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Uso legal e progressivo da força na atividade policial

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Agenda 19/01/2017 às 14:20

Zelar pela segurança pública é dever da polícia, como também o é zelar pelo direito do cidadão de ir e vir e pela integridade física e moral, liberdades públicas estas garantidas pela Constituição da República e consideradas como limites à atuação do poder mencionado.

INTRODUÇÃO

Em nossa sociedade, para condicionar o uso e o gozo dos bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade e do próprio Estado, os agentes encarregados de aplicar a lei podem recorrer ao atributo administrativo da coercibilidade, diante do seu entendimento da conveniência e oportunidade de agir, independente de ordem judicial. Entre esses agentes, estão incluídos principalmente aqueles ligados à segurança pública, uma vez que estes portam a permissão para o uso da força e das armas, o que lhe confere natural e destacada autoridade para a pacificação social. A este poder, denomina-se Poder de Polícia.

Para o âmbito da presente pesquisa, adaptando o conceito utilizado por Wilquerson Felizardo Sandes (2007b, p. 2), poder de polícia é a imposição coativa aos cidadãos das medidas adotadas pelo Estado, de modo a buscar a preservação da ordem pública, admitindo-se o uso da força pela polícia quando aqueles opuserem resistência ao devido cumprimento da ordem, inclusive aplicando as medidas punitivas previstas em lei. Assim, a polícia intervém com violência legítima, quando um cidadão usa a violência para atacar outros cidadãos, de forma a garantir a tranqüilidade.

Todavia, é sabido que tal poder não é ilimitado. Ora, zelar pela segurança pública é dever da polícia, como também o é zelar pelo direito do cidadão de ir e vir e pela integridade física e moral, liberdades públicas estas garantidas pela Constituição da República e consideradas como limites à atuação do poder mencionado, o que torna forçoso concluir que o policial só pode empregar a força quando estritamente necessário e na medida certa ao cumprimento de seu dever.

A dúvida é quando e como usar a força policial em nome da proteção da coletividade, a fim de evitar que tal poder-dever se torne arbitrário e desviado, questões estas que vem sendo estudadas por especialistas e instituições policiais, os quais se preocupam em traçar protocolos de atuação e treinar seus componentes para atuarem de acordo com normas de Direitos Humanos.

O objetivo geral do presente estudo é explicar o Uso Legal da Força, mencionar as legislações nacionais e internacionais que justificam sua utilização e contextualizar a doutrina do Uso da Força na atividade policial.

O objetivo específico é apresentar, aos policias, posturas adequadas de como fazer o uso da força, aplicando-a de modo eficaz, sem romper com princípios éticos de legalidade, necessidade, proporcionalidade e conveniência na ação. Da mesma maneira, é proporcionar uma visão geral sobre as técnicas do Uso Progressivo da Força pela polícia, demonstrando que uma crise na qual se exija a atuação policial pode ser contida de maneira eficaz, sem ter a necessidade da utilização de meios letais.

A escolha do tema se justifica pela necessidade de divulgar o Uso Legal da Força pela Polícia e de uniformizar os procedimentos de atuação, na medida em que o aprendizado e o correto uso da força pelo policial o eximem de uma posterior responsabilização pelo excesso ou abuso cometido. Este estudo não tem a pretensão de esgotar o tema, mas sim estimular o policial a aprender a doutrina do Uso Progressivo da Força e demonstrar ao público que o Uso Legal da Força pela polícia não se confunde com arbitrariedade.

O presente trabalho se caracteriza pelo tipo de pesquisa teórica, considerando a área da ciência, uma vez que a sua elaboração foi embasada em livros, documentos e legislações.

Trata-se de pesquisa exploratória, pois o levantamento de dados foi realizado por meio de pesquisa documental, legislativa e pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica deu-se por meio da coleta de material já elaborado e publicado sobre o tema da pesquisa. A busca foi suplementada por pesquisa em revistas científicas, artigos e legislações relacionadas com o uso da força na atividade policial, além do exame das referências bibliográficas dos artigos selecionados. A forma de abordagem foi a qualitativa, eis que essencialmente descritiva.


1. LEGISLAÇÃO SOBRE O TEMA

No Brasil, não existe uma lei específica que detalha os procedimentos de uso da força pela polícia, com regras a serem seguidas quando da formação e treinamento do policial. Há, sim, aspectos gerais que legitimam a força policial, conforme previsão do art. 23. do Código Penal – CP (BRASIL, 1940):

Código Penal

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.

O próprio Código Penal, em seus artigos 24 e 25, fornece os conceitos da legítima defesa e do estado de necessidade, descritos a seguir (BRASIL, 1940):

Código Penal

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

Quanto ao estrito cumprimento do dever legal, os agentes públicos, no desempenho de suas atividades, devem agir interferindo na esfera privada dos cidadãos, exatamente para assegurar o cumprimento da lei. Essa intervenção redunda em agressão a bens jurídicos como a liberdade, o patrimônio, a vida, tudo dentro de limites aceitáveis. Já, o exercício regular de direito compreende ações da polícia autorizadas pela existência de direito definido em lei e condicionadas a regularidades do exercício desse direito.

Em todos os casos citados, o emprego da força é justificado na medida em que é aplicado com o objetivo de proteger o próprio agente ou um terceiro, ou como requisito básico para cumprir sua função de aplicação da lei. São consideradas causas de exclusão da antijuridicidade. Portanto, configurada qualquer dessas hipóteses, é atestada a inexistência de crime, como prevê o art. 23. do CP. Ou seja, o agente que age acobertado pelas referidas justificantes pratica um fato típico, porém lícito.

Essas considerações também valem para as previsões dos mesmos institutos no Código Penal Militar (BRASIL, 1969), a saber:

Exclusão de crime

Art. 42. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento do dever legal;

IV – em exercício regular de direito.

O Código de Processo Penal (BRASIL, 1941), no Título Prisão e Liberdade Provisória, prevê o emprego da força no título caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso, bem como durante o cumprimento do mandado em residência, autorizando o uso dos meios necessários para prevê o uso dos meios necessário para vencer a resistência. A seguir:

Código de Processo Penal

Art. 284. Não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso.

[...]

Art. 292. Se houver, ainda que por terceiros, resistência à prisão em flagrante ou à determinada por autoridade competente, o executor e as pessoas que o auxiliarem poderão usar dos meios necessários para defender-se ou para vencer a resistência, do que tudo se lavrará auto subscrito também por duas testemunhas.

Art. 293. Se o executor do mandado verificar, com segurança, que o réu entrou ou se encontra em alguma casa, o morador será intimado a entregá-lo, à vista da ordem de prisão. Se não for obedecido imediatamente, o executor convocará duas testemunhas e, sendo dia, entrará à força na casa, arrombando as portas, se preciso; sendo noite, o executor, depois da intimação ao morador, se não for atendido, fará guardar todas as saídas, tornando a casa incomunicável, e logo que amanheça, arrombará as portas e efetuará a prisão.

Por fim, no Código de Processo Penal Militar (BRASIL, 1969), também há autorização do uso da força por parte da polícia sem, todavia, tecer detalhes dos procedimentos de como essa força será empregada.

Código de Processo Penal Militar

Captura em domicílio

Art. 231. Se o executor verificar que o capturado se encontra em alguma casa, ordenará ao dono dela que o entregue, exibindo-lhe o mandado de prisão.

Parágrafo único. Se o executor não tiver certeza da presença do capturado na casa poderá proceder a busca, para a qual, entretanto, será necessária a expedição do respectivo mandado, a menos que seja a própria autoridade competente para expedi-la.

Caso de busca

Art. 232. Se não for atendido, o executor convocará duas testemunhas e procederá da seguinte forma: sendo dia, entrará à força na casa, arrombando-lhe a porta, se necessário; sendo noite, fará guardar todas as saídas tornando a casa incomunicável, e, logo que amanheça, arrombar-lhe-á a porta e efetuará a prisão.

Emprego de força

[...]

Art. 234. O emprego da força só é permitido quando indispensável, no caso de desobediência, resistência ou tentativa de fuga. Se houver resistência da parte de terceiros, poderão ser usados os meios necessários para vencê-la ou para defesa do executor e seus auxiliares, inclusive a prisão do defensor. De tudo se lavrará auto subscrito pelo executor e por duas testemunhas.

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No âmbito internacional, o documento mais importante é o Código de Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei – CCEAL (ONU, 1979), adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em sua resolução n. 34/169 de 17 de dezembro de 1979. Trata-se de oito artigos descrevendo limitações principalmente à atuação de policiais.

Outro documento internacional de extrema importância são os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo – PBUFAF (ONU, 1990), adotados no Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Infratores, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 07 de setembro de 1990, com o objetivo de proporcionar normas orientadoras aos Estados-membros na tarefa de assegurar e promover o papel adequado dos encarregados da aplicação da lei.

Em seu preâmbulo, o documento originado no mencionado Congresso recomenda que se adotem medidas no plano nacional, regional e internacional a respeito dos Princípios Básicos e sua aplicação, levando em conta as circunstâncias políticas, econômicas, sociais e culturais e as tradições de cada país. Estabelece ainda o reconhecimento da importância e da complexidade do trabalho dos encarregados da aplicação da lei, reconhecendo também seu papel de vital importância na proteção da vida, liberdade e segurança de todas as pessoas. Ênfase é dada em especial à eminência da manutenção da ordem pública e paz social, assim como à importância das qualificações, treinamento e conduta dos encarregados da aplicação da lei (ROVER, 2005, p. 296).

Apesar de simples, as previsões dos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo – PBUFAF e do Código de Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei – CCEAL ainda têm dificuldades de implementação na polícia brasileira, devido à carência de legislação vinculante. Atualmente, no Brasil, as normas relacionadas ao Uso da Força pelos encarregados da aplicação da lei, estabelecidas de acordo com as doutrinas internacionais de Direitos Humanos, possuem caráter apenas consultivo para a elaboração do conteúdo afeto ao assunto no país, por meio de manuais de procedimento das polícias, cujas orientações de procedimentos não são contempladas em legislação nacional (CONSEG, 2009, p. 26).


2. USO LEGAL DA FORÇA PELA POLÍCIA

Força pode ser definida como toda intervenção compulsória sobre o indivíduo ou grupo de indivíduos, reduzindo ou eliminando sua capacidade de autodecisão (SENASP, 2006).

O debate acerca dos limites do uso da força pelas organizações policiais tem se tornado cada dia mais intenso, por conta das polêmicas sobre a eficiência das soluções policiais oferecidas à população. O aumento da presença policial costuma ser a resposta para o problema, acompanhada de reivindicações por mais armamentos (e cada vez mais letais), mais viaturas e aumento da intensidade das respostas policiais à criminalidade, o que acaba por relegar o treinamento tático e técnico a segundo plano. Para o profissional de segurança pública, que precisa fazer escolhas de caráter irrevogável em tempo real, deter somente os recursos materiais para a ação não resolve as questões relacionadas à tomada de decisão policial. Ao fazer uso da força, o policial deve ter conhecimento da lei, deve estar preparado tecnicamente, por meio de formação e treinamento, bem como ter princípios éticos que possam nortear sua ação (CONSEG, 2009, p. 12).

As palavras-chave na aplicação da lei serão negociação, mediação, persuasão, resolução de conflitos. Contudo, os objetivos da legítima aplicação da lei não serão sempre atingidos pelos meios da comunicação, abrindo a opção aos encarregados da aplicação da lei para decidirem usar a força (ROVER, 2005, p. 293).

O Código de Conduta dos Encarregados de Aplicação da Lei trata diretamente do uso da força pela polícia, em seu artigo 3º, quando estipula que os encarregados de aplicação da lei só podem empregar a força se for estritamente necessário, na medida exigida para o cumprimento do seu dever (ONU, 1979).

Nesse mesmo sentido, o Quinto Princípio dos PBUFAF afirma que o policial deve ser moderado no uso da força e arma de fogo e agir proporcionalmente à gravidade do delito cometido e o objetivo legítimo a ser alcançado (ONU, 1990).

Nota-se que os dispositivos nada mais tratam que os princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade e conveniência, quando do uso da força pela polícia. Juliano José Trant de Miranda (2009) os explica assim:

  • Legalidade. O policial em ação deve buscar amparar legalmente sua ação (legítima defesa, Estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito, Estado de necessidade), devendo ter conhecimento da lei e estar preparado tecnicamente, através da sua formação e do treinamento recebidos.

  • Necessidade. O policial, antes de usar a força, precisa identificar o objetivo a ser atingido. A ação atende aos limites considerados mínimos para que se torne justa e legal sua intervenção, a partir dos parâmetros julga a necessidade.

  • Proporcionalidade. O policial deve avaliar o momento exato de cessar a reação que foi gerada por injusta agressão, ou seja, a força legal deve ser proporcional a injusta agressão, o que passa dessa medida pode ser considerado abuso de autoridade.

  • Conveniência. Esse princípio está diretamente condicionado ao local e momento da intervenção, devendo o policial observar se sua ação gera riscos a terceiros que nada têm a ver com a injusta agressão, ou seja, existe mais risco do que benefício, ainda que fosse legal, necessários e a intenção fosse proporcional.

Vale ressaltar, sempre que o policial fizer uma intervenção com o uso da força, deve ter como prioridade, em primeiro lugar a segurança do público, em segunda a sua segurança e depois a segurança do indivíduo suspeito ou infrator, nessa ordem. Essa ordem de prioridade é explicada na medida em que o policial, pela sua própria condição, é pago e treinado para aceitar os riscos, bem como que o público não pode ser exposto ao perigo (SENASP, 2006).

Assim, a força deve ser empregada de forma moderada, proporcional à gravidade da violação identificada e com intensidade estritamente necessária ao atendimento do objetivo legal que deve ser atingido. Qualquer desvio ou abuso, reprovados pela não observância dos limites legais, será considerado uso excessivo da força, truculência e arbitrariedade, o que certamente leva à descrença nas instituições que deveriam respeitar estes limites e a responsabilização pelo excesso.


3. USO PROGRESSIVO DA FORÇA

Uso progressivo da força é a expressão utilizada para determinar, regular e disciplinar o dever legal do uso da força, atribuído ao Estado por meio da força policial. Consiste num processo de avaliação prévia do policial em relação ao indivíduo suspeito ou infrator, passando pela seleção adequada de opções de força pelo policial, em resposta ao nível de submissão daquele indivíduo, findando na resposta do policial (SENASP, 2006).

Essas alternativas de controlar e direcionar o suspeito – que vão desde a simples presença policial até a utilização de força letal – compõem os níveis do uso progressivo da força, a serem utilizados de acordo com o risco enfrentado pelo policial. Num caso concreto, o agressor será o "start" da seleção que o policial deve fazer para usar e decidir que nível de força vai usar naquele contexto de confrontação (MIRANDA, 2009).

O conjunto dos níveis de uso da força utilizados pelo policial, juntamente com o conjunto dos níveis de submissão do agressor compõe os chamados “Modelos de Utilização do Uso Progressivo da Força”, que são espécies de protocolos, criados justamente para orientar o policial sobre a ação a ser tomada a partir das reações da pessoa que está naquele momento transgredindo a lei, ou simplesmente em atitude suspeita. Atualmente, existem inúmeros modelos espalhados pelo mundo, utilizados de acordo com a realidade com a qual a força policial respectiva lida. A Secretaria Nacional de Segurança Pública apresenta alguns modelos de uso progressivo da força em seu curso sobre o tema: FLETC, GILLESPIE e REMSBERG, PHOENIX, NASHVILLE e CANADENSE. Os modelos variam no formato (gráficos, círculos, tabelas) e no nível de força, avaliação da atitude do suspeito e percepção de risco (SENASP, 2006).

Segundo Wilquerson Felizardo Sandes (2007a, p. 42), no Brasil o modelo mais utilizado é o FLETC adaptado. O modelo foi desenvolvido em 1992 nos Estados Unidos, pelo Instituto de Treinamento Policial da Universidade de Ilinois, consistente numa pirâmide de uso de força crescente, chamada de "Modelo de Uso de Força" adotado nos cursos policiais. Envolve a percepção do policial quanto ao agressor em cinco níveis: submissão à ordem, resistência passiva, resistência ativa, agressão física não letal, e agressão física-letal. Para cada grau corresponde a ação de resposta do policial contra o suspeito na mesma ordem: verbalização, contato físico, imobilização, força não-letal e força letal (SANDES, 2007b, p. 2)

Segue uma adaptação do modelo FLETC, de uso progressivo da força (SANDES, 2007a, p. 92):

  • Nível 1 – Presença: presença física do policial como atitude preventiva que visa a inibir comportamento incomum ou inadequado.

  • Nível 2 – Verbalização: através do diálogo o policial interpela o cidadão em conduta inconveniente, buscando a mudança de atitude a fim de evitar o afloramento de infração. A mudança de comportamento encerra a ação do policial.

  • Nível 3 – Contato físico: em caso da verbalização não surtir o efeito desejado frente a uma conduta inconveniente, como medida de cautela e como demonstração de força para dissuadir e desencorajar a ação, o policial verbaliza realizando contato físico (toque no ombro). A mudança de comportamento encerra a ação do policial.

  • Nível 4 – Imobilização: em caso de resistência física ao se efetuar uma condução coercitiva. Caracterizada geralmente pela recusa no cumprimento de ordem legal, agressão não física ou tentativa de fuga. Para chegar a este nível, devem ser esgotados os níveis anteriores.

  • Nível 5 – Força não letal: em caso de resistência ativa ao se efetuar uma condução coercitiva. Caracterizada geralmente pela agressão física contra o policial ou terceiros. É admissível que o policial empregue força física, sempre sem violência arbitrária ou abuso de poder. A verbalização deve ser mantida sempre no sentido de desencorajar o comportamento do agressor.

  • Nível 6 – Força letal: só se justifica no caso de legítima defesa e preferencialmente no estrito cumprimento do dever legal em inevitável risco de vida do policial ou de terceiros frente a uma ação deliberada do infrator. A verbalização deve se mantida sempre no sentido de desencorajar o comportamento do agressor.

A Secretaria Nacional de Segurança Pública também traz um modelo básico de uso progressivo da força, com níveis simplificados baseados na intensidade do comportamento do agressor, resumidos a seguir (SENASP, 2006):

Tem-se daí que a utilização das forças passa por um sistema de uso progressivo, o que preserva de maneira efetiva os princípios constitucionais e as garantias legais do cidadão. Todo este processo de escalonamento do uso da força deve ser apropriadamente treinado, de forma que nas diversas situações, principalmente aquelas com reduzido tempo para avaliar e decidir, as escolhas sejam produtos de um mínimo de ponderação.

O uso da força em um nível abaixo do necessário poderá expor o policial ou outros a perigo; e um nível acima do necessário poderá ser considerado abuso de poder. Por isso, uma avaliação correta do nível de força é muito importante para o atingimento dos objetivos legítimos do uso da força. Ainda mais diante da existência de variáveis que influenciam no nível da força aplicada, como o número de policiais envolvidos, idade e sexo dos suspeitos, habilidade técnica em defesa pessoal dos policiais envolvidos, etc.

Não há um modelo de uso progressivo da força considerado melhor que outro, mas, sim, aquele modelo mais apropriado e eficiente para determinada realidade cultural, social e política de um país ou localidade.

O importante é adotar um desses modelos pela instituição policial, pois orientará seus policiais no cotidiano operacional, dando-lhes um parâmetro sobre quando, onde, como e porque fazer uso da força. Além do mais, servirá como um bom fundamento para avaliação e acompanhamento do processo por parte da organização policial, facilitando o treinamento, supervisão e a revisão sobre o assunto.

3.1. Uso progressivo da força x uso seletivo da força

Apenas a título de aprendizado, há quem sustente a impropriedade da terminologia utilizada: uso progressivo da força, ao argumento de que a palavra "progressivo" (que avança lentamente, mas sem parar) levaria ao sentido da evolução do uso da força, passando por todos seus níveis e intensidades de forma obrigatória, independente do nível da agressão apresentada pelo suspeito. O mais correto seria utilizar a expressão “uso seletivo da força”, entendido como a adequação do meio a ser utilizado pelo policial na contra reação ao nível de agressão oferecida pelo suspeito, podendo ocorrer a verbalização ou até o uso letal da força sem escalonamento, já num primeiro momento (MIRANDA, 2009).

Realmente, razão cabe a esta diferenciação. O uso da força na solução de conflitos por meio da intervenção policial ocorre de forma gradativa, devendo obedecer aos preceitos da legalidade, proporcionalidade, necessidade e conveniência. Contudo, não quer dizer que seja a progressão o único caminho a ser percorrido. Por exemplo, se o suspeito obedecer ao estado de cooperação inicial requerida pelo policial, o uso da força não irá aumentar, podendo ser mantido o mesmo nível de força usada ou até mesmo retroceder (CONSEG, 2009, p. 28).

Da mesma maneira, pode ocorrer que o uso da força letal seja utilizado pelo policial, sem haver chance de usar a verbalização. Neste contexto, a palavra “progressivo”, associada ao uso da força, induz a uma interpretação equivocada da expressão, apontando para um processo de aumento obrigatório do uso da força, até que seja alcançado o nível extremo (letal). Avaliando dentro destes princípios, "uso seletivo da força" seria a termologia mais adequada para o policial.

3.2. Uso letal da força

O uso letal da força pelos encarregados da aplicação da lei deve ser entendido com mais excepcionalidade ainda que o simples uso da força, haja vista que o resultado pode atentar contra o bem maior do ser humano: a vida.

É resultante de um processo de tomada de decisões, que evoluiu gradativamente dos níveis mais brandos de uso da força, após esgotadas todas as demais alternativas técnicas e táticas do uso da força não letal ou quando o policial se depara com uma situação em que percebe a ação agressiva letal imediata por parte do violador da lei (CONSEG, 2009, p. 54).

O uso da arma de fogo encontra fundamento no Princípio Básico n. 09. (ONU, 1990), que preceitua que os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem fazer uso daqueles meios contra pessoas, salvo em casos de legítima defesa; contra ameaça de morte ou ferimento grave; para impedir a perpetração de crime que envolva séria ameaça à vida; para efetuar a prisão de alguém que represente tal risco e resista à autoridade; ou para impedir a fuga de tal indivíduo, e isso apenas nos casos em que outros meios menos extremados revelem-se insuficientes para atingir tais objetivos.

Ainda, explica o Princípio Básico n. 10. que, as circunstâncias referidas no princípio n. 09, os policiais devem identificar-se como tal e fazer uma advertência clara da sua intenção de utilizarem armas de fogo, deixando um prazo suficiente para que o aviso possa ser respeitado, exceto se esse modo de proceder colocar indevidamente em risco a segurança daqueles responsáveis, implicar um perigo de morte ou lesão grave para outras pessoas ou se mostrar manifestamente inadequado ou inútil, tendo em conta as circunstâncias do caso (ONU, 1990).

Como se percebe, o uso letal intencional de armas de fogo só poderá ser feito quando estritamente inevitável à proteção da vida. Decidir pelo uso da força letal significa ter avaliado que a vida de pessoas, ou do próprio operador, encontra-se em risco de morte.

Concluindo o tema, vale transcrever trecho de Rover (2005, p. 301), sobre o tema:

Justifica-se a conclusão de que o uso da arma de fogo seja visto como último recurso. Os riscos envolvidos no uso da arma de fogo em termos de morte, assim como de não apresentar nenhuma opção real após seu uso, transforma-a na última barreira na elevação dos riscos de uma situação a ser resolvida. Pois que outros meios os encarregados da aplicação da lei empregarão se o uso da arma de fogo deixa de assegurar que os objetivos da aplicação de lei sejam realmente atingidos?

A atenção dos encarregados da aplicação da lei não deve estar voltada para a próxima opção disponível que aponta para o uso da força e armas de fogo, mas sim para meios e estratégias que possam levar ao arrefecimento de uma situação a ser resolvida. A preferência recai novamente na comunicação e não na confrontação.

3.3. Armas não letais

Apesar das orientações referentes ao uso da arma de fogo, há ocasiões em que os encarregados da aplicação da lei utilizam-na de maneira incorreta, ou por falta de preparo psicológico ou falta de treinamento técnico ou por ausência de outras opções disponíveis no caso concreto. Diante disso, a sociedade civil e os organismos de proteção aos direitos humanos começaram a discutir quanto à verdadeira necessidade da utilização de armamentos letais no combate, surgindo daí as tecnologias não letais, aperfeiçoadas ao longo dos últimos anos e cada vez com melhores resultados, pois vem se obtendo a efetivação do resultado com a preservação máxima do bem maior, que é a vida.

Uma arma não letal é um instrumento desenvolvido com o objetivo de provocar situações extremas às pessoas atingidas, a ponto de interromperem um comportamento violento, mas de forma que tal interrupção não provoque riscos à vida, em condições normais de utilização.

Estas armas já são usadas por órgãos policiais de vários países, principalmente em situações envolvendo suspeitos armados, controle de manifestações, rebeliões prisionais, etc. O objetivo é criar um espaço de tempo suficiente para que o policial possa algemar o criminoso, levá-lo preso ou solicitar apoio, caso necessite.

Como exemplo, pode-se citar o TASER, uma pistola que lança dardos conectados a fiação da arma, emissores de descargas elétricas, conhecidas como ondas T (“TWaves”), que paralisam o criminoso, pois interrompem a comunicação do cérebro com o corpo. Um microchip registra todas as ocasiões em que a arma é testada ou disparada, evitando, assim, o uso criminoso. O tempo de paralisação fica a critério do policial, o qual pode ou não manter o gatilho pressionado (FUJITA JÚNIOR, 2010).

Também o spray de pimenta, ou gás de pimenta, acondicionado normalmente em cápsulas ou tubos, que é um agente lacrimogêneo que atua nas mucosas dos olhos, nariz e boca, causando irritação, dor e sensação de pânico, por até 40 minutos. É composto pelo princípio ativo da pimenta, a capsaicina e é muito usado para dispersar multidões (FUJITA JÚNIOR, 2010).

Já, a bala de borracha é uma munição com a ponta de borracha (e não de metal, como as comuns), também utilizada para conter tumultos, manifestações ou rebeliões. A vantagem desse material é que ele não perfura a pele (se seguidos os procedimentos de segurança); porém, pode causar ferimentos graves se atingir o rosto ou até mesmo ser fatal em pontos como a garganta. Por isso, os tiros só devem ser dados na direção das pernas (FUJITA JÚNIOR, 2010).

Vale transcrever outras armas não letais, apresentadas por Wilquerson Felizardo Sandes (SANDES, 2007b, p. 4-5):

  • O Laser Atordoante utiliza luzes brilhantes que ofuscam a visão temporariamente na direção geral do laser iluminado. A aplicação original visa perturbar e desorientar suspeitos a cerca de 17 metros. O equipamento ainda está restrito ao uso militar.

  • O Feixe de Energia Direcionada atua por ondas que causam dor no suspeito. O uso é muito polêmico devido ao feixe de radiofreqüência causar o aquecimento da área em exposição. [...]

  • Os Lançadores de Bean Bag (saco de feijão) utilizam armas como calibre 12, dispara pequenos pacotes de malha com carga de projeção dentro. Possui baixa energia cinética que tende a causar ferimento não-letal.

  • Os Sistemas PepperBall são armas de gás comprimido que arremessam projéteis fragmentáveis de plástico, do tamanho de uma bola de gude, carregados de gás de pimenta, atingem o alvo até 10 metros. Além do impacto de baixa energia cinética, libera pó químico que produz uma pequena nuvem de poeira fortemente irritante.

  • Os Sistemas Acústicos visam assustar, irritar e surpreender um sujeito-alvo provocando alguma dor no sistema auditivo e causando vibração física. As freqüências operam em infra-som, som audível e ultra-som.

Frise-se que a denominação "arma não letal" não é a mais apropriada, pois o uso de tais tipos de armas pode provocar a morte, caso utilizadas de maneira excessiva ou por operadores sem o treinamento adequado. E preferível denominá-las "armas menos letais"; não letal é a técnica.

Vale relembrar que o uso das armas não letais está previsto na doutrina do Uso Progressivo da Força, e também devem ser utilizadas somente quando indispensável e na medida mínima necessária para fazer cessar a hostilidade. A utilização dos materiais menos letais é realizada exatamente com o fim de preservar a vida daquele contra quem a ação será direcionada, tendo em vista que são meios escalonados e proporcionais. Se utilizados dentro das recomendações são não-letais. Caso se mostrem ineficazes, fazer-se-á uso da arma de fogo.

Sobre o autor
Diego Vinícios de Araújo Fagundes

Formado em Física, bacharelado, pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciado pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Pós-graduado (especialização) em ensino de Física, pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Faculdade Cristo Rei de Cornélio Procópio. Agente de Polícia da PCDF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAGUNDES, Diego Vinícios Araújo. Uso legal e progressivo da força na atividade policial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4950, 19 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55134. Acesso em: 24 dez. 2024.

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