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Introdução ao Direito de Execução Penal e seus Princípios

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Agenda 24/01/2017 às 08:23

PRINCÍPIOS

PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS

Como consabido, o princípio da humanidade das penas deflui da cláusula geral de tutela prevista no art. 1º, III, da Constituição Federal e indica que nenhuma pena pode atentar contra a dignidade da pessoa humana.

Vale relembrar, como bem consignou o eminente Luigi Ferrajoli, que “a história das penas é, sem dúvida, mais horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos, porque mais cruéis e talvez mais numerosas do que as violências produzidas pelos delitos têm sido as produzidas pelas penas e porque, enquanto o delito costuma ser uma violência ocasional e às vezes impulsiva e necessária, a violência imposta por meio da pena é sempre programada, consciente, organizada por muitos contra um” (Direito e Razão: Teoria do Garantismo Penal, 2006. p. 355).

O Texto Maior consagra o princípio da humanidade das penas em seu art. 5º, XLVII, que veda as seguintes penas: i) de morte, salvo em caso de guerra declarada; ii) de caráter perpétuo; iii) de trabalhos forçados; iv) de banimento, degredo, desterro; e v) cruéis.

Nesse contexto, a vedação às penas de caráter perpétuo conduziu o Pretório Excelso a firmar entendimento no sentido de que a medida de segurança, não obstante o texto do art. 97 do CP, não poderia ser temporalmente ilimitada (HC 84.219, 1ª T., julgado em 16/08/2005) e de que não poderia, portanto, ultrapassar 30 anos, da mesma forma que a pena privativa de liberdade (art. 75 do CP, por analogia).

Tal entendimento foi, a nosso sentir, aperfeiçoado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 126.738/RS, que, com base na igualdade e na proporcionalidade, firmou entendimento ainda mais garantista no sentido de que a medida de segurança não pode durar mais do que a pena máxima prevista em abstrato para aquele delito.

A seguir, após alguma oscilação no próprio Tribunal da Cidadania[7], foi editada a Súmula STJ, verbete nº 527, segundo a qual o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.

Pensamos, porém, que o tema ainda carece de reanálise, devendo-se caminhar para a limitação da medida de segurança não ao patamar máximo previsto em abstrato, mas ao mínimo abstratamente cominado em cada tipo.

Pensamos, porém, que o tema ainda carece de reanálise, devendo-se caminhar para a limitação da medida de segurança não ao patamar máximo previsto em abstrato, mas ao prazo obtido, em concreto, por meio do emprego do processo dosimétrico trifásico de Nelson Hungria também às hipóteses de absolvição imprópria, aplicando-se, sempre, em favor do inimputável, a causa de diminuição prevista no art. 26, parágrafo único, do CP em seu patamar máximo de 2/3.

De fato, aquele que é capaz de culpabilidade está sujeito à perfeita individualização da pena, não apenas no plano abstrato (legislativo), mas também em concreto (judicial), já que sua pena é fixada pelo juiz, à luz do método trifásico encampado pelo Código Penal, com inteira atenção às peculiaridades do caso concreto e às condições pessoais do agente, autor do delito.

Da mesma forma, o semi-imputável, diante da necessidade de especial tratamento curativo, quando se lhe é aplicada a medida de segurança substitutiva, na forma do art. 98 do CP, tem observado o direito à individualização da pena, que igualmente é fixada em atenção às peculiaridades fático-individuais e ainda diminuída de um a dois terços, na forma do art. 26, parágrafo único, do CP.

Nesse caso, a medida de segurança eventualmente aplicada em substituição à pena privativa de liberdade observa o mesmo limite máximo já estabelecido para a intervenção penal estatal por ocasião da dosimetria, aplicada a minorante da parte geral mencionada. A medida de segurança substitutiva não perdura, portanto, por mais tempo do que duraria a pena privativa de liberdade.

Antes de passarmos à conclusão quanto à situação jurídica do inimputável, um dado fático também merece ser sublinhado. Muito mais comumente se impõe ao autor de um delito reprimenda penal em patamar próximo ao mínimo ou mesmo no mínimo legalmente previsto, sendo – como podem observar os operadores do direito que militam na seara criminal – de raríssima ocorrência a imposição de pena em seu patamar máximo.

Nesse quadro, se ao capaz de culpabilidade (imputável) e até ao semi-imputável se impõe pena ou medida de segurança devidamente dosada e individualizada em atenção às particularidades do caso concreto, a qual, invariavelmente, está bastante distante do patamar máximo em abstrato, não há razão lógica ou jurídica para se autorizar que a intervenção penal estatal no caso do inimputável alcance o patamar MÁXIMO previsto em abstrato, pelo só fato de não haver individualização legislativa e judicial da medida de segurança.

Em outras palavras, se ao imputável se confere resposta penal inteiramente individualizada, em patamar, no comum dos casos, mais próximo ao mínimo previsto abstratamente, e ao semi-imputável se impõe pena ou medida de segurança (art. 98 do CP) igualmente individualizada, em patamares próximos ao mínimo e, ainda, diminuída de um a dois terços (art. 26, parágrafo único, do CP), não há motivação jurídica ou mesmo fática a justificar o tratamento mais gravoso a quem merece resposta penal mais branda. Em síntese, o limite temporal da medida de segurança não pode encontrar baliza no máximo em abstrato, sob pena de se penalizar o inimputável mais rígida do que o semi-imputável e do que o próprio imputável.

Em verdade, o limite da intervenção estatal deve ser individualizado por meio da dosimetria a ser realizada na sentença, aplicando-se, sempre, em sua terceira etapa, a minorante prevista no art. 26, parágrafo único, do CP para o semi-imputável, em sua fração máxima de 2/3.

Não se afigura consentâneo com as garantias previstas no Texto Maior simplesmente se aplicar o patamar máximo de pena, sob pena de se impor – como se tem verificado – àquele que não é capaz de culpabilidade tratamento mais severo do que o dispensado aos que compreendem o caráter ilícito de sua conduta e podem se determinar segundo tal entendimento, o que constitui evidente contrassenso, patente ofensa ao princípio da isonomia, da proporcionalidade e às disposições da Lei 10.216/2001, que reconfigurou toda a lógica da Saúde Mental, tendo como princípios norteadores a desospitalização, a dignidade humana, a superação do modelo tutelar e da lógica manicomial.

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Se o vetusto Estatuto Repressor não estabelece patamar máximo de duração da medida de segurança, não se operando, portanto, a necessária individualização legislativa da medida de segurança, tampouco estabelece, ao menos explicitamente, a necessidade da dosimetria da medida de segurança, igualmente negando ao vicariato a individualização judicial da resposta penal, não se pode, pela via da interpretação, com o escopo de colmatar tais graves lacunas deixadas pelo texto legal, empregar como limite ao ius puniendi o patamar máximo em abstrato para cada tipo, em razão de seu descomprometimento com as peculiaridades do caso concreto, sobretudo com a própria condição de inimputável do paciente, por malferir os princípios constitucionais já mencionados e representar verdadeira analogia in malam partem.

Se a lacuna do Código Penal não pode prejudicar o indivíduo, como parece claro, deve-se, ao revés, prestigiar as garantias individuais do vicariato, integrando-se a norma legal, de modo a que seja fixado o limite máximo de duração da medida de segurança in concreto, por meio do já conhecido método trifásico, sempre aplicando-se, em sua última etapa, a diminuição de 2/3, em razão da previsão do art. 26, parágrafo único, do CP, o que se mostra mais consentâneo com a incapacidade do paciente de compreender o caráter ilícito do seu comportamento ou de se determinar de acordo com tal entendimento.

Uma vez ultrapassado tal patamar, deve-se afastar o tratamento criminal da moléstia (ou dependência) que lhe acomete, conservando-se o direito penal como ultima ratio e instando-se a rede de assistência à saúde mental (ou aos dependentes químicos, conforme o caso) dos entes públicos, a fim de que construam projeto terapêutico adequado, em atenção às peculiaridades do paciente e de seu núcleo familiar.

Apenas como argumento de reforço à ideia-força que permeia o que ora se expõe, deve-se notar que um imputável, caso tivesse cometido um furto simples tentado, estaria sujeito a uma pena mínima de 4 (quatro) meses de reclusão, considerada a redução máxima da tentativa.

Ao semi-imputável, por sua vez, se poderia aplicar uma pena mínima de 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão, acaso aplicada a redução máxima prevista no art. 26, parágrafo único, do Estatuto Repressor, em razão da sua semi-imputabilidade. E a tal limite está sujeita a medida de segurança substitutiva eventualmente imposta, na forma do art. 98 do CP.

Já o inimputável, a prevalecer o entendimento até então esposado pelo Tribunal da Cidadania, estaria sujeito a cumprir uma medida de segurança por até 02 (dois) e 08 (meses) de reclusão. Nada mais desproporcional!

Por isso, urge alterar o entendimento prevalente nesta seara, de sorte a que os juízes pátrios passem a fixar, por meio do método trifásico, o limite máximo da intervenção estatal em face dos inimputáveis, realizando a dosimetria também nas sentenças de absolvição imprópria e aplicando, por necessário, a causa de diminuição prevista no art. 26, parágrafo único, do CP em seu grau máximo de 2/3, exatamente por se tratar de inimputável, situação que, por variadas razões, merece receber, ao menos, o tratamento penal mais brando previsto no CP para o semi-imputável, sob pena de também aqui se vulnerar a isonomia, a individualização da pena e a proporcionalidade.

Nesse sentido, o processo dosimétrico se prestaria não a fixar o prazo da medida de segurança imposta, mas a conferir balizamento, in concreto, à pretensão punitiva estatal, em atenção à garantia de estatura constitucional da individualização da pena – oponível ao Estado independentemente da condição de imputável ou inimputável do indivíduo –, servindo, portanto, de limite temporal máximo para a medida de segurança.

No que tange à proibição da pena de trabalhos forçados, poder-se-ia questionar a constitucionalidade dos arts. 31 e 39 da LEP dizem que o condenado é obrigado a trabalhar. Até porque, se o preso inobserva esse dever, comete falta grave, nos termos do art. 50, VI, c/c art. 39, V, da LEP.

Entrementes, a pena de trabalhos forçados constitucionalmente proscrita está relacionada, em verdade, àquele trabalho imposto com o objetivo de humilhar o preso, de lhe infligir castigo. É exatamente isso que a Constituição quer proibir.

O trabalho obrigatório a que aludem as disposições da LEP, a um só tempo, constitui direito e dever do apenado (art. 41, I, da LEP). Está inserido no escopo ressocializador da pena e do sistema progressivo e encontra-se intimamente ligado à ideia-força da reinserção social.

Não por outra razão o próprio Pacto de São José da Costa Rica ressalva que o trabalho durante o cumprimento de pena de prisão não se equipara a trabalhos forçados (art. 6º, item 3, a).

Outra expressão desse princípio está no art. 5º, XLVIII, da CF. Portanto, as penas têm que ser executadas em estabelecimentos que observem a natureza do delito, o sexo e a idade do condenado.

Também é reflexo desse princípio o art. 5º, XLIX, da CF, que determina o respeito à integridade física e moral dos presos, bem como seu art. 5º, L, que cuida do período de amamentação.

Por fim, a LEP, em seu art. 3º, consigna expressamente que são assegurados ao apenado e ao internado todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei, na esteira do que prevê o art. 38 do CP e do art. 5º, XLIX, da CF.

 

PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (ART. 5º, XLVI, DA CF)

Segundo o texto constitucional, a lei regulará a individualização da pena (art. 5º, XLVI, 1ª parte, da CF).

Com efeito, as penas se individualizam em três estágios:

A) COMINAÇÃO LEGAL

No plano legislativo, as penas são cominadas em abstrato de forma a tutelar alguns bens jurídicos que merecem a proteção pelo direito penal.

Têm-se a seleção de bens jurídicos, a criminalização de condutas e a fixação das penas.

B) APLICAÇÃO JUDICIAL

Nesse estágio, o magistrado fixa a pena em concreto, de acordo com as circunstâncias relativas ao fato, ao agente e à vítima.

C) EXECUÇÃO PENAL

Nessa etapa, efetivam-se as disposições da decisão criminal, sendo certo que a execução, tal como as demais etapas de individualização, deve atender às peculiaridades da situação de cada indivíduo submetido à sanção penal que lhe fora imposta.

Com base nesse princípio, o STF, no HC 82.959/SP[8], julgou inconstitucional o regime integralmente fechado para os crimes hediondos e equiparados, por impedir a individualização na execução penal.

Diante da inconstitucionalidade do regime integralmente fechado, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante nº 26, segundo a qual, “para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização do exame criminológico”.

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou o verbete nº 471, assentando que “os condenados por crimes hediondos ou assemelhados cometidos antes da vigência da Lei n. 11.464/2007 sujeitam-se ao disposto no art. 112 da Lei n. 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) para a progressão de regime prisional”.

Ulteriormente, tanto a 6ª Turma[9] do STJ como a 2ª Turma[10] do STF entenderam persistir a ofensa ao princípio da individualização da pena no art. 2º, §1º, da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/2007, exatamente por impor, necessariamente, o regime inicial fechado.

Mais recentemente e no mesmo sentido se pronunciaram o Plenário do Supremo Tribunal Federal[11] e a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça[12].

Nessa linha de intelecção, o mesmo questionamento de inconstitucionalidade se poderia opor ao art. 10 da Lei nº 9.034/95, que dispõe que os condenados por crime decorrentes de organização criminosa iniciarão o cumprimento da pena em regime fechado, afora a problemática da definição de organizações criminosas no direito pátrio. A jurisprudência, porém, tem aplicado essa disposição legal sem reconhecer qualquer eiva de inconstitucionalidade.

Igualmente com base no princípio da individualização da pena, o STF afastou a vedação à conversão em restritivas de direitos da Lei de Drogas[13], ao que se seguiu a edição da Resolução nº 5/2012 do Senado Federal, que suspendeu, nos termos do art. 52, X, da Constituição Federal, a execução da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do HC 97.256/RS.

 

PRINCÍPIO DA PESSOALIDADE, PERSONALIDADE OU INTRANSCENDÊNCIA DA PENA

Nos termos do art. 5º, XLV, da CF, “nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.

De fato, a pena não pode ser aplicada ou executada contra outrem, mas apenas contra o condenado. Com a morte do agente, extingue-se a punibilidade (art. 107, I, do CP) e, para a maioria da doutrina, resolve-se mesmo a pena de multa.

Exemplo histórico de desrespeito a esse princípio foi de Tiradentes, que foi condenado também à pena de infâmia até a 4ª geração.

 

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Está consagrado no item 19[14] da Exposição de Motivos e no art. 2º da LEP, segundo o qual “a jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal”.

A exemplo do que se dá na teoria do tipo penal, em matéria disciplinar, a LEP também consagrou o princípio da legalidade, consignando expressamente que “não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar” (art. 45).

O art. 49 da LEP, por sua vez, remete à legislação estadual a previsão das faltas leves e médias, mantendo as faltas graves na competência do Congresso Nacional.

Não obstante a clareza do dispositivo, a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo editou a Resolução nº 113/2003, capitulando como falta grave a posse de celular em presídio. O STJ, em observância ao princípio da legalidade, asseverou que o Estado de São Paulo não possui competência legislativa para definir que a posse de aparelho de telefone celular constitui falta grave (HC nº 59.436/SP, AgRg no HC nº 75.799/SP, HC 155372/SP e AgRg no HC nº 109.927/SP).

Em seguida, em 29 de março de 2007, a Lei nº 11.466, alterando a LEP[15], previu tal conduta como falta grave (art. 50, VII). Por óbvio, tal previsão, por se tratar de lei penal mais gravosa, não pode retroagir para alcançar e tornar puníveis fatos ocorridos antes da sua vigência.

Após a edição da Lei nº 11.466, o STJ, por suas 5ª[16] e 6ª[17] Turmas firmou entendimento no sentido de que a posse de carregador de celular, ou mesmo de chip[18], dentro da prisão, ainda que sem aparelho telefônico, é uma falta grave. Segundo os Ministros, após a entrada em vigor da lei 11.466/2007, passou-se a considerar falta grave tanto a posse de telefone celular dentro de presídio, como a dos componentes essenciais ao seu funcionamento.

Contudo, desta vez, tal entendimento merece críticas, por violar os princípios constitucionais da tipicidade, legalidade e lesividade.

Por fim, cumpre consignar, ainda quanto ao presente princípio, que a LEP prevê um instituto chamado de excesso ou desvio de execução (art. 185), que tem por finalidade justamente restaurar o princípio da legalidade.

 

PRINCÍPIO DA JURISDICIONALIDADE

Na esteira do entendimento de que a execução penal ostenta natureza jurisdicional, merece realce o princípio da jurisdicionalidade, do qual deflui que o processo de execução será conduzido por um juiz de direito, como previsto no art. 2º da LEP.

Tal idéia é reforçada pelo art. 194 da LEP, segundo o qual “o procedimento correspondente às situações previstas nesta Lei será judicial, desenvolvendo-se perante o Juízo da execução”.

 

PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

O devido processo legal também é aplicável à execução penal, em virtude do seu viés nitidamente jurisdicional.

No processo executivo, a garantia insculpida no art. 5º, LIV, da CF se traduz na parêmia nulla executio sine iudicio.

Conferindo densidade a tal princípio, o procedimento judicial da execução penal encontra-se regulado nos arts. 194 a 197 da LEP.

 

PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

Como não poderia deixar de ser, as garantias de estatura constitucional do contraditório e da ampla defesa estão também presentes no processo de execução. Se houver falta disciplinar, é preciso que a punição seja precedida da instauração do competente processo disciplinar.

Sobre a necessidade da presença de advogado ou Defensor Público em tais processos, o Pretório Excelso editou a Súmula Vinculante nº 5 no sentido de que a falta de defesa técnica no processo administrativo disciplinar não ofenderia a Constituição.

Contudo, a Suprema Corte, ao editar essa Súmula, não teve em vista o processo disciplinar da LEP, no qual, por evidente, eventual falta disciplinar pode ter repercussão direta na liberdade do condenado, mas tão somente os processos administrativos, por exemplo, atinentes a servidores públicos.

Analisando casos que versavam especificamente sobre processos disciplinares no âmbito da execução penal, o STF reinterpretou tal verbete de sua Súmula, para assentar que esse enunciado não se aplica aos processos disciplinares da LEP. Nestes, segundo a Augusta Corte, é preciso advogado, sob pena de nulidade, exatamente por gerar efeitos penais para o condenado. No mesmo sentido apontou o STJ[19].

A Súmula foi dirigida, portanto, aos processos disciplinares de servidores, nos quais, efetivamente, dispensou-se a exigência de advogado.

Com isso, o STF repristinou a Súmula STJ, verbete nº 343 apenas em matéria de processo administrativo disciplinar da LEP.

Dessa forma, para os processos disciplinares da LEP, aplica-se o verbete nº 343 da Súmula do STJ.

 

PRINCÍPIO DA INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS

Nos termos do art. 5º, LVI, da CF, são inadmitidas as provas obtidas por meios ilícitos nos processos judiciais e administrativos.

Observe-se, por outro lado, que ninguém pode se utilizar de uma garantia constitucional para praticar um ilícito, raciocínio aplicável à revista íntima no estabelecimento prisional.

Há quem sustente, entretanto, que tal revista viola o direito à intimidade, que, como ressabido, constitui garantia individual de assento constitucional. Para os críticos desse procedimento, haveria forma menos gravosa de impedir determinadas condutas nos presídios, razão pela qual a proporcionalidade restaria arranhada e eventual elemento de convicção atrelado a tal revista constituiria prova ilícita.

 

DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

Para a maioria da doutrina, o duplo grau de jurisdição constitui garantia constitucional implícita, malgrado haja decisões do STF em sentido contrário.

Tal princípio assegura o reexame de decisões em processo judicial ou administrativo disciplinar.

Nesse contexto, a LEP, em seu art. 197, consagra o recurso de agravo para combater as decisões do juiz da execução. Se, por exemplo, o juiz da execução indeferir o livramento condicional, caberá agravo; se deferir, também caberá esse recurso, a ser interposto desta vez pelo MP.

Anote-se que a LEP criou o agravo sem efeito suspensivo, mas não disciplinou seu processamento. Isso porque, em 1984, entraria em vigor um Código de Processo Penal, que previa o recurso de agravo. E o recurso da LEP seria processado nos termos desse novo CPP.

Entretanto, como tal Código não entrou em vigor, estabeleceu-se uma discussão na doutrina, acerca de qual procedimento deveria seguir o agravo previsto na LEP:

i) o do agravo do CPC; ou

ii) o do recurso em sentido estrito.

Inicialmente, os Tribunais aceitavam qualquer uma das duas formas.

Em 2003, todavia, o STF editou o verbete nº 700, segundo o qual “é de 5 dias o prazo para interposição de agravo contra decisão do juiz da execução penal”. Aplicou, portanto, o art. 586 do CPP, que traz o prazo do recurso em sentido estrito.

Em síntese, atualmente, o agravo segue o rito do recurso em sentido estrito (arts. 582 a 592 do CPP).

 

PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Por fim, exatamente pela sua relevância, merece destaque o princípio da presunção de inocência.

Ao contrário do que se possa pensar, tal princípio existe na execução da pena,  relacionado às matérias típicas da execução penal.

Na vertente probatória, à acusação pública se impõe o ônus da prova. Assim, compete ao Estado comprovar que o condenado não cumpre dados requisitos para que lhe seja concedido algum direito de execução.

Demais disso, a interpretação da norma, da prova e do fato, na execução, também deve ser favorável ao condenado.

Por fim, no que tange ao início do processo executivo, no que tange à possibilidade de o réu conservar sua liberdade do longo do processo de conhecimento, ainda que haja uma sentença condenatória não transitada em julgado, o STF, em 2009, firmou entendimento, consoante já anotado, no sentido da inconstitucionalidade da chamada “execução antecipada da pena” ou execução provisória da pena[20], quando o réu se encontra solto.

Todavia, em virada histórica e merecedora de profundas críticas, o STF alterou seu entendimento para reconhecer a possibilidade da execução provisória da pena de réu que responde solto ao processo, por força de acórdão condenatório de Tribunal, em julgamento de apelação, o que parece malferir a garantia constitucional da presunção de inocência, reescrevendo o Texto Maior com linhas – acho que podemos dizer – mais que tortuosas.

 

Sobre o autor
William Akerman

Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ). Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ex-Procurador do Estado do Paraná (PGE/PR). Ex-Especialista em Regulação de Aviação Civil (ANAC). Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ). Ex-Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Aprovado em concurso público para Defensor Público do Estado da Bahia (DPE/BA), para Advogado do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e para Advogado da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Integrante da banca de penal e processo penal do I Concurso para Residência Jurídica da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Autor e coordenador de obras jurídicas pela Editora JusPodivm. Professor de cursos preparatórios para concursos e fundador do Curso Sobredireito (@curso_sobredireito).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AKERMAN, William. Introdução ao Direito de Execução Penal e seus Princípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4955, 24 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55291. Acesso em: 23 dez. 2024.

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