Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Tutela antecipada e fumus boni iuris

Exibindo página 1 de 3
Agenda 09/07/2004 às 00:00

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 2. O ENFRENTAMENTO DA INEFICIÊNCIA DA JUSTIÇA CIVIL PELA REFORMA: A TUTELA ANTECIAPADA. 3. RECENTES INSTRUMENTOS DE FOMENTO À EFETIVIDADE NO BRASIL. 4. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA E EFETIVIDADE. 5. FUMUS BONI IURIS E TUTELA ANTECIPADA. A PROVA INEQUÍVOCA. 5.1 Juízo de Verossimilhança. 5.2 Prova inequívoca. 6. FUMUS BONI IURIS, RELEVANTE FUNDAMENTO E ABUSO DE DIREITO DE DEFESA. 6.1 A Noção de Relevante Fundamento. 6.2 Abuso de Direito de Defesa e Manifesto Propósito Protelatório do Réu. 6.2.1 Abuso de Direito de Defesa. 6.2.2 Manifesto Propósito Protelatório do Réu. 7. Conclusão. Referências.


1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo mostrar o entendimento da doutrina referente ao Fumus Boni Iuris relacionado ao Instituto da Tutela Antecipada. Contudo, antes de entrarmos nos pontos divergentes que se relacionam com a finalidade deste trabalho, faremos uma breve explanação do que consiste a Tutela Antecipada disciplina pela Lei n° 8.952/94, situando o instituto no contexto existente no Brasil em relação a efetividade da jurisdição civil, tangenciando os instrumentos paralelos utilizados pelo legislador com a finalidade de corrigir os problemas e os pontos de estrangulamento do Código de Processo Civil, resultando o que se denominou de Reforma do Código de Processo Civil.


2 O Enfrentamento da Ineficiência da Justiça Civil pela Reforma : A Tutela Antecipada

Para enfrentar a crise de efetividade civil surgem no cenário brasileiro as Leis 8950 a 8953, todas de 13 de dezembro de 1994, que somadas às anteriores Leis 8898/94, 8710/93 e 8718/93 e às Leis 9079 de 14 de julho (ação monitória), 9139 de 30 de novembro (agravo) e 9245 de 26 de dezembro (procedimento sumário), todas de 1995, compõe o que se costumou chamar de " A Reforma do Processo Civil", com o que se procurou corrigir falhas e atacar os "pontos de estrangulamento" da atividade judiciária.

As alterações provocadas pela reforma, principalmente no Processo de Conhecimento e no Processo de Execução, tiveram como finalidade simplificar e agilizar o estado de cômoda lentidão e ineficiência da nossa justiça.

O instituto da Tutela Antecipada não é uma invenção da Reforma de 94. Já havia tutela antecipada nas ações possessórias, alimentos, Mandado de Segurança e Ação Civil Pública.

A Reforma de 94 generalizou a possibilidade do intstituto da Tutela Antecipada ser aplicada a qualquer direito pleiteado em juízo, uma vez que até então o instituto ficava restrito a algumas ações.

Regulada pelos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, a tutela antecipada é arma de enorme potencial para corrigir as distorções que o tempo provoca sobre a efetividade da tutela jurisdicional e compensar as deficiências específicas que o instrumento da jurisdição civil tem mostrado em cada área da sua atuação.

No que pese os problemas estruturais que atingem o Judiciário ( número inadequado de juízes e de pessoal qualificado, fruto da falta de recursos), o instituto da tutela antecipada tende a influir positivamente sobre a atual situação do Judiciário, quer porque elimina em grande parte a necessidade de propositura de ações cautelares inominadas e a conseqüente duplicação de feitos, quer porque a antecipação de tutela, uma vez concedida, representará, por si só, grande incentivo à autocomposição bilateral. Outro aspecto dentro dessa mesma ótica é o efeito moralizador expresso pela antecipação fundada no "abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu" (inciso II, do art. 273) que similarmente, fomentará de forma significativa a possibilidade de entendimento entre as partes.


3 Recentes Instrumentos de Fomento à Efetividade no Brasil

Recentemente, temos sido contemplados no Brasil com importantes instrumentos processuais de suporte à efetividade, tais como:

a)a medida liminar que foi inserida no procedimento da ação popular pela Lei 6513/77;

b)a ação civil pública que traz em seu bojo a permissão de concessão de mandado liminar ( Lei 7347/85, art. 12);

c)a criação do mandado de segurança coletivo pela Constituição de 1988 - impetrável por partidos políticos, organizações sindicais, entidades de classe ou associações, CF, art 5º, inc. LXX - e cujo procedimento, por ser o mesmo do writ individual, possui tutela liminar (Lei 1533/51, art. 7º, inc. II);

d)o surgimento do Código de Defesa do Consumidor que identicamente admite tutela in limine, inclusive de conteúdo cominatório (Lei 8079/90, art. 84, §§3º e 4º);

e)a instituição da liminar de desocupação nas ações de despejo (Lei 8245/91, art. 59) etc.

Nota-se, portanto, a permanente intenção do legislador no sentido de conceder efetividade ao processo mediante a aceleração do provimento jurisdicional. Contudo, apesar do quadro geral ter melhorado bastante de 1988 em diante, principalmente com a chegada do Código de Defesa do Consumidor, parece inegável que mesmo a somatória das várias iniciativas isoladas que mencionamos não foi capaz de trazer para dentro do processo civil brasileiro como um todo a sonhada efetividade.

É exatamente nesse quadro de boas intenções, porém de resultados insuficientes em termos de efetividade ao jurisdicionado - apesar da contínua expansão e proliferação das cautelares inominadas para todos os objetivos -, que aparece no cenário brasileiro a Reforma do Código de Processo Civil brasileiro de dezembro de 1994 e no seu bojo, dentre muitas conquistas, a figura da tutela antecipada ampliada para todo e qualquer direito.


4 Antecipação da Tutela e Efetividade

Através deste instituto, o CPC dá ao procedimento ordinário ou sumário um "modo de ser" completamente distinto, potencializando-os com a permissão de outorga antecipada dos "efeitos da tutela pretendida". A inclusão da medida liminar antecipatória do art. 273, inciso I, para as obrigações em geral, e a do art. 461, § 3º, para as obrigações de fazer ou não fazer, representa indubitável e concretamente a perspectiva de efetividade para o processo de rito comum. São os seguintes os motivos, a saber:

a)eliminação do fator tempo como obstáculo à realização de justiça.

b)extensão da tutela jurisdicional rápida a todos os direitos, o que também significa acessibilidade conferida a quaisquer supostos titulares de direitos à via antecipatória, tudo isso sem prejuízo da ampla atividade de provar que é assegurada pelo procedimento cognitivo comum.

O instituto da tutela antecipada evidencia entre nós a esperança que se consiga um "processo de resultados" não só pelo prisma do "modo de ser do processo" como também pela "utilidade do provimento".

A perspectiva de efetividade fica clara no próprio conteúdo normativo do art. 273, caput, que admite a antecipabilidade de quaisquer efeitos sentenciais, inclusive condenatórios, de acordo com José Rogério Cruz e Tucci (1994, p. 117) que coloca o § 1º, do art. 59, da Lei 8245 / 91 como padrão de interpretação. No que concerne ao provimento útil a efetividade fica evidenciada com o art. 461 do CPC que opta ousadamente pela instituição da tutela específica das obrigações de fazer e não-fazer como regra (caput), relegando as perdas e danos ao patamar de último remédio e excepcional (§§ 1º e 2º).

A outorga da tutela in natura às obrigações de fazer ou não fazer já se fazia necessário, principalmente às de valor não patrimonial, que estão relacionadas com muita frequência, aos direitos fundamentais do homem, como a vida, honra, integridade física, privacidade etc., como também a direitos da coletividade, como a qualidade de vida, meio ambiente etc.

Dentro desse aparato crítico de desejo generalizado por provimentos úteis e eficientes, tem realce o papel dos meios coercitivos e medidas subrogatórias colocadas à disposição do magistrado para, sob a forma de liminar ou de sentença (multa cominatória, art. 461 § 4º; busca e apreensão, remoção, ordem para desfazimento de obras ou impedimento de atividade nociva e requisição de força policial, art. 461 § 5º) gerar no mundo dos fatos a realização da própria prestação, objeto da obrigação de fazer ou não fazer.

Desta forma, a efetividade é alcançada pela rapidez da prestação jurisdicional, como também pela garantia de que o credor poderá gozar, por meio do resultado do processo, exatamente o bem da vida que a ordem jurídica material lhe atribuiu. A satisfação desses requisitos é preenchida pelo instituto da tutela específica do art. 461 do CPC.

Outro instrumento de grande potencialidade para tornar efetivo o processo de conhecimento é a antecipação de tutela pautada no inciso II do art. 273 ( "abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu"), pelos motivos a seguir expostos:

a)instrumento contra os efeitos deletérios do tempo;

b)moraliza o embate processual mediante o sancionamento severo da conduta desleal do réu.

Em outras palavras, toda vez que o réu, por sua atitude antiética e reprovável, tornar claro que o direito parece amparar a pretensão do demandante, a antecipação de tutela fundada no inciso II do art. 273 resulta na efetividade do processo.


5 Fumus Boni Iuris e Tutela Antecipada. A Prova Inequívoca

A partir deste momento iremos adentrar no objetivo deste trabalho. Assim, veremos o entendimento da doutrina sobre os termos em que a Reforma do Processo Civil de 1994 previu e disciplinou a fumaça do bom direito, enquanto pressuposto inafastável para a concessão da tutela antecipada.

Com essa finalidade descreveremos abaixo as disposições legais que hoje regulam a matéria no CPC, a saber:

a)o caput do art. 273 sozinho;

b)o caput do art. 273 somado ao inciso II;

c)o § 3º do art 461 (no caso das obrigações de fazer e não fazer).

"Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e :... II - fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu". "Art. 461... § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia... ".

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A título de orientação, adotaremos como padrão neste trabalho, pertencer ao Código de Processo Civil toda citação de artigo sem referência expressa ao estatuto legal a que faz parte.

Segundo Antônio Cláudio da Costa Machado (1999, p. 384) o instituto do fumus boni iuris se adequa perfeitamente bem à qualificação jurídica da prova necessária à concessão de provimentos sumários, pois caso contrário haveria necessidade de se reconhecer que a "prova inequívoca" e "verossimilhança" constituem uma categoria nova.

O autor fundamenta sua assertiva explicando que a doutrina reconhece que constituem manifestações do fumus boni iuris no processo cautelar, a "prova literal da dívida líquida e certa" (art. 814, inciso I), a sentença condenatória no pagamento de dinheiro (art. 814, par. ún.) ou a sentença proferida na reivindicatória (art. 822, inc. II). No âmbito das liminares não comete equívoco quem afirme que são concedidas em função do fumus boni iuris, a apreensão e depósito da coisa vendida a crédito com reserva de domínio (art. 1071), ou a busca e apreensão fundada no contrato de alienação fiduciária(Decreto-lei n. 911/69). O fumus boni iuris também se encontra presente no caso de deferimento da citação do réu na ação para reaver bem depositado que depende da "prova literal do depósito" (art. 902).

Portanto, segundo Antônio Cláudio (1999, p. 385) não há nada, em termos cognitivos, nem teleológicos, que autorize a exclusão, ou a separação, da "prova inequívoca" (art. 273, caput) da categoria do fumus boni iuris.

De acordo com Antônio Machado (1999, p.385) o que existe são graus de intensidade do fumus boni iuris, pois, por exemplo, na esfera do processo cautelar podem ser visualizados diferentes graus de verossimilhança, a saber:

a)aquele que se forma de prova meramente testemunhal, admitida nos casos de busca e apreensão, arrolamento e medidas cautelares inominadas (juízo de aparência não tão intenso);

b)aquele onde se questiona, pelo menos, um documento particular( a "prova literal da dívida líquida e certa"), ou um documento público ( a certidão de casamento no sequestro ou nos alimentos provisionais), o que caracteriza um juízo de aparência mais intenso;

c)aquele que se constitui por intermédio de uma sentença conforme exigência de lei para caracterização do fumus boni iuris ( como ocorre na hipótese de arresto quando não se possui título extrajudicial, ou na de sequestro de frutos e rendimentos do imóvel reivindicando), evidenciando um juízo de aparência de intensidade superior.

Em sendo assim, de acordo com professor Antônio Machado (1999, p.386), não parece ter fundamento a idéia de que a "prova inequívoca" prevista no caput do art. 273 represente algo mais, em termos de cognição, do que a mera aparência, porque até mesmo as declarações judiciais emitidas em processo plenário, mas não cobertas pela coisa julgada, a que se referem os arts. 814, par. único (arresto) e 822, inciso II ( sequestro), não permitem ao juiz, no processo cautelar e para fins cautelares, ultrapassar o juízo de verossimilhança, vale dizer, de mera probabilidade.

Nessa mesma linha de pensamento, segundo o eminente professor, não resta dúvida de que o "relevante fundamento da demanda" previsto no §3º do art. 461, também corresponde ao fumus boni iuris para a concessão da providência antecipatória. O professor sustenta que a figura do fumus boni iuris está sempre e invariavelmente relacionada a idéia de mera probabilidade da existência do direito - tanto no plano do processo cautelar, como no dos procedimentos especiais, como, hoje, no plano da antecipação de tutela.

A questão, na verdade, afirma Antônio Machado (1999, p.387), não é a de se saber se a probabilidade serve ou não - fumus boni iuris é juízo de probabilidade, ou de verossimilhança como diz o próprio caput do art. 273, e, por isso, sempre serve - mas sim, apenas, a de se saber que grau de convencimento sobre a probabilidade se exige do juiz no caso concreto. Portanto, os diferentes graus de fumus boni iuris se revelam segundo o caráter da prova oferecida ao magistrado.

Desta forma, afirma o mestre citado que tanto a "prova inequívoca" (art. 273, caput) quanto o "relevante fundamento" (art 461, § 3º) se enquadram na categoria do fumus boni iuris, sob pena de desmoronamento do mais imprescindível fundamento técnico sobre o qual se assenta a tutela sumária que é o fumus boni iuris.

5.1 Juízo de Verossimilhança

Do ponto de vista estritamente semântico, segundo dicionário de Mansur Guérios (1967, p. 415 e 107), as expressões juízo de aparência, probabilidade ou verossimilhança se aproximam muito, ao ponto de se confundirem, senão vejamos: "verossimilhança... aparência da verdade; probabilidade de ser; "aparência... aquilo que aparece à primeira vista; exteririoridade; probabilidade"; " probabilidade... qualidade do que é provável; a possibilidade de um fato; aparência de verdade, indício".

Juízo de verossimilhança, portanto, no plano semântico, é juízo de probabilidade ou de aparência, o que a princípio para identificar a cognição sumária não se deve descartar nenhuma das três expressões, devido a inegável utilidade das mesmas para o trabalho do intérprete, assim ensina Antônio Machado (1999, p. 389).

Conforme Malatesta (apud Carreira Alvim, 1995, p. 107) a probabilidade está relacionada ao predomínio afirmativo do ser humano diante de um fato. Desta forma, se há prevalência dos motivos negativos sobre os afirmativos, a dúvida é similar ao improvável; havendo igualdade entre os motivos afirmativos e negativos, tem-se o acreditável; e havendo predomínio dos motivos afirmativos sobre os negativos, existe o provável. A partir dessa linha de raciocínio, o referido autor afirma que existem probabilidades máximas (as que estariam próximas do probabilíssimo), probabilidades médias (as que se expressam como o provável) e, finalmente, a probalidade mínima (a que é similar à verossimilhança)

De acordo com Calamandrei (apud Carreira Alvim, 1995, p. 103 e 104) uma forma de diferenciação das noções de possibilidade, verossimilhança e probabilidade seria esta: possível deve ser entendido apenas como aquilo que pode ser verdadeiro; verossímel é aquilo que tem a aparência de ser verdadeiro; e provável seria, etimologicamente, aquilo que se pode provar como verdadeiro.

Carreira Alvim (1995, p. 104) acredita conforme as lições de Calamandrei que o possível, o verossímel e o provável, constituem nessa ordem, uma gradual aproximação para o reconhecimento do que é verdadeiro.

No plano jurídico, o professor Antônio Machado (1999, p. 391-392) embasado nas doutrinas de Calamandrei, Malatesta e Carreira Alvim, afirma o seguinte:

a)juízo de verossimilhança é sinônimo de juízo de probabilidade, razão pela qual se torna plenamente legitimado o uso de uma ou outra expressão quando se busque o entendimento da cognição sumária que o juiz realiza para a concessão da tutela antecipada do art. 273 ou do 461, §3º;

b)sob a ótica brasileira do recém-criado instituto da tutela antecipada, parece claro que o legislador não desejou dar ao termo verossimilhança do caput do art. 273 o significado de probabilidade mínima. Pelo contrário, no contexto da tutela antecipada, o grau de probabilidade que decorre da prova inequívoca se não é, está muito próxima do máximo. No âmbito da tutela sumária do direito brasileiro, nenhuma providência requer verossimilhança mais forte do que a baseada na "prova inequívoca" - comparável a ela, talvez, somente a "prova literal da dívida líquida e certa" do art. 814, inciso II (arresto), ou o "direito líquido e certo" da Lei 1533 / 51 (mandado de segurança);

Quanto ao juízo de aparência o referido autor nos ensina que a expressão aparência também se adequa perfeitamente à identificação do juízo que não se funda na convicção sobre a existência do direito. Sim, porque toda tutela sumária se caracteriza pelo embasamento no provável ou no verossímel, contrária à providência definitiva fundada na certeza.

Se a probabilidade de existência do direito material é contrária a certeza da existência do mesmo e se o verossímel (aquilo que é apenas semelhante a verdade) se opõe à verdade, é claro que todo juízo baseado no provável ou no verossímel é um juízo de aparência. Portanto, conforme o professor Antônio Machado (1999, p. 393) equiparam-se sob o ponto de vista semântico-jurídico, as locuções juízo de verossimilhança, juízo de probabilidade ou juízo de aparência.

Seguindo a mesma linha de raciocínio, nos ensina o mestre citado que, independemente da denominação que se dê ao juízo sumário, como também da maior ou menor intensidade que a lei exija do juiz para a concessão de um particular provimento, toda e qualquer declaração do juiz no sentido da presença da verossimilhança, probabilidade ou aparência de direito é sinônima de declaração do fumus boni iuris.

5.2 Prova Inequívoca

Conforme explica Antônio Machado (1999, p. 395) a prova inequívoca integra o juízo de verossimilhança, pois este abrange tanto a declaração de que há "prova inequívoca", quanto a de que existe perigo ou abuso. Em outras palavras, o juízo de verossimilhança que o juiz é chamado a formar para conceder a tutela antecipada não decorre apenas da presença de elementos probatórios que apontem para a provável existência do direito material alegado, mas passa também pela insustentabilidade da defesa apresentada pelo réu (como no caso do inciso II) ou pela presença de prova da ocorrência do perigo do dano irreparável (como acontece no inciso I).

No que concerne ao plano semântico jurídico, a expressão "prova inequívoca" traz em seu cerne uma enorme impropriedade, pois o adjetivo "inequívoco" ( com significação de evidente, inegável, que não deixa dúvida) não se adequa, na perspectiva da lógica processual, com o substantivo "prova" que no texto da lei é usado no sentido de meio probatório, esse é o entendimento pacífico da doutrina.

No mesmo diapasão, o entrave é que os meios de prova admitem classificações de caráter objetivo, não cabendo à lei classificá-la como equívoca ou inequívoca, que é critério subjetivo, porque o reconhecimento de tal qualidade depende, tão somente, da valoração que o magistrado decida atribuir à prova num determinado processo, pautado no princípio do livre convencimento. Portanto, se apresenta totalmente equivocada a expressão "prova inequívoca".

O caput do art. 273 teria uma melhor redação se dele constasse: "desde que, existindo prova de fatos inequívocos, se convença da verossimilhança da alegação". Contudo, independentemente do substantivo (fato, prova ou direito) que seja adjetivado pelo termo "inequívoco" a coerência da prescrição, como um todo, sempre estaria comprometida pela circunstância de a lei vincular tal requisito ao juízo de verossimilhança, uma vez que, sob cognição sumária, nenhuma manifestação judicial possui o caráter de declaração de certeza. Em outras palavras, o que é considerado inequívoco sob cognição sumária pode ser entendido como sendo simplesmente inexistente quando da sentença de mérito. Revelando, assim, a não adequação do termo inequívoco ou inequívoca para qualificar qualquer substantivo, em se tratando de cognição sumária.

Em relação ao "direito líquido e certo", o professor Antônio Machado (1999, p. 397-398) nos ensina que a "prova inequívoca" compartilha da mesma idéia daquela expressão. Isto porque o "direito líquido e certo" é aquele cujos fatos se provam prima facie, já a "prova inequívoca" é aquela que convence o juiz de que os fatos constitutivos do direito são inequívocos. Fazendo um trocadilho pode-se dizer que o "direito líquido e certo" é aquele que pode ser demonstrado por "prova inequívoca".

Nessa mesma linha de pensamento, sustenta-se, portanto, que a interpretação do caput do art. 273 no que concerne ao termo "prova inequívoca", certamente representa a exigência de que a prova preconstituída utilizada pelo autor para solicitar a antecipação da tutela tenha, ou possua, uma intensa capacidade para convencer o magistrado da real probabilidade dos fatos terem ocorrido como alega o autor, e além disso, para convencê-lo de que em face de tal quadro fático é bem provável que o direito afirmado realmente exista (fumus boni iuris).

Desse modo, a lei não confiou inteiramente ao órgão jurisdicional a avaliação da probabilidade de existência do direito, mas condicionou, no caso de antecipação de tutela, tal avaliação à presença, nos autos, de prova preconstituída, restringindo, assim, o conhecimento judicial e sua capacidade de decisão.

Assim sendo, a simples prova testemunhal (produzida em audiência de justificação), que num processo cautelar de rito ordinário é "suficiente" para gerar a convicção do verossímel no que concerne a concessão da medida cautelar atípica, não tem o condão de gerar essa mesma convicção na esfera da tutela antecipada, porque, quanto à "verossimilhança" do caput do art. 273, a lei exige prova preconstituída dos fatos que compõe a causa de pedir, semelhante a lei e a Constituição Federal de 1988 que exigem "direito líquido e certo" para a concessão do mandado de segurança.

É ponto pacífico na doutrina que a prova preconstituída capaz de gerar a convicção do magistrado no âmbito da tutela antecipada sempre se funda em prova não suficiente para a declaração da existência do direito material. Isto porque o momento processual em que acontece a sua avaliação não permite ao juiz proferir sentença definitiva, uma vez que a avaliação ocorre antes das providências preliminares sem ter acontecido o contraditório.

No entender de Moacyr Amaral dos Santos (1990, p. 331), a prova preconstituída, no sentido amplo, são as provas preparadas preventivamente, tendo em vista um possível uso em futura contenda. No sentido estrito, são as representadas por instrumentos públicos ou particulares que constituem os atos jurídicos.

No mesmo diapasão, segundo Antônio Machado (1999, p.403) a prova inequívoca inclusa no sentido estrito da classificação de Moacyr Amaral dos Santos de prova preconstituída pode ser:

a)instrumentos públicos ou particulares;

b)cartas missivas, registros domésticos e reproduções mecânicas de qualquer tipo (arts. 376 e 383 do CPC);

c)notoriedade de certos fatos alegados (art. 334, inc. I);

d)fatos em cujo favor milita a presunção legal de existência ou veracidade (art. 334, inc. IV).

No sentido amplo da referida classificação de Moacyr Amaral dos Santos, conforme o professor Antônio Machado (1999, p.403-405) a "prova inequívoca" subsumida neste conceito são as seguintes:

a)prova pericial produzida em processo cautelar ( a vistoria ad perpetuam rei memoriam);

b)prova testemunhal reveladora dos fatos alegados na contenda abaixo de dez salários mínimos;

c)a oitiva de testemunhas do art. 804 do CPC, no que concerne à prova da ocorrência do periculum in mora, previsto pelo inciso I do art 273.

Para Gláucia Carvalho Santoro (2000, p. 139) a prova inequívoca e a verossimilhança são os chamados "requisitos positivos" à concessão da tutela antecipada. Deve-se compatibilizar ambos aliando a aparência máxima de que o réu não conseguirá articular contra a tese do autor ao critério de probabilidade máxima de êxito na demanda; seria um "SUPER" fumus boni iuris.

Segundo William Santos Ferreira (2000, p.139) o espectro da tutela antecipada é bem maior que o da tutela cautelar, daí que os requisitos para a concessão da tutela antecipada serem mais rigorosos do que os da tutela cautelar. Nesta fala-se em fumus bonis iuris, ou seja, na aparência, ainda que tênue (nebulosa - fumaça), de que o autor pleiteia (ou pleiteará) na ação principal poderá ser procedente.

Para exemplificar o referido autor cita acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, apenas para destacar o rigor mais necessário na tutela antecipada em comparação com a tutela cautelar, que tratou a combinação entre verossimilhança da alegação e prova inequívoca como "um fumus boni iuris qualificado" (JTJ-Lex 189/193-195). O mesmo ocorreu no acórdão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, do qual extraiu-se a seguinte ementa: "Agravo de Instrumento - Pedido de tutela antecipada - Pressupostos para a concessão. No exame do pedido de tutela antecipada o juiz não averiguará vestígios de bom direito e perigo na demora, o que seria próprio em medida cautelar; será mais que isso, a constatação quase certa do bom direito, a verossimilhança deste..." (AI 609596DF, 2ª Turma Cível, Rel. Des. Getúlio Moraes Oliveira, j. 18.11.1996, v.u., DJDF de 12.03.1997, Seção 3, p. 3744). Esse cuidado também foi tomado no acórdão do 1º Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: "....Percebe-se, pois, que, ao contrário do que ocorre nas medidas cautelares, aqui não basta o fumus boni iuris, exigindo alguma coisa mais, ou seja, aquela verossimilhança amparada na prova inequívoca, a que se refere o texto processual, aquela probabilidade do direito alegado" (AI775.271-4,8ª Câmara, Rel. Juiz Franklin Nogueira, j. 01.01.1998, v.u, Bol. AASP 2.077/751-j).

Complementa William Ferreira (2000, p.140) que para a tutela antecipada não pode o julgador conformar-se com a mera aparência (tênue) : necessita de algo mais, que seria a prova inequívoca combinada à verossimilhança. Se o requisito fosse apenas a verossimilhança, estar-se-ia exigindo apenas o fumus boni iuris.

Conforme lição de Kazuo Watanabe (1996, p.33-34) a fumaça do bom direito cautelar não pode ser confundida com a prova inequívoca nos seguinte termos:

" o juízo de verossimilhança ou de probabilidade, como é sabido, tem vários graus, que vão desde o mais intenso até o mais tênue. O juízo fundado em prova inequívoca, uma prova que convença bastante, que não apresente dubiedade, é seguramente mais intenso que o juízo assentado em simples "fumaça", que somente permite a visualização de mera silhueta, uma medida de salvaguarda, que se contrapõe ao instituto da tutela antecipada para todo e qualquer processo de conhecimento. Bem se percebe, assim, que não se trata de tutela que pode ser concedida prodigamente, como mero juízo baseado "em fumaça do bom direito", como vinha ocorrendo com a ação cautelar inominada."

Para Humberto Theodoro Júnior (1999, p.25) qualquer hipótese de tutela antecipada, do art. 273, caput, do CPC, impõe a observância de dois pressupostos genéricos:

a) "prova inequívoca"; e

b)"verossimilhança da alegação".

Segundo o autor citado anteriormente, o instituto da tutela antecipada é uma medida satisfativa tomada antes de completar-se o debate e instrução da causa, em virtude disso a lei a condiciona a certas precauções de ordem probatória. Mais do que a simples aparência de direito (fumus boni iuris) reclamada para as medidas cautelares, exige a lei que a antecipação de tutela esteja sempre fundada em "prova inequívoca".

Continua o citado autor afirmando que o instituto da tutela antecipada haverá de apoiar-se em prova preexistente, devendo ser clara, evidente, portadora de grau de convencimento tal que a seu respeito não se possa levantar dúvida razoável.

O mestre mineiro afirma que, em outras palavras, é inequívoca a prova capaz, no momento processual, de autorizar uma sentença de mérito favorável à parte que invoca a tutela antecipada, caso a lide pudesse ser julgada de imediato.

Em relação à "verossimilhança da alegação", o professor Humberto assevera que é o juízo de convencimento a ser realizado em torno de todo o quadro fático pretendido pela parte que pretende a antecipação de tutela, não apenas quanto à existência de seu direito subjetivo material, mas também, e, principalmente, no relativo ao perigo de dano e sua irreparabilidade, bem como ao abuso dos atos de defesa e de procrastinação praticados pelo réu.

Complementa Humberto Theodoro Júnior (1999, p.26) que os fundamentos da pretensão da antecipação de tutela devem ser relevantes e apoiados em prova idônea. Como aqueles não podem ser objeto de juízo de convencimento absoluto, são apreciáveis por probabilidade. Contudo, a lei não requer a mera probabilidade, pois em relação ao art. 273 do CPC, exige a verossimilhança a seu respeito, a qual somente se configurará quando a prova apontar para "uma probabilidade muito grande" de que sejam verdadeiras as alegações do litigante.

Luiz Fux (1996, p.305) nos ensina que a tutela da evidência é aquela que hodiernamente se chama de "direito evidente". A expressão está ligada aqueles pedidos requeridos em juízo nos quais o direito da parte revela-se evidente, da mesma forma como o direito líquido e certo que autoriza a concessão do mandamus ou o direito documentado do exeqüente.

Segundo Luiz Fux (1996, p.344) os pressupostos substanciais para a concessão da tutela antecipada são a "evidência" e a "periclitação potencial do direito objeto da ação", sendo processuais a "prova inequívoca conducente à comprovação da verossimilhança da alegação" e o "requerimento da parte".

Assevera o professor Luiz Fux (1996, p.348) que a prova inequívoca é alma gêmea da prova do direito líquido e certo para a concessão do mandado de segurança. Assim, esta constitui prova extreme de dúvidas, aquela cuja produção não deixa ao juízo outro caminho senão a concessão da tutela antecipada. Há de ser prova pré-constituída se o requerente desejar obter a antecipação initio litis.

O juízo de verossimilhança para Luiz Fux (1996, p.349) quando se trata de direito evidente ocorre sem maiores percalços. Quando se trata de direito em estado de periclitação, caberá ao juiz avaliar a prova inequívoca em confronto com a urgência requerida, compondo um juízo de probabilidade que o autorizará a concessão da tutela antecipada. Ressalta o professor carioca, que todo meio de prova moralmente legítimo pode ser usado para a comprovação da verossimilhança da alegação capaz de resultar a antecipação de tutela.

Conforme Luiz Fux (1996, p.337), o instituto da tutela antecipada (tutela satisfativa imediata) compatibiliza-se com o que o autor denominou de tutela de evidência. Explica o professor que em ambos os casos o processo, para cumprir seu desiderato, deve instrumentalizar-se de tal maneira a tornar ligeira e efetiva a proteção pedida. Nesses casos, complementa o mestre carioca, se opera mais do que o fumus boni iuris.

De acordo com a doutrina do professor Teori Albino Zavascki (1997, p. 75-76) a prova inequívoca e a verossimilhança da alegação são pressupostos genéricos, indispensáveis à qualquer das espécies de antecipação da tutela. Nesta exige-se que os fatos, examinados com base na prova já carreada, possam ser tidos como fatos certos. Dizendo de uma outra forma:diferentemente do que ocorre no processo cautelar ( onde há juízo de plausibilidade quanto ao direito e de probabilidade quanto aos fatos alegados), a antecipação da tutela de mérito supõe verossimilhança quanto ao fundamento de direito, que decorre de (relativa) certeza quanto à verdade dos fatos. Sob esta esfera, não há como deixar de equiparar os pressupostos da antecipação da tutela de mérito, do art. 273, com os da liminar em mandado de segurança: em ambos os casos, além da relevância dos fundamentos (de direito), supõe-se provada nos autos a matéria fática. Nessas situações afirma o citado autor que o fumus boni iuris deverá estar, portanto, especialmente qualificado.

Finalmente, Calmon de Passos (1995, p.14) afirma que, a "verossimilhança" proveniente da "prova inequívoca", no caput do art. 273, "é mais do que o fumus boni iuris exigido para a tutela cautelar" e que o juízo de verossimilhança "é juízo de probabilidade mais intenso que o fumus boni iuris do processo cautelar".

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Odilon Capucho Pontes. Tutela antecipada e fumus boni iuris. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 367, 9 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5430. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!