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O que significa a anistia de caixa 2? Consequências e visões acerca do instituto

Agenda 30/11/2016 às 09:45

A anistia é o ato de caráter geral pelo qual o poder público deixa de punir certos crimes. É concedida por lei que terá efeito retroativo. É o esquecimento jurídico de uma ou mais infrações.

Integrante da força-tarefa da Lava-Jato no Paraná, o procurador Deltan Dallagnol criticou nesta segunda-feira, em debate no Rio, a proposta em discussão no Congresso para punir juízes e procuradores por crime de responsabilidade e a articulação para anistiar o caixa dois. Ele disse que se buscou, com um jogo de palavras, anistiar, na verdade, a corrupção e a lavagem de dinheiro.

Esse jogo de palavras, de acordo com Dallagnol, está na redação da emenda, que diz que a anistia é para os "crimes relacionados" ao caixa dois, o que incluiria os crimes de lavagem de dinheiro e corrupção que tenham sido praticados com o objetivo de criar uma contabilidade paralela de campanha.

- A ideia de anistia ao caixa dois não é mais do que um jogo de palavras. A redação proposta é de anistia à corrupção e à lavagem de dinheiro relacionados ao caixa dois. Isso é confirmado pelo fato de que não há razão para alguém temer o processamento pelo crime de caixa dois. Não conheço ninguém que tenha sido processado e condenado pelo crime de caixa dois. Isso é raro, e a Lava-Jato não tem por objetivo (investigar) o crime de caixa dois. Isso é um crime da Justiça eleitoral e não da Lava-Jato — afirmou o procurador, após no debate “10 medidas contra a corrupção - Propostas de reflexão”, promovido pela FGV Direito Rio.

Neste domingo, o presidente da República Michel Temer (PMDB), ao lado dos presidentes do Senado e da Câmara, Renan Calheiros (PMDB-AL) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que eles não vão “patrocinar” qualquer movimento a favor da aprovação da medida que anistia o caixa dois. O anúncio aconteceu após o caso Geddel provocar uma crise no governo.

Diversos são os crimes de caixa 2, de corrupção e lavagem de dinheiro.

 A conduta delituosa já é prevista na legislação penal com crime. Isso foi lembrado no julgamento da ação penal 470, no que ficou conhecido como processo do “mensalão”. Usar dinheiro não declarado em campanhas políticas é crime, sem se esquecer que poderá levar a desaprovação da prestação de contas apresentada.  

O “caixa-dois” é o ato de fraudar a legislação eleitoral, inserindo elementos falsos ou omitindo informações, com o fim de ocultar a origem, o destino, ou a aplicação de bens da prestação de contas de partido político ou de campanha eleitoral.

O crime, no âmbito dos delitos  cometidos contra instituição financeira, é previsto na Lei 7.492/86, quando se diz que é crime “manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à contabilidade exigida pela legislação”. A pena é de 1(um) a 5(cinco) anos e multa. Trata-se de crime próprio (o sujeito ativo e qualquer das pessoas mencionadas no artigo 25 da Lei de Crimes do Colarinho Branco). O elemento subjetivo é o dolo genérico.  

O chamado “caixa dois” é ainda visto da leitura do artigo 1º da Lei 8.137, de 1990, para as relações tributárias. Isso quando não houver ainda caracterização de crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro.

O crime é permanente, o que implica que o agente passe a manter recurso no “caixa dois”. Assim, perdura o crime enquanto o agente mantiver o sistema de “caixa dois” ilícito e indevido. Há um momento consumativo inicial, um momento consumativo final e um período consumativo duradouro, que se interpõe entre aqueles dois momentos. A consumação dá-se no momento consumativo inicial que é aquele em que o agente passa a manter o recurso no “caixa dois”.

A matéria já é objeto da proposta com relação ao novo Código Penal.

Veja-se que a SF PLS 282/2013, de 9 de julho de 2013, inclui o artigo 22 – B da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, para tipificar “o crime de caixa dois” eleitoral. Seu autor foi o Senador Jorge Viana.

Para o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Carlos Ayres Britto, a proposta de anistiar o caixa dois é um "jabuti e inconstitucional".

O jurista reagiu com indignação à tentativa, em curso na Câmara, de incluir o perdão ao uso de dinheiro de campanhas sem declaração à Justiça na proposta das Dez Medidas, apresentada pelo Ministério Público Federal.

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Disse o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal:

“O projeto é uma parafernália. É mistura de figuras penais e crimes eleitorais com uma serventia, autoanistiar membros do Legislativo. E a Constituição não admite isso em se tratando de membros de Poder. A anistia foi versada pela Constituição como perdão legal de infrações, mesmo no campo penal, protagonizadas por particulares.”

E disse mais:

“Se for aprovado, o projeto já nascerá vocacionado para o seu desvantajoso questionamento em juízo. Esse tema é uma pecinha de cristal, nuançado. É imbricado com outras figuras delituosas. O caixa dois pode ser produto de corrupção, de propina, meio de lavar dinheiro.”

O Estado é o conjunto de seus Poderes. E não há Poder sem membros, deputados, senadores, presidente. E não existe a figura da autoanistia.

Distinto é o crime de corrupção passiva.

Aparece o crime de corrupção passiva, nos seguintes termos, no artigo 317 do Código Penal: "Solicitar ou receber para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem". 

Como bem disse Heleno Claudio Fragoso(Lições de Direito Penal, Parte Especial, volume II, pág. 416) a venalidade de funcionários é crime torpe, que atinge a administração pública de várias formas, comprometendo a eficiência do serviço público e pondo em perigo o prestigio de toda a administração.

A corrupção do agente público, na forma de corrupção passiva, corresponde a ação do particular que a promove ou dela participa e que se denomina corrupção ativa. Na forma de receber, o crime é bilateral, sendo inconcebível a condenação do agente a do corresponde autor da corrupção ativa.

O crime é tipicamente formal e se consuma com a solicitação ou recebimento da vantagem indevida ou aceitação da promessa de tal vantagem, sem que se exija outro resultado.

O crime de lavagem de dinheiro é operação financeira ou transação comercial que oculta ou dissimula a incorporação, transitória ou permanente, na economia ou no sistema financeiro do País, de bens, direitos ou valores que direta ou indiretamente são resultado ou produto de delitos.

São graves as conclusões trazidas pelo membro do Ministério Público Federal.

Caso isso seja verdadeiro e o projeto for aprovado e sancionado, estará, de todo, comprometida a operação Lava-jato em algo que, nem na Itália foi obtido com êxito, quando se enfraqueceu a operação Mãos Limpas.

A anistia é o ato de caráter geral pelo qual o poder público deixa de punir certos crimes. É concedida por lei que terá efeito retroativo.

É o esquecimento jurídico de uma ou mais infrações.

É cabível a anistia antes e depois do processo ou da condenação. É própria, quando concedida antes da sentença condenatória transitar em julgado e imprópria, se dada, depois da sentença, recaindo sobre a pena.

A anistia pode ser geral (quando beneficia todas as pessoas que participaram do crime) ou parcial. Pode ser ampla ou plena (apaga por completo a matéria de fato e extingue todos os efeitos), é irrestrita quando inclui todos os crimes relacionados com o principal e restrita quando são excluídas algumas infrações.

Se a anistia apaga o delito e extingue seus efeitos, é justo que não se exija o decurso de dois anos previstos no artigo 94, caput, do Código Penal, para a concessão da reabilitação. O mesmo deve ser dito com relação a abolito criminis, como se vê de decisão do STF, em caso de anistia por crime contra a segurança nacional (RCrim 1.439, DJU de 6 de maio de 1983, pág. 6.023).

A anistia é forma de extinção da punibilidade (artigo 107, II, do CP). Não haveria razão, caso isso aconteça, para a continuidade das investigações. Os processos criminais na matéria seriam encerrados e as execuções penais seriam extintas.

Necessário, por fim, estabelecer diferenças entre o indulto e a anistia: a) o indulto é para crimes comuns; a anistia, em regra, para crimes políticos; b) o indulto só é concedido após a condenação; a anistia pode ser antes ou depois da condenação; c) o indulto é concedido pelo Executivo; a anistia pelo Congresso Nacional; d) o indulto está sujeito à condições; a anistia, é, em regra, incondicional.

Indulto é o perdão coletivo, concedido independentemente de provocação. Mas, diz-se que pode ser individual ou coletivo. O primeiro não deixa de ser uma forma de graça com outro nome e poderá ser provocado por petição do condenado, por iniciativa do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou da autoridade administrativa, que será encaminhado, com parecer do Conselho Penitenciário ao Ministério da Justiça, onde será processado e depois submetido a despacho do Presidente da República. Por sua vez, o indulto coletivo é concedido independentemente de provocação, sem audiência dos órgãos técnicos, pelo Presidente da República, em ocasiões especiais, sendo uma tradição. É concedido todos os anos, nas vésperas do Natal.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O que significa a anistia de caixa 2? Consequências e visões acerca do instituto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4900, 30 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54173. Acesso em: 22 nov. 2024.

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