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O cabimento de recurso de agravo de instrumento em hipóteses não previstas no novo Código de Processo Civil

Agenda 02/12/2016 às 13:20

O ordenamento jurídico atual traz um suposto rol pertinente de situações para o referido recurso, sem, contudo, afirmar se o rol é exaustivo ou exemplificativo, e este fato tem gerado grande insegurança jurídica.

AGRAVO DE INSTRUMENTO E ROL NÃO EXAUSTIVO.

É cediço que o Novo Código de Processo Civil, dentre as muitas alterações que trouxe à sistemática adjetiva civil brasileira, extinguiu o recurso de Agravo Retido, permitindo, por meio da previsão do artigo 1.009, § 1º, que certas questões resolvidas pelo magistrado de primeiro grau por meio de decisões interlocutórias sejam suscitadas em preliminar de Apelação.

Ocorre, contudo, que o rol do artigo 1.015, do Código de Processo Civil, apesar de razoavelmente detalhado, salvo melhor juízo, evidentemente não é exaustivo.

Tanto é verdade, que o caput do dispositivo legal em questão esclarece que “cabe agravo de instrumento” contra certas decisões – mas não se atreve a sugerir que o recurso caiba apenas naquelas exatas hipóteses.

Aqui está um ponto de nevrálgica importância, já que, por mera interpretação gramatical, mesmo sem procurar amparo no arcabouço constitucional vigente, chega-se à conclusão de inexistência de limitação do cabimento do recurso de Agravo de Instrumento por mera inexistência de previsão expressa entre as hipóteses do artigo 1.015, do Código de Processo Civil.

De qualquer forma, tal pretensão de limitação, caso existisse, não poderia prevalecer, sob pena de descompasso inconciliável com o texto constitucional, conforme se procurará demonstrar a seguir.

Antes, porém, é de se mencionar, brevemente, que o Prof. Dr. Marco Félix Jobim, por exemplo, é categórico ao afirmar que o rol do artigo 1.015, do Código de Processo Civil, não é exaustivo.[1]

Karla Nidahara (2017, p. 462) afirma, inclusive, que o tempo deverá responder se as hipóteses são taxativas ou não, pois do contrário será necessário uma mudança de entendimento jurisprudencial pela possibilidade de recorrer por meio do Mandando de Segurança (retornaremos ao tema mais adiante).

De toda sorte, insta lembrar que o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, determina, em termos expressos, como garantia fundamental, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, e, como é por demais sabido, remansosa doutrina entende que a previsão expressa da existência de tribunais no texto constitucional deixa clara a existência de uma garantia de acesso ao duplo grau de jurisdição.[2]

A menção a uma possibilidade concreta pode ser esclarecedora.

Imagine um caso de indenização por suposto defeito de um certo produto, em que o magistrado de primeiro grau tenha entendido ser necessária a realização de prova pericial, e que tenha imposto à ré – por conta da inversão do ônus da prova viabilizada pelo artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor – o dever de antecipar os valores referentes a honorários periciais, mas que tenha arbitrado esses mesmos honorários em valor que seja considerado excessivo pela ré – inclusive, eventualmente, com amparo em jurisprudência do próprio Tribunal de Justiça ao qual o caso estaria sujeito –, e em circunstâncias em que tenha ela dificuldade financeira para custear a despesa.

Destaca-se que o exemplo deve ser vislumbrado em dois momentos. O primeiro, a Inversão do Ônus da prova ou Dinamização do Ônus da Prova (CPC, art. 373, §1º) certamente tem previsão legal para interposição de Agravo de Instrumento (CPC, art. 1.015, XI). O segundo momento seria o prosseguimento do feito sem qualquer recurso das partes, pois posteriormente poderão ser discutidos os reflexos dessa dinamização, com nomeação de peritos e as consequentes obrigações de pagamento de custos periciais; sobre esta fase processual, se, por exemplo, arbitrado alto valor de perícia, não há previsão legal específica para o recurso de Agravo de Instrumento.

Pois bem, nesse caso existiria claríssima ameaça ao direito de exercício de ampla defesa e contraditório por parte da ré, caso o Tribunal de Justiça em questão estivesse, eventualmente, impedido pela legislação infraconstitucional de conhecer imediatamente do pleito de redução do valor da verba honorária.

Vale lembrar, aliás, que “[…] a substanciação do princípio da ampla defesa depende de uma interpretação sempre mais favorável à produção das provas” (RUZON, 2013, p. 157)[3], e que “a prova deve ser vista, também, como um direito, como projeção do princípio do contraditório” (LOPES, 2008, p. 112).

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Ora, no caso hipotético que se tomou como exemplo, se a ré não pudesse pleitear o imediato pronunciamento do Tribunal de Justiça sobre a questão e também não adiantasse, desde logo, os honorários do Il. Sr. Perito, correria o risco concreto de a prova não vir a ser realizada, e de se considerar que deveria recair sobre ela o ônus de não realização da prova.

Verifica-se precedente do Superior Tribunal de Justiça e as consequências da não realização da prova pericial:

“Na linha da jurisprudência da Corte, a inversão do ônus da prova, deferida nos termos do art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, não significa transferir para a parte ré o ônus do pagamento dos honorários do perito, embora deva arcar com as conseqüências de sua não-produção”. (REsp 651632/BA)

Nesse cenário, evidentemente teria sido limitada a possibilidade de exercício de defesa e de contraditório, por parte da ré, por circunstâncias que são claramente atentatórias ao texto constitucional.

Além do mais, caso a ré, nesse mesmo caso, conseguisse fazer o pagamento de tal valor, mas saísse vitoriosa na demanda, muito provavelmente não conseguiria recebê-lo de volta, haja vista o fato de que o autor, na prática, quase certamente seria beneficiário da gratuidade de justiça – e, o que talvez seja ainda mais absurdo, também não poderia discutir o valor perante o Tribunal de Justiça, porque, na condição de vencedora da demanda, não teria recurso de apelação em que incluir a matéria como preliminar.

Por outro lado, caso a ré conseguisse fazer o pagamento do valor em questão, mas saísse vencida na demanda, e o Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do recurso de apelação, viesse a considerar o valor arbitrado a título de honorários periciais excessivo, restaria a ela utilizar as vias do próprio Poder Judiciário para procurar ser ressarcida da diferença em face do próprio Il. Sr. Perito – o que, salvo melhor juízo, certamente serviria apenas para assoberbar as vias judiciais, ao invés de aliviá-las.

Verifica-se, desta forma, que existe um sério risco de que a negativa de conhecimento imediato à pretensão recursal da parte em casos tais quais o mencionado, implique um sem número de prejuízos – sem, contudo, vale repisar, amparo na legislação infraconstitucional positivada, já que, como visto, o próprio caput do art. 1.015, do Código de Processo Civil não sugere que o rol ali previsto seja exaustivo, e também sem qualquer proveito considerável para a eficiência do Poder Judiciário.

Muito pelo contrário, aliás.

Aqui, cabe uma menção à pertinente observação de Karla Nidahara:

A taxatividade das hipóteses de recorribilidade das decisões interlocutórias acontecia no regime do Código de Processo Civil de 1939. Dali, é possível analisar as consequências desta estrutura, que não é nova, mas ressuscita um modelo que já havia sido superado pelo CPC/1973.

Nelson Nery Jr. ensina que durante a vigência do CPC/1939, havia a previsão do agravo de instrumento e agravo nos autos do processo (assemelhado ao agravo retido), em hipóteses arroladas em numerus clausus (CPC/1939, art. 842 e art. 851). Como muitas decisões interlocutórias não se encontravam nos mencionados dispositivos legais, inclusive a mais importante decisão interlocutória do sistema processual (despacho saneador), sobrevieram os institutos da correição parcial e da reclamação para os casos em que as decisões eram irrecorríveis. Demais disso sobreveio a utilização do mandado de segurança como sucedâneo de recurso (2017, p. 459).

Oportuno citar alguns entendimentos de doutrinadores sobre o tema, tendo em vista não existir, ainda, precedentes obrigatórios[4] sobre o assunto. Medina (2015, p. 1399) afirma não existirem decisões interlocutórias irrecorríveis, mas apenas decisões interlocutórias imediatamente recorríveis, destaca ainda ser pertinente o Mandando de Segurança sempre que demonstrar a inutilidade do exame do ato acoimado de ilegal apenas por ocasião do julgamento da apelação. Teresa Arruda Alvim Wambier e outros (2015, p. 1453) afirmam ainda que o texto legal abre novamente espaço para o uso do Mandado de Segurança contra atos do juiz (entendendo, assim, não ser o rol exaustivo). Para Marinoni e outros (2015, p. 534) embora tenha a lei empregado um rol taxativo, isso não impede o julgador de utilizar a analogia para interpretação das hipóteses contidas nos textos. Para Wambier e Talamini (2016, p. 543) o rol é exaustivo, embora possa a parte insurgir-se contra a decisão por meio de Mandando de Segurança. Para Cassio Scarpinella Bueno, poderia haver uma interpretação ampliativa “sempre conservando, contudo, a razão  de ser de cada  uma de suas hipóteses para não generalizá-las indevidamente” (2015).

A exposição de motivos do Código de Processo Civil[5] – texto de grande importância para entender o novo paradigma que se pretende imprimir às relações processuais civis – embora sem força de norma processual, traz que o Agravo de Instrumento estabeleceria um rol para as hipóteses de recorribilidade, porém não emprega maiores informações e não afirma ser o rol exaustivo ou não.

Em síntese, é evidente que os cidadãos não se conformarão com a simples negativa de conhecimento de suas pretensões recursais em hipóteses nas quais (como a que foi mencionada a título de exemplo) haja receio fundado de lesão irreversível ou de difícil ou incerta possibilidade de reparação a um direito seu.

Sendo esta uma posição a ser adotada pelo prudente advogado (insurgir-se contra a decisão que padeça de vícios e que seja atentatória contra interesses de seu cliente), questiona-se então se pertinente será a utilização de Mandado de Segurança. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 576.847-3/BA, manteve posicionamento de que não caberia Mandado de Segurança contra decisão interlocutória proferida no Juizado Especial Cível. O Superior Tribunal Justiça, por sua vez, no julgamento da Reclamação 4564/RJ, entendeu ser pertinente o Mandado de Segurança contra decisões interlocutórias proferidas no Juizado Especial quando eivadas de manifesta ilegalidade ou abuso de poder. As Turmas Recursais Únicas do Estado do Paraná esposam o entendimento de impossibilidade jurídica de impetração de Mandando de Segurança contra decisões  no âmbito dos Juizados[6].

Cabe, portanto, ao Poder Judiciário, neste importante momento da história processual brasileira, a desconfortável incumbência de decidir se preferirá, em homenagem ao texto constitucional e às possibilidades abertas pela própria redação do Código de Processo Civil, observar a viabilidade de interposição de recurso de Agravo de Instrumento em circunstâncias em que o risco de dano exista, ou se optará por abrir uma verdadeira corrida de tentativa dos mais diversos expedientes imagináveis com o intuito de prevenir o atentado às já mencionadas garantias fundamentais.

Caso opte pela segunda via, parece possível afirmar que o Poder Judiciário, em geral, ver-se-á, de início, verdadeiramente inundado por um sem número de Mandados de Segurança contra decisões dos magistrados de primeira instância, e, caso o cabimento desse mecanismo também seja afastado, pode-se ter certeza de que não tardarão a surgir muitos outros – haja vista o fato de que, repita-se, o cidadão certamente não se conformará com o simples império das injustiças.

Veremos, durante esse amadurecimento das interpretações sobre o Código de Processo Civil de 2015, se o rol será interpretado como exemplificativo ou exaustivo, se haverá a possibilidade de a parte insurgir-se contra decisão interlocutória por meio de Mandando de Segurança quando a decisão não estiver descrita no rol do art. 1.015, se poderá existir interpretação ampliativa do rol e, assim, recorrer por meio de Agravo de Instrumento mesmo quando não estiver o motivo do recurso expressa e especificamente previsto no rol do referido artigo. Este é o cenário que facilmente demonstra uma grande insegurança jurídica.


REFERÊNCIAS.

Bueno, Cassio Scarpinella. Manual de direito processual civil : inteiramente estruturado à luz do novo CPC – Lei n. 13.105, de 16-3-2015 / Cassio Scarpinella Bueno. São Paulo : Saraiva, 2015.

LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Princípio do Contraditório. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria Elizabeth de Castro. Princípios Processuais Civis na Constituição. 2 tir. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 101 a 118.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal. 10 ed. São Paulo: RT, 2010.

MARINONI, Luiz Guilherme. Novo curso de processo civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum, volume II. Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Arenhart, Daniel Mitidiero. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2015. Curso de Processo Civil, v. 2.

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo código de processo civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973. 3ª Edição. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2015.

NIDAHARA, Karla Saory Moriya. Agravo de Instrumento e Agravo Interno no CPC/2015. In: FUGA, Bruno Augusto Sampaio (et. al. org.). Principais Inovações do Novo Código de Processo Civil. Birigui, SP: Boreal, 2017.

OAB. Novo Código de Processo Civil Anotado. Porto Alegre, OAB RS, 2015.

RUZON, Bruno Ponich. Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa. In: RUZON, Bruno Ponich (org.). Princípios do Processo Civil Brasileiro. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013, p. 139 a 166.

SORMANI, Alexandre. Princípio do Duplo Grau de Jurisdição. In: OLIVEIRA NETO, Olavo de e LOPES, Maria Elizabeth de Castro (org.). Princípios Processuais Civis na Constituição. 2 tir. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 215 a 239.

TARUFFO, Michele. A prova. Tradução João Gabriel Couto. 1. ed. São Paulo. Marcia Pons, 2014.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; LINS CONCEIÇÃO, Maria Lúcia; SILVA RIBEIRO, Leonardo Ferres da; MELLHO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil, artigo por artigo. RT, 1º, ed. São Paulo, 2015.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória), volume 2 / Luiz Rodrigues Wambier, Eduardo Talamini. 16 ed. Reformulada e ampliada de acordo com o novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016


Notas

[1] Conquanto, a bem da verdade, sugira uma distinção entre as noções de taxatividade e exaustividade. Cf. In: OAB, 2015, p. 792.

[2] Em que pese o fato de a doutrina também frisar que se trata de princípio implícito, e não de garantia. Cf. NERY JUNIOR, 2010, p. 285; e SORMANI, 2008, p. 238.

[3] Sobre o tema, Taruffo afirma, inclusive, que normas jurídicas as quais restringem o uso dos meios de prova devam ser reduzidas a um patamar mínimo (2014, p. 24).

[4] A respeito do regime de precedentes obrigatórios, cf. o artigo 927, do Código de Processo Civil.

[5] O agravo de instrumento ficou mantido para as hipóteses de concessão, ou não, de tutela de urgência; para as interlocutórias de mérito, para as interlocutórias proferidas na execução (e no cumprimento de sentença) e para todos os demais casos a respeito dos quais houver previsão legal expressa.

[6] 0000250-56.2015.8.16.9000/0.  Mandado De Segurança. Decisão interlocutória. Ausência de direito líquido e certo. Ilegalidade e teratologia inexistente. Mero inconformismo. Indevida utilização do mandado de segurança como substitutivo de agravo de instrumento. Recurso não previsto no sistema de juizados especiais cíveis. 

Sobre os autores
Thiago Caversan Antunes

Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL) e Mestre em Direito Negocial (UEL). Doutor em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Professor do curso de graduação em Direito da Universidade Positivo (UP Londrina), e de diversos cursos de pós-graduação. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). Autor de livros e artigos científicos. Atua como advogado.

Bruno Fuga

Advogado e Professor. Doutor em Processo Civil pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UEL (na linha de Processo Civil). Pós-Graduado em Processo Civil (IDCC). Pós-Graduado em Filosofia Política e Jurídica (UEL). Membro da academia londrinense de letras (cadeira n.º 32). Conselheiro da OAB de Londrina. Membro ABDPro, IBDP e IDPA. E-mail: brunofuga@brunofuga.adv.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Thiago Caversan; FUGA, Bruno. O cabimento de recurso de agravo de instrumento em hipóteses não previstas no novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4902, 2 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54282. Acesso em: 25 nov. 2024.

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