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O papel do fiscal no âmbito do contrato administrativo

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Agenda 27/01/2017 às 17:22

3. Da diferenciação entre fiscal e gestor do contrato

A Lei nº 8.666/93 não fez distinção entre as figuras do fiscal e gestor do contrato. Contudo, tanto a doutrina jurídica quanto a jurisprudência têm alertado que estas funções são diferentes e devem, preferencialmente, ser realizadas por servidores distintos [25].

A doutrina jurídica tem buscado distinguir estas duas figuras, muitas vezes exemplificando as atividades de cada uma delas.

A propósito, Ronny Charles Lopes de Torres apresenta a seguinte diferenciação:

 “O ´Gestor do Contrato´ coordena e comanda a execução contratual, representando a Administração na tomada de decisões; salvo delegação específica, ele que decidirá sobre a abertura de processo sancionatório, sobre a prorrogação contratual, sobre a necessidade de alteração contratual, entre outros. O Fiscal do contrato auxilia o gestor, acompanhando a execução de maneira mais próxima do contratado. Ele não detém poder decisório, contudo é o responsável pela apuração, instrução e acompanhamento da execução contratual (correção da execução do contrato, regularidade da documentação juntada, entre outros), podendo iniciar e opinar em processos decisórios, como o de sancionamento, para tomada de decisão pelo gestor ou outra autoridade competente.”[26]

Em linha de raciocínio semelhante, é propício transcrever as observações feitas por Lucas Rocha Furtado:

“Igualmente relevante observar que a figura do fiscal do contrato não deve ser confundida com a do gestor do contrato.

Não obstante a não segregação dessas duas atribuições não possa ser considerada ilegal, ela deve ser evitada. Ao fiscal do contrato, como observado, cumpre verificar a correta execução do objeto da avença, de modo a legitimar a liquidação dos pagamentos devidos ao contratado, ou, conforme o caso, para orientar as autoridades competentes acerca da necessidade de serem aplicadas sanções ou de rescisão contratual. O gestor do contrato, a seu turno, é aquele a quem incumbe tratar com o contratado. O gestor do contrato tem a função de conversar com o contratado, de exigir que este último cumpra o que foi pactuado, de sugerir eventuais modificações contratuais.

(...)

Para melhor distinguir o fiscal do gestor do contrato, podemos considerar hipótese em que tenha sido contratada a reforma de determinado edifício público. Em termos bastante simples, e apenas para exemplificar, podemos mencionar que uma das primeiras incumbências do gestor seria cuidar para que o local onde a obra será executada tenha sido disponibilizado de modo que a empresa contratada possa iniciar a execução do contrato. Iniciada essa execução, caberá ao fiscal, e não ao gestor, atestar se o contratado está cumprindo suas obrigações contratuais de modo a que o pagamento seja efetuado.”[27]

A Controladoria-Geral do Estado do Acre, em seu Manual de Gestão e Fiscalização de Contratos Administrativos, diferencia as duas figuras da seguinte forma:

“Ao contrário do que muitos pensam, existe uma grande diferença entre gerir e fiscalizar um contrato. São duas atividades distintas que devem ser desempenhadas por servidores diferentes; sendo, pois, inviável, à luz de uma interpretação sistemática dos textos legais, a acumulação dessas atividades por uma só pessoa.

(...)

A própria Lei Federal nº 8.666/1993, fazendo sensível distinção entre as duas funções prevê que:

“Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada (gestor) e fiscalizada (fiscal) por um representante da Administração especialmente designado (...)” (grifo nosso). Como a lei não possui palavras sem sentido, não se pode adotar o termo acompanhar como sinônimo de fiscalizar.

Acompanhar, pela interpretação da lei, é a atividade ligada com ações de direção, administração, de gestão propriamente dita. São atividades administrativas. Como, por exemplo: instruir o processo de contratação, alimentando-o sempre que necessário; proceder à análise dos relatórios emitidos pelo fiscal a fim de sinalizar para pagamento e constatar a regularidade de toda ou parcela da obrigação; analisar a viabilidade de reajuste de preço, as glosas feitas pelo fiscal nas notas, avaliar prorrogações contratuais, indicar a aplicação de penalidades, etc.

A gestão englobará a administração do processo de contratação como um todo, desde a sua formalização até o seu encerramento. É um serviço administrativo que pode ser exercido por uma pessoa, comissão ou por um setor.

Fiscalizar, por sua vez, envolve atos pontuais de observação, cuja finalidade é constatar e fazer cumprir as cláusulas previstas no contrato firmado pela Administração com terceiros, observando os aspectos técnicos mediante a confirmação de medições, certificação do cumprimento do pactuado por atesto de documento fiscal ou pela formulação de outros expedientes que discriminem a correta execução de todos os deveres pactuados pelas partes envolvidas.

O fiscal, ao contrário do gestor, ficará fisicamente no local da prestação do serviço, da realização da obra ou da entrega do material, observando a execução física deste contrato, confrontando a execução com as condições anteriormente avençadas, como, por exemplo: especificação do objeto, quantidade, qualidade, condições, prazos, forma de execução dos serviços, etc.”[28]

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Como visto, são inúmeras as diferenças entre o fiscal e o gestor do contrato.

O fiscal é responsável pelo acompanhamento da execução do objeto do contrato. Dentre outras atribuições, deve exigir da contratada o fiel cumprimento de todas as obrigações contratuais e adotar medidas para que a fiscalização garanta a quantidade e a qualidade do produto final.

O fiscal deve auxiliar o gestor quanto à fiscalização do contrato. No entanto, ao contrário deste, não possui poder decisório. Assim, caso o fiscal identifique vícios ou irregularidades na execução contratual, deverá comunicar ao gestor.

O gestor, por outro lado, desempenha atividades administrativas, que podem ser realizadas por um servidor, comissão ou setor. A sua função consiste em coordenar toda a execução do contrato, que engloba inclusive o monitoramento e a orientação do fiscal. É responsável, por exemplo, por analisar (e decidir) sobre os pedidos de aditamentos contratuais, abertura de processo sancionatório, entre outros.


4. Das atribuições e responsabilidade do fiscal do contrato

O fiscal deve zelar para que o objetivo da contratação seja plenamente atingido. Para alcançar tal finalidade, os fiscais possuem uma vasta gama de atribuições.

No entanto, não há na legislação uma delimitação de quais seriam estas atribuições. É possível encontrar algumas na legislação pátria; as outras são frutos de orientação pretoriana ou criação doutrinária.

Não é intenção deste artigo mencionar todas as atividades exercidas pelo fiscal do contrato, até mesmo porque podem variar de acordo com as peculiaridades de cada situação fática, todavia merecem destaques algumas atribuições, conforme demonstrado a seguir.

Dentre as múltiplas atribuições do fiscal do contrato, é possível elencar as seguintes: (i) ter conhecimento prévio de sua competência e do seu âmbito de atuação[29]; (ii) possuir fotocópia do contrato, do edital de licitação e seus anexos, e da proposta vencedora[30]; (iii) ter pleno conhecimento dos termos contratuais que irá fiscalizar[31]; (iv) ter conhecimento específico sobre o objeto contratual; (v) manter um arquivo completo e atualizado de toda a documentação pertinente aos trabalhos[32]; (vi) esclarecer todos os detalhes, a metodologia e os objetivos da contratação, tais como: forma de execução e controle; modo de recebimento e pagamento do objeto; situações que implicam atraso no pagamento; critérios para a alteração dos preços; dentre outros[33]; (vii) esclarecer ou solucionar incoerências, falhas e omissões eventualmente constatadas, necessárias ao desenvolvimento dos trabalhos[34]; (viii) promover reuniões periódicas com a contratada para análise e discussão sobre o andamento dos trabalhos, esclarecimentos as providências necessárias ao cumprimento do contrato[35]; (ix) frisar a necessidade de constante atualização documental da contratada, a fim de manter as condições de habilitação e o atendimento das exigências legais[36]; (x) encaminhar à contratada os comentários efetuados para que sejam providenciados os respectivos atendimentos[37]; (xi) exigir da contratada o fiel cumprimento de todas as obrigações contratuais[38]; (xii) solicitar a substituição de qualquer funcionário da contratada que embarace a atividade fiscalizatória[39]; (xiii) adotar medidas para que a fiscalização garanta a qualidade do produto final e o pagamento apenas dos serviços efetivamente executados; (xiv) verificar a conformidade da prestação dos serviços e da alocação dos recursos necessários, de acordo com o objeto do contrato[40]; (xv) não aceitar serviço irregular ou material diversos daquele que se encontra especificado no Edital[41]; (xvi) proceder as anotações em registro próprio de todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato e determinando o que for necessário para a regularização das faltas ou defeitos observados, consoante o artigo 67, §1º, da Lei nº 8.666/93[42]; (xvii) determinar a correção das irregularidades cometidas pelo contratado e informar ao gestor do contrato quando as medidas corretivas ultrapassarem sua competência[43]; (xviii) comunicar por escrito qualquer falta cometida pela contratada[44]; (xix) verificar e aprovar os relatórios periódicos de execução dos serviços elaborados[45]; (xx) verificar e atestar as medições dos serviços[46]; (xxi) atestar as notas fiscais e as faturas correspondentes à prestação dos serviços[47];  (xxii) prestar informações a respeito da execução dos serviços e de eventuais glosas nos pagamentos devidos à contratada[48]; (xxiii) quando cabível, manter o controle das ordens de serviço emitidas e cumpridas;[49] (xxiv) conhecer os limites e as regras para alterações contratuais definidos na Lei de Licitações, e, por conseguinte, a obrigação de notificar seus superiores sobre a necessidade de realizar o devido aditivo contratual;[50](xxv) receber o objeto contratual, mediante termo circunstanciado assinado pelas partes; (xxvi) emitir atestados de avaliação dos serviços prestados (certidões ou atestados).

Como se observa, a atividade fiscalizatória possui caráter multifacetário. Todavia, as inúmeras atividades exercidas pelo fiscal do contrato não podem ser invocadas para eximir a sua responsabilidade quando atuar de forma deficiente.

O servidor público, no exercício das atribuições de fiscal de contratos, deve observar a legislação, respeitar as normas procedimentais aplicáveis, o teor do contrato e os objetivos da licitação, sob pena de ser responsabilizado[51].

Neste sentido, Léo da Silva Alves adverte que “a omissão do funcionário encarregado para o ofício – ou o incorreto cumprimento da tarefa - pode gerar dano ao erário. Neste caso, além da responsabilidade no plano disciplinar, por exemplo, ele sofrerá as consequências civis, atraindo para si o dever de reparar o prejuízo”[52].

Conforme já destacou o Tribunal de Contas da União, a negligência do agente administrativo incumbido da função de fiscal de contratos atrai para si a responsabilidade civil (dever de ressarcir o dano), penal (se a conduta for tipificada como infração penal) e administrativa (nos termos do estatuto a que tiver submetido) por eventuais danos que poderiam ter sido evitados[53].

Desta forma, para que não seja responsabilizado por eventuais danos causados, é necessário que o fiscal atue de forma proativa e preventiva, observe a legislação, as normas procedimentais, o contrato e os objetivos da licitação, bem como adote todas as medidas de precauções durante o exercício do seu mister.

Sobre o autor
Fábio Caetano Freitas de Lima

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atuou como advogado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, na área de licitações e contratos administrativos. Ocupa o cargo de Advogado da União desde 2010. Atua no acompanhamento dos processos de controle difuso de constitucionalidade e de competência originária do Supremo Tribunal Federal de interesse da União.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fábio Caetano Freitas. O papel do fiscal no âmbito do contrato administrativo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4958, 27 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54094. Acesso em: 23 dez. 2024.

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