p. 157.
[18] BARROSO, Luís Roberto. O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, p. 94.
[19] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 291.
[20] Idem, p. 297.
[21] Ibidem, p. 291.
[22] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 289.
[23] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma Nova Crítica do Direito, pp. 457 – 458.
[24] Idem, p. 458.
[25] Ibidem.
[26] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma Nova Crítica do Direito, pp. 457 – 458.
[27] Idem, p. 475.
[28] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, pp. 258-259.
[29] Idem.
[30] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p.167.
[31] Idem.
[32] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, p.25.
[33] Idem.
[34] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, p.26.
[35] Idem, pp.28-29.
[36] Ibidem, p.26.
[37] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 167.
[38] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p.173.
[39] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 172 – 173.
[40] Idem, P. 173.
[41] Ibidem, pp.169-171
[42] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p.296.
[43] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 171.
[44] ZAVASCKI, Teori Albino. Eficácia das Sentenças na Jurisdição Constitucional, pp.43-49.
[45] Idem, p. 50.
[46] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 173.
[47] Idem.
[48] MENDES, Ferreira Gilmar e BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 1136.
[49] Idem, p.1142.
[50] Ibidem.
[51] Trechos da RE 4.335-5/AC: “Todas essas reflexões e práticas parecem recomendar uma releitura do papel do Senado no processo de controle de constitucionalidade. Quando o instituto foi concebido no Brasil, em 1934, dominava uma determinada concepção da divisão de poderes, há muito superada. Em verdade, quando da promulgação do texto de 1934, outros países já atribuíam eficácia geral às decisões proferidas em sede de controle abstrato de normas, tais como o previsto na Constituição de Weimar de 1919 e no modelo austríaco de 1920. A exigência de que a eficácia geral da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal fique a depender de uma decisão do Senado Federal, introduzida entre nós com a Constituição de 1934 e preservada na Constituição de 1988, perdeu grande parte do seu significado com a introdução do controle abstrato de normas (...). Somente essa nova compreensão parece apta a explicar o fato de o Tribunal ter passado a reconhecer efeitos gerais à decisão proferida em sede de controle incidental, independentemente da intervenção do Senado. O mesmo há de se dizer das várias decisões legislativas que reconhecem efeito transcendente às decisões do STF tomadas em sede de controle difuso (...). É possível, sem qualquer exagero, falar-se aqui de uma autêntica mutação constitucional em razão da completa reformulação do sistema jurídico e, por conseguinte, da nova compreensão que se conferiu à regra do art. 52, X, da Constituição de 1988. Valendo-nos dos subsídios da doutrina constitucional a propósito da mutação constitucional, poder-se-ia cogitar aqui de uma autêntica reforma da Constituição sem expressa modificação do texto”.
[52] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, pp.297-299.
[53] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p.300.
[54] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p.173.
[55] Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Common_law>.
[56] JÚNIOR, Fredie Didier Jr; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2, p. 456.
[57] Idem, p. 456 e 465.
{C}[58] JÚNIOR, Dirley da Cunha. O princípio do stare decisis e a decisão do Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. Disponível em: <http://www.brasiljurídico.com.br>.
[59] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p.180.
[60] JÚNIOR, Fredie Didier Jr; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2, p. 527.
[61] JÚNIOR, Fredie Didier Jr; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2, p.531.
[62] BARROSO, Luís Roberto. O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, p.124.
[63] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Controle de Constitucionalidade. Teoria e Prática, p. 181.
[64] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 161.
[65] Idem.
[66] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional, p. 589.
[67] JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional, p. 550.