INTRODUÇÃO
A criação do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) representa um dos importantes instrumentos do Novo Código de Processo Civil. Em que pese algumas divergências, há consenso quanto à necessidade de sua criação, sendo assente tal entendimento, haja vista que o referido incidente propiciará o julgamento único de milhares demandas que versem sobre idêntica questão de direito, estabilizará a uniformidade da jurisprudência dos Tribunais Superiores, impedirá injustiças, promoverá o princípio constitucional da duração razoável do processo, afastará a incidência de decisões conflitantes, gerando, consequentemente, a isonomia processual, a segurança jurídica e o acesso à justiça.
A litigiosidade de massa é o que fundamenta o incidente supracitado, pois tem o condão de formar inúmeros processos repetitivos desnecessários que, quase sempre, abarrotam o Poder Judiciário, ocasionando a demora na prestação jurisdicional. Por tais razões, as causas repetitivas, que consistem numa realidade a congestionar as vias judiciais, necessitam de um regime processual próprio, com dogmática específica, que tenha como fim dar-lhes solução prioritária, racional e uniforme. Neste ensejo, a Comissão de juristas incumbida de elaborar o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, se preocupou em zelar pela rápida solução da lide, obter maior efetividade processual, combatendo a morosidade judicial, sem violar os direitos fundamentais.
Assim, o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas trata-se de uma técnica que estabelece uma espécie de cisão na cognição do processo, estabelecendo o julgamento das questões comuns em demandas repetitivas para os juízes de segundo grau, originando uma espécie de “procedimento-modelo”.
A ideologia do Novo CPC busca ultrapassar a mera eficácia das normas instrumentais e atingir a efetividade do processo, nessa esteira o IRDR traz como escopo uniformizar entendimentos e possibilitar a agilidade no julgamento dos processos, uma vez estabelecido o “processo-modelo” pelo segundo grau.
O juízo de primeiro grau, depois de instalado e julgado o incidente, deverá aplicar o padrão decisório estabelecido, mas com competência e legitimidade para atender as peculiaridades de cada caso concreto.
CABIMENTO
De acordo com o art.976, caput, do Novo CPC, cabe o incidente de resolução de demandas repetitivas quando houver simultaneamente a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
A justificativa do incidente ora analisado, como podemos constatar da leitura do art.976, caput, do novo CPC, é o tratamento isonômico de diferentes processos que versam sobre a mesma matéria jurídica, gerando dessa forma segurança jurídica.
A interpretação literal da norma deixa uma dúvida ao prever a repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito, destarte o dispositivo dá a entender que havendo diferentes questões de fato em tais processos, não caberia a instauração do incidente em questão.
Faz-se mister analisar essa realidade com certa flexibilidade, uma vez que, mesmo existindo diversidade de fatos, a questão jurídica pode ser a mesma. Verbi gratia podemos imaginar diferentes remessas de nomes para cadastros de credores por uma causa comum, quando cada autor indicará um fato diferente, pois, cada inclusão é um fato. Contudo, nesse caso, a causa da inclusão nos cadastros de devedor é comum, de forma a ser irrelevante a diversidade dos fatos para a fixação da tese jurídica.
A diversidade de fatos apta a afastar o cabimento do incidente de resolução de demandas repetitivas deve ser aquela suficiente a influenciar a aplicação do direito ao caso concreto, porque, havendo fatos diferentes de origem comum, deve ser cabível o incidente em questão.
LEGITIMIDADE PARA REQUERER A INSTAURAÇÃO DO INCIDENTE
Está prevista no art.977 do Novo CPC a legitimidade para a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas.
O inciso I prevê a legitimidade do juiz ou relator, quando a instauração se dará mediante ofício. Ainda que não esteja prevista expressamente no texto legal, a legitimidade do relator só existirá concretamente quando o processo repetitivo tiver chegado ao tribunal em grau recursal, reexame necessário ou, excepcionalmente, em ações de competência originária que estejam em trâmite perante o tribunal.
Apesar de o incidente ora analisado poder ser instaurado de ofício, o Enunciado 204 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) indica que o juiz, quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, “poderá oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e os demais legitimados a que se refere o art.974, § 3º, II, (atual art.977) para que, querendo, ofereça o incidente de resolução de demandas repetitivas, desde que atendidos os seus respectivos requisitos”.
Também as partes dos processos repetitivos, o Ministério Público e a defensoria Pública, têm legitimidade para a instauração do incidente, de acordo com o inciso III do art.977, do NCPC, quando o incidente será instaurado por meio de petição.
COMPETÊNCIA
De acordo com o projeto de lei aprovado na Câmara havia regra expressa no sentido de o incidente em questão poder ser suscitado perante tribunal de justiça ou tribunal regional federal, deixando claro que a competência para o julgamento do incidente é dos tribunais de segundo grau de jurisdição.
Contudo, essa regra foi suprimida no texto final do Novo CPC aprovado pelo Senado, o que, entretanto, não é o suficiente para mudar a competência dos tribunais de segundo grau. Podemos chegar a essa conclusão pela previsão de cabimento de recurso especial e extraordinário contra a decisão que resolve o incidente (art.987, caput do Novo CPC) e pela previsão de que a suspensão dos processos pendentes se dará nos limites de estado ou na região (art.982, I, do Novo CPC).
Também havia no projeto de lei aprovado pela Câmara expressa previsão de que o incidente somente poderia ser suscitado na pendência de qualquer processo de competência do tribunal. Mais uma vez, exclusão de regra expressa do texto final do Novo CPC não seria apta a mudar tal realidade, o que se pode concluir da previsão contida no art.978, parágrafo único, do Novo CPC, que prevê a competência do órgão julgador do incidente para o julgamento do recurso, remessa necessária ou o processo de competência originária de onde se originou o incidente.
Correto quanto ao tema o Enunciado 343 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “O incidente de resolução de demandas repetitivas compete ao tribunal de justiça ou tribunal regional”.
Apesar de o Novo CPC não ter previsto a competência interna dos tribunais para o julgamento do incidente, criou-se uma regra que condiciona a escolha a ser feita pelos regimentos internos. Destarte, o caput do art. 978, prevê que o órgão indicado deve ser escolhido pelo regimento dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.
Referente à competência interna do tribunal para o julgamento do incidente supracitado, o projeto de lei aprovado pela câmara ainda prevê que a competência caberia ao plenário ou ao órgão especial do tribunal, no julgamento do incidente, caso a questão a ser resolvida envolvesse inconstitucionalidade de norma. A norma foi suprimida do texto final do NCPC pelo Senado porque, diante da exigência constitucional da reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade pelo tribunal (art.97, CF), era mesmo desnecessária.
Os tribunais de superposição não têm competência para julgar originariamente o incidente de resolução de demandas repetitivas, mas poderão participar do julgamento em grau recursal e proferir decisão determinando a suspensão de todos os processos em tramite no território nacional, como será visto no momento adequado.