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Era uma vez: a reforma tributária no Brasil (Parte 1)

Agenda 11/01/2017 às 16:49

Esta série de artigos irá buscar demonstrar como o sistema tributário brasileiro pode ser simplificado. Neste primeiro artigo, iremos tratar dos diferentes regimes de tributação a que estão submetidas às pessoas jurídicas brasileiras.

O tema Reforma Tributária volta e meia surge no noticiário nacional. Não a toa, conforme levantamento feito em dissertação de Mestrado, apenas um dos presidentes eleitos após 1988 não apresentou nenhuma proposta de reforma tributária. Muito já se discutiu sobre o tema sem que se concluísse por inteiro quaisquer das propostas apresentadas pelo Poder Executivo. No apagar das luzes de 2016, o Presidente Michel Temer afirmou que neste ano de 2017 apresentaria nova proposta de reforma tributária. De acordo com as palavras do Presidente, “o Executivo quer se empenhar na reforma tributária, de forma a simplificá-la”. Sendo o objetivo da Reforma Tributária a simplificação do sistema, esta série de artigos irá buscar demonstrar como o sistema tributário brasileiro pode ser simplificado. Neste primeiro artigo, iremos tratar dos diferentes regimes de tributação a que estão submetidas às pessoas jurídicas brasileiras. No próximo artigo trataremos dos impostos e contribuições sociais cobrados pelos entes tributantes e do sistema tributário nacional em si, buscando demonstrar os caminhos da reforma tributária. No último artigo, trataremos da equidade, característica essencial de um sistema tributário, que deve ser buscada em toda e qualquer reforma tributária (principalmente em nosso país). Mas antes de tudo, temos que falar um pouco sobre a Simplicidade.

Joseph Stiglitz, em sua obra “Economics of the Public Sector”[1], elenca a “simplicidade administrativa”, como uma das características ideais de um sistema tributário[2]. De acordo com Stiglitz, a simplicidade administrativa de um sistema tributário se refere tanto ao governo, com relação aos gastos estatais voltados à manutenção da estrutura arrecadadora, quanto ao contribuinte, no que se refere também à manutenção pelas empresas de toda uma estrutura voltada para a apuração e pagamento de tributos e o cumprimento das obrigações acessórias.

Muito antes de Stiglitz elencar as características de um sistema tributário ideal, Adam Smith em sua obra “A Riqueza das Nações”[3] também elencava as características de um sistema tributário ideal. De acordo com o referido autor, as seguintes características deveriam ser observadas por qualquer sistema tributário: a) a capacidade contributiva dos cidadãos; b) regras para a fixação dos impostos, evitando-se arbitrariedades; c) facilidades para os contribuintes; d) baixo custo do sistema arrecadador; e) eficiência econômica.

Embora não mencionasse explicitamente a simplicidade dentre as características de um sistema tributário ideal, o ideal por trás da simplicidade administrativa encontrado na obra de Stiglitz pode ser encontrado na quarta característica elencada por Adam Smith como regra a ser respeitada por todos os sistemas tributários, qual seja, o “baixo custo do sistema arrecadador”.

De acordo com Adam Smith: “Toda taxa deveria ser elaborada de maneira a tirar e manter fora do bolso do povo o mínimo possível além do que traz ao tesouro público do Estado”[4]. Adam Smith observava que os tributos não poderiam ter um alto custo de arrecadação, nem poderiam ter alto custo para os contribuintes, de forma a desestimular a atividade econômica.

Pois bem. Iniciemos então a análise dos diferentes regimes de tributação à disposição das empresas brasileiras, sob a ótica da “simplicidade”.

Três regimes tributários distintos estão à disposição das empresas brasileiras, quais sejam, Simples Nacional, Lucro Presumido e o Lucro Real.

Segundo dados da Receita Federal do Brasil do ano de 2012, 3% das empresas do país eram optantes pelo Lucro Real; 20,8% optantes pelo Lucro Presumido e 70,5% das empresas do país são optantes pelo Simples Nacional (o restante são pessoas jurídicas imunes ou isentas)[5].

Mais da metade das pessoas jurídicas existentes no país são optantes pelo regime de arrecadação conhecido como Simples Nacional. O referido regime foi instituído pela Lei Complementar nº 123, de 2006, buscando conceder às microempresas e empresas de pequeno porte tratamento diferenciado e favorecido no tocante à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação.

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O regime tributário do Simples Nacional, instituído em 2006, com vigência a partir do ano de 2007, têm sido alvo de sucessivas alterações e modificações em sua estrutura. A mais recente foi efetuada pela Lei Complementar nº 155, de 2016. Após a referida alteração, poderão optar pelo Simples Nacional as empresas de pequeno porte cujo faturamento bruto anual não ultrapasse o montante de R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). O teto anterior era de R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).

Acontece que, de acordo com a alteração efetuada pela Lei Complementar nº 155, de 2016, para fins de incidência do ISS e do ICMS, o teto do Simples Nacional continua sendo de R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), ou seja, as empresas optantes pelo Simples Nacional que ultrapassarem o referido teto deverão recolher o ISS e o ICMS sob o regime comum de apuração e não mais sob o regime do Simples Nacional (algo que já acontecia em alguns estados da federação). Confuso, não é?

Além disso, a apuração dos tributos sob o regime do Simples Nacional também sofreram alterações. Anteriormente, os tributos devidos pelas empresas optantes pelo referido regime era calculadas em razão do faturamento bruto acumulado nos últimos 12 meses. Com a promulgação da Lei Complementar nº 155, de 2016, o cálculo dos tributos devidos deverá ser feito a partir de uma equação que leva em conta a receita bruta acumulada nos últimos doze meses, a alíquota nominal e a parcela dedutível. Assim, o Simples Nacional, regime que nunca teve a simplicidade como ponto forte, ganha mais complexidade.

De acordo com os dados da Receita Federal do Brasil do ano de 2012, as empresas do Simples Nacional respondiam por aproximadamente 5% do total arrecadado pela União Federal (ou seja, há muita complexidade, para uma arrecadação pouco representativa)[6].

Abaixo do Simples Nacional se encontra o regime do Lucro Presumido, regime o qual cerca de 20,8% das empresas do país são optantes[7]. Como o próprio nome diz, a principal característica deste regime é que, independentemente do resultado auferido pelas pessoas jurídicas (lucro ou prejuízo), determinado percentual do faturamento destas é presumido como lucro.

Assim como o Simples Nacional, o regime do Lucro Presumido também sofre com os diversos percentuais de presunção para distintas atividades, bem como em razão da diversidade de alíquotas para os tributos incidentes em cada uma das suas atividades.

Contudo, embora passível de críticas, a apuração de tributos sob o regime do Lucro Presumido talvez seja o que temos de mais próximo de um regime realmente simplificado de tributação.

Por fim, apenas 3% das empresas do país são tributadas pelo regime tributário denominado Lucro Real. De acordo com os dados da Receita Federal do Brasil relativos ao ano de 2012, as empresas tributadas pelo Lucro Real (3% das empresas do país) respondiam por aproximadamente 80% da arrecadação federal[8].

Atualmente, as empresas que possuem faturamento bruto anual acima de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) estão obrigadas à apuração de seus tributos através do Lucro Real. As instituições financeiras e as empresas que tiverem lucros oriundos do exterior são algumas das pessoas jurídicas também obrigadas à apuração de tributos com base no Lucro Real.

Dentre todos os regimes tributários citados, o Lucro Real trata-se do regime de tributação mais complexo existente no país. As incertezas no tocante ao próprio regime em si e as indefinições relacionadas às adições e exclusões, às despesas dedutíveis e não dedutíveis e às receitas tributáveis e não tributáveis são apenas a ponta do iceberg quando se trata da complexidade do referido regime.

O fato de as empresas sujeitas a tal regime responderem por aproximadamente 80% da arrecadação federal, por si só, já se mostra como suficiente para afirmarmos que este regime deveria ser mais simplificado. Tendo em vista a o enorme fluxo de recursos carreados por estas empresas aos cofres públicos, nada justifica o fato destas empresas despenderem horas de trabalho apurando corretamente os seus tributos, desperdiçando valiosos recursos que poderiam ser revertidos em mais empregos e renda, tanto para a população como para o estado. Não nos podemos esquecer que o Brasil é o campeão mundial em horas gastas para o cumprimento de obrigações acessórias junto ao governo[9] e a complexidade de todos os regimes tributários acima citados, principalmente a do Lucro Real, possuem uma grande responsabilidade para o Brasil ocupar o primeiro lugar desta péssima estatística.

Conforme visto acima, a simplicidade, de acordo com Joseph Stiglitz, trata-se de uma característica ideal de todo e qualquer sistema tributário. Antes de Stiglitz, contudo, em 1776, Adam Smith elencava como características de um sistema tributário ideal o “baixo custo do sistema arrecadador”. No final de 2016, ou seja, duzentos e quarenta anos após Adam Smith preconizar que os sistemas tributários deveriam ser simples, ainda não possuímos um sistema tributário simples em nosso país. Aliás, conforme visto acima, a complexidade (antônimo de simplicidade) pode ser elencada como uma característica típica de nosso sistema tributário, tanto para as pequenas empresas (Simples Nacional) como para as grandes empresas (Lucro real).

Devemos lembrar, por fim, que quanto mais simples forem as normas tributárias, quanto mais claras forem as regras, menos dúvidas terão os contribuintes, menos interpretações fantásticas surgirão, menos caminhos para a sonegação serão possíveis e menos custos serão suportados por eventual fiscalização.

Assim, aguardamos ansiosamente pela simplificação do nosso sistema tributário. Não podemos esperar mais duzentos e quarenta anos.


[1] STIGLITZ, Joseph E. Economics of the Public Sector. 3rd ed., New York/London: W.W. Norton & Company.

[2] O referido autor elenca as seguintes características de um sistema tributário ideal: a) eficiência econômica; b) simplicidade administrativa; c) flexibilidade; d) responsabilidade política; e) justiça como equidade.

[3] Smith, Adam. A Riqueza das Nações. Edições Ediouro. 1986.

[4] Idem.

[5]  RABELLO, Gabriel Gouvêa. OLIVEIRA, João Maria. Tributação sobre Empresas no Brasil: Comparação Internacional. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/5714/1/Radar_n41_tributa%C3%A7%C3%A3o.pdf.

[6] Idem.

[7] Idem.

[8] Idem.

[9] http://economia.uol.com.br/empreendedorismo/colunistas/2012/07/26/empresas-brasileiras-tem-o-maior-numero-de-obrigacoes-acessorias.htm

Sobre o autor
Lucas Siqueira dos Santos

Advogado e Contador. Especialista em Direito Constitucional Tributário pela PUC/SP. Especialista em Direito Empresarial pelo IICS. Mestre em Direito Tributário pela FGV/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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