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A tutela antecipatória no moderno processo civil brasileiro

Agenda 30/06/2004 às 00:00

Sumário: 1. Introdução. 2. Tutela antecipada. Conceito. Escopo. Requisitos. Tutela de urgência e de evidência. Ação declaratória. 3. Modificações no art. 273 do Código de Processo Civil. Diferenças entre a tutela antecipada e a tutela cautelar. Provimento liminar. 4. Conclusão.


I – INTRODUÇÃO

Para o processo civil moderno, entendido este a partir de uma visão instrumentalista, haverá uma tutela jurisdicional satisfatória, quando for possível afirmá-la como sendo tempestiva, adequada e efetiva.

A partir dessa idéia, desenvolveram-se muitos institutos jurídicos, todos comprometidos com uma prestação jurisdicional que atenda aos anseios dos jurisdicionados.

Nesse diapasão, a Lei n. 8.952 /1994 modificou a redação do art. 273 do Código de Processo Civil, criando uma forma diferenciada de prestação da tutela jurisdicional, a qual chamamos de tutela antecipada, caracterizada, principalmente, pela satisfatividade e pela celeridade.


II – DA TUTELA ANTECIPADA

Embora muitos autores entendam como marco da tutela antecipada a nova redação do art. 273, é sabido que o nosso ordenamento já previa tal instituto para alguns procedimentos especiais antes mesmo da edição da Lei n.8.952/94. Contudo, isso não diminui a importância desta lei, pois ela estendeu a outros procedimentos, ordinário e especial, a possibilidade de se requerer uma antecipação de tutela.

Para Pontes de Miranda, a antecipação da tutela é o adiantamento da eficácia da sentença. Para Alexandre Freitas Câmara trata-se de uma forma de tutela jurisdicional satisfativa, prestada com base em juízo de probalidade.

Na verdade, a tutela antecipada se preocupa em proporcionar ao autor o resultado prático que ele procura obter através da própria tutela final. Trata-se de medida satisfativa, marcada, em regra, pela provisória.

Dentre seus escopos está o de dar efetividade ao princípio da tempestividade, na medida em que distribui o ônus do tempo entre as partes, observando para tanto a plausibilidade do direito alegado por estas.

A tutela antecipatória pode ser concedida a qualquer momento, inclusive quando da prolação da sentença, mas para tanto necessita de requerimento da parte. Não há tutela antecipada de ofício. A revogação da medida também pode ser feita a qualquer momento, desde que devidamente fundamentada. É como reza o § 4º do art. 273.

Entretanto, devemos compreender sistematicamente o alcance do aludido dispositivo, a fim de que não haja interpretação equivocada no sentido de entender-se que, independentemente da modificação das circunstâncias fáticas, é possível a revogação ou modificação da medida, sem que para tanto seja necessário ter sido interposto o recurso cabível da decisão concessiva.

Para que a tutela antecipada seja concedida é necessária a presença dos seguintes requisitos: prova inequívoca, verossimilhança da alegação e fundado receio de dano ou de difícil reparação ou fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. O § 2º do art. 273 acrescenta um requisito negativo, qual seja, o da irreversibilidade da medida.

Em que pese a clareza dos requisitos, é mister fazermos uma interpretação fundada nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para que o fato de a medida, num determinado caso, ser irreversível não impossibilite sua concessão se estivermos diante de um direito evidente ou urgente. A mesma interpretação deve ser dada ao requisito da prova inequívoca.

O n. I do art. 273 prevê a tutela de urgência, que é adequada quando a demora na entrega da prestação jurisdicional cria o risco de sua inutilidade prática no término do processo, ou de sua reduzida efetividade.

Já o n. II trata da tutela de evidência, que deve ser aplicada aos casos em que a alta probabilidade de ter razão o autor se impõe, desde logo, ao espírito do juiz, sendo razoável que àquele se outorgue, mesmo provisoriamente, a fruição desse bem durante o curso do processo ou, quando menos, a subtração desse desfrute ao réu.

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A previsão da tutela antecipada é mais um desdobramento da Teoria do Abuso de Direito, na medida em que recusa como defesa hábil aquela apresentada de forma infundada.

É perfeitamente possível afirmar que a tutela diferenciada pode se orientar ora pelo valor da urgência, ora pelo valor da evidência, assim como pode contemplar simultaneamente os dois.

Discute-se o cabimento da tutela antecipada na ação declaratória. A maioria dos doutrinadores nega peremptoriamente esta possibilidade. No entanto, pensamos estar com razão aqueles que entendem-na cabível, desde que a antecipação diga respeito apenas aos efeitos práticos da sentença.

De certo não poderá haver antecipação da declaração objeto da ação, isto porque tal declaração exige um juízo de certeza capaz de afirmar a existência ou não do direito alegado. Nota-se a importância do cabimento da medida nos casos que o provimento declaratório deve ser prestado através de sentença mandamental ou o executivo.

Quanto à parte requerente da medida, a maioria da doutrina e da jurisprudência entende que só o autor pode requerê-la. Ao réu só seria possível nos casos de ações de natureza dúplices. Noutro sentido é o pensamento de Luiz Guilherme Marinoni, para quem o demandado pode requerer a medida, independentemente da natureza dúplice da ação. Para o citado Autor, o réu, ao contestar a ação, formula uma pretensão declaratória negativa ou mesmo desconstitutiva, na medida em que requer que o pedido do autor seja negado.

O mesmo Autor ainda chama a atenção para o caso dos embargos à execução, nos quais é perfeitamente possível que o exequente, demandado nos embargos, tenha interesse em não suspender a execução, em razão de perigo de dano irreparável. Nesta hipótese, seria cabível o pedido de tutela antecipada na contestação.

É importante frisar que o exequente responderá objetivamente pelos prejuízos que vier a causar ao executado em sendo revogada a antecipação da tutela. Como impera em nosso ordenamento o princípio da irretroatividade das leis, tal responsabilidade só poderá incidir nos fatos que sejam posteriores à modificação do art. 588. Entretanto, há autores que defendem que, mesmo antes da nova redação do n. I do art. 588, já havia a responsabilidade objetiva do beneficiário da medida.


III – MODIFICAÇÕES DO ARTIGO 273 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

O art. 273 do CPC sofreu importantes alterações pela Lei 10.444/2002.

A primeira delas diz respeito ao § 6º, cuja nova redação rompeu com o princípio da unidade de julgamento de mérito, ao permitir o julgamento definitivo, e não mais provisório, nos casos em que um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. Para Cândido Rangel Dinamarco é perfeitamente possível o julgamento parcial do mérito com fundamento na parcial incontrovésia dos fatos constitutivos. No caso, não haverá julgamento com juízo de probalidade (comum à tutela antecipada), mas sim com juízo de certeza, pois o julgamento terá sido feito de posse de todos os elementos probatórios suficientes ao convencimento do juiz.

Como já dito, neste caso, a tutela antecipada é prestada com base em cognição exauriente. Sendo assim, o provimento jurisdicional que a concede, embora seja uma decisão interlocutória, é apta a alcançar a autoridade de coisa julgada material, não podendo ser revogada nem modificada posteriormente, haja vista sua definitividade.

Diz-se composto o objeto do processo quando é representado por pretensões autônomas reunidas. Ele é decomponível nas hipóteses de pretensão a coisas fungíveis porque a instrução pode revelar ao juiz que o autor tem parte do direito que alega, mas não direito a tudo quanto pede. O § 6º do art. 273 não se restringe à cumulação de pedidos, abrange também aqueles processos cujo objeto é único. Nas hipóteses trazidas pelo §6º não há exigência de periculum in mora e de efeitos reversíveis, é suficiente a incontrovérsia.

Outra inovação importante foi o § 7º, que estabeleceu a fungibilidade entre os pedidos cautelar e da tutela antecipada. O acréscimo desse dispositivo foi motivado pela constante confusão entre aqueles institutos pelos operadores do direito, o que prejudicava sobremaneira o direito pleiteado. Essa confusão tem sua origem no fato de, até o advento da nova redação do art. 273, a medida cautelar ter sido utilizada como instrumento para concessão de tutela antecipatória, o que desvirtuava sua natureza.

A tutela cautelar tem natureza eminentemente instrumental, pois seu escopo é resguardar a efetividade do processo principal, que pode ser de conhecimento ou de execução. Daí porque alguns a chamam de tutela de segurança ou garantia.

A tutela antecipada é caracterizada pela provisoriedade, já a cautelar caracteriza-se pela temporariedade, que se distingue daquela pelo fato de não ser substituída posteriormente. A tutela antecipada será posteriormente substituída pela tutela definitiva, que até pode coincidir com ela no seu conteúdo, mas dela se distingue por representar a decisão final. Há exceção no caso do n. II do art. 273, que dá ensejo a uma decisão final quanto à parte incontroversa do(s) pedido(s) e não a uma tutela antecipada, substituível por natureza.

O provimento cautelar não enfrenta o mérito da ação principal, razão pela qual, em regra, não faz coisa julgada material. A exceção fica por conta das decisões que reconhecem a decadência do direito ou a sua prescrição.

A tutela cautelar foi concebida para ser um processo autônomo, devendo dar ensejo à sentença independente do processo principal. Contudo, a natureza instrumental da cautelar restringiu muito essa autonomia, podendo-se afirmar que, hodiernamente, a regra é a medida cautelar incidental. A previsão de fungibilidade entre a cautelar e a tutela antecipada só veio corroborar essa afirmativa.

Os requisitos da tutela cautelar são o fumus boni iuris e o periculum in mora. Não há exigência de prova inequívoca, razão pela qual alguns doutrinadores entendem que a fungibilidade prevista no § 7º não é reciproca. Argumentam que para concessão de tutela antecipada há exigência requisitos mais rígidos.

Entendemos que o escopo do § 7º não foi o de restringir a fungilidade apenas entre a tutela antecipada e a cautelar, nesse sentido. Devemos compreendê-la reciprocamente, pois só assim atingiremos a finalidade da norma, que foi a de evitar prejuízos a direitos que precisam de proteção no decorrer da ação, independentemente do instrumento jurídico utilizado (tutela antecipada ou cautelar) para protegê-lo.

Em regra, tanto a tutela antecipatória quanto a cautelar retiram algo ao demandado, invadindo sua esfera jurídica. Contudo, do ponto de vista do autor, há distinção. A cautelar não lhe acrescenta, de imediato, nada ao ativo jurídico, salvo a segurança; já a antecipatória outorga-lhe o desfrute imediato do bem ou do direito.

Outra confusão bastante comum no manuseio das tutelas jurisdicionais diz respeito ao alcance do provimento liminar, que muitos confundem com a tutela antecipada ou com a cautelar. A liminar nada mais é do que o provimento judicial emitido no momento em que o processo se instaura, ou seja, in limine litis.

A identificação da categoria não se faz pelo conteúdo, função ou natureza do provimento, mas somente pelo momento de sua prolação. A liminar dever ser analisada no início do processo e não simplesmente antes da sentença. Neste caso poderemos estar diante de provimentos antecipatórios.


IV - CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, restou evidente a importância do instituto da tutela antecipada como um dos instrumentos processuais adequados à proteção do direito material, desenvolvido que foi a partir da idéia de que o processo não é o fim em si mesmo, mas instrumento de realização do direito material.


BLIOGRAFIA

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CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação da Tutela no Processo Civil. 2ª edição; Forense, 1999.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 8ª edição, Lumem juris; 2002.

DINAMARCO, Cândi Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. Malheiros Editores, 1995.

NERY JÚNIOR Nelson, e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil Comentado e legislação civil extravagante em vigor. 4ª edição, Revista dos Tribunais, 1999.

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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. I. Forense, 1999.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Vol. I. Revista dos Tribunais, 2001.

WAMBIER, Tereza Arruda Alvim e outros. Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela. Editora Revista dos Tribunais, 1997.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Anna Carolina Resende Azevedo. A tutela antecipatória no moderno processo civil brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 358, 30 jun. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5407. Acesso em: 26 dez. 2024.

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