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Introdução ao Direito de Execução Penal e seus Princípios

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24/01/2017 às 08:23
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O Direito de Execução Penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam a execução das sanções penais, que são a pena e a medida de segurança.

 

No momento em que a grave crise do sistema penitenciário nacional desperta a atenção - ainda que tardia - dos poderes constituídos, convém lançar luzes sobre o direito de execução penal e principalmente sobre os seus princípios norteadores.


CONCEITO

Consoante se extrai do item nº 9[1] da Exposição de Motivos da LEP, o direito de execução penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam a execução das sanções penais.

As duas espécies de sanção penal existentes no Brasil são a pena e a medida de segurança.

Segundo o art. 5º, XLVI, da Constituição Federal, a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos.

Na forma do art. 2º do Código Penal, as penas são: I – privativas de liberdade; II – restritivas de direitos; e III – de multa.

Há, ainda, as penas autônomas previstas no art. 28, I, da Lei nº 11.343/2006, entre as quais a de advertência.

Em relação às contravenções penais, as penas principais são: I – prisão simples; II – multa (art. 5º do Decreto-Lei nº 3.688/1941).

Já a medida de segurança, que também constitui manifestação do poder punitivo do Estado, encontra previsão nos arts. 96 e ss do Código Penal, podendo ser de duas espécies[2]:

i) medida de segurança estacionária ou detentiva – é a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado (art. 96, I, do CP).

ii) medida de segurança ambulatorial, não detentiva, restritiva ou terapêutica – é o tratamento ambulatorial (art. 96, II, do CP).

 


NATUREZA JURÍDICA

persecutio criminis se divide em 3 fases: a) investigação preliminar; b) processo de conhecimento; e c) execução da decisão criminal.

A primeira fase, que se desenvolve ordinariamente por meio do inquérito – embora não necessariamente –, possui natureza administrativa.

A segunda fase, processual, indubitavelmente se realizada por meio do exercício da função jurisdicional do Estado, tendo em conta a parêmia nulla poena sine iudicio.

Já a natureza jurídica da execução penal, que constitui a terceira fase da individualização da pena, desperta dissenso doutrinário, havendo 3 correntes sobre o tema:

I) NATUREZA ADMINISTRATIVA

Para essa linha de entendimento, não haveria exercício da função jurisdicional na execução penal; constituiria atividade própria do Poder Executivo e o condenado seria mero objeto da execução, e não sujeito de direitos.

O emprego da expressão “benefícios” para nominar os direitos de execução está ligada a essa visão, já superada, de que a execução da pena teria natureza meramente administrativa.

II) NATUREZA MISTA, ECLÉTICA OU HÍBRIDA

Para essa corrente, a execução é uma atividade complexa, que envolve o exercício das atividades administrativa e jurisdicional.

Certas normas da execução pertencem ao direito processual, como a solução de incidentes, livramento condicional, sursis, indulto, progressão de regime, remição de pena, enquanto outras, que regulam a execução propriamente dita, pertencem ao direito administrativo, como as relacionadas a documentos (folha penal, guia de recolhimento de preso e ficha de término de pena), a obtenção de parecer da comissão técnica de classificação e do Conselho Penitenciário e a fiscalização de presídios (NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Comentários à Lei de Execução Penal, 1996, p. 5-6).             

III) NATUREZA JURISDICIONAL

Segundo tal vertente, a execução penal se desenvolve através de processo, em que há exercício da função jurisdicional do Estado, não obstante a intensa atividade administrativa que a envolve.

Isso porque o título em que se funda a execução decorre da atividade jurisdicional exercida no processo de conhecimento e, como qualquer outra execução forçada, a decorrente de sentença penal condenatória, absolutória imprópria ou homologatória de transação penal só poderá ser feita pelo Poder Judiciário.

Na Exposição de Motivos da LEP, item 92, consta que “a orientação estabelecida pelo Projeto, ao demarcar as áreas de competência dos órgãos da execução, vem consagrar antigos esforços no sentido de jurisdicionalizar, no que for possível, o Direito de Execução Penal”.

Demais disso, a sua natureza jurisdicional decorre da atual posição do juízo da execução penal (art. 61, II, da LEP). Segundo o magistério de Renato Marcão, deixou a execução, absolutamente, de ser um procedimento administrativo com ingerências pontuais da jurisdição, para alcançar, sem sombra de dúvidas, a condição de processo jurisdicional (Curso de execução penal. 2011, p. 32).

A natureza jurisdicional do processo de execução é ratificada, ainda, pelo vasto rol de competências do juiz da execução contido no art. 66 da LEP e pelo que dispõem os arts. 2º e 65 daquele diploma legal, remetendo à atividade jurisdicional.

Embora envolvida intensa e inegavelmente no plano administrativo, não se desnatura, até porque todo e qualquer incidente ocorrido na execução pode ser submetido à apreciação judicial, por imperativo constitucional (art. 5º, XXXV, da CF), o que acarreta dizer, por exemplo, que o rol do art. 66 da LEP é meramente exemplificativo.

Se o processo é instrumento indispensável para aplicação da pena, também o é para sua execução (nulla executio sine judicio).

Ressalte-se que essa corrente, que afirma a natureza jurisdicional da execução da pena, não refuta a existência da atividade executiva, mas isso, por si só, não transforma a execução penal em algo híbrido.

Partindo da natureza jurisdicional da execução da pena, deve-se ter em mente que o condenado é titular de direitos e garantias de estatura constitucional. Como lecionam Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes filho:

“A natureza administrativa que se quisesse emprestar à execução penal tornaria o réu mero objeto do procedimento, quando, ao contrário, ele há de ser visto como titular de situações processuais de vantagem, como sujeito da relação processual existente no processo de execução penal. Não mais simples detentor de obrigações, deveres e ônus, o réu torna-se titular de direitos, faculdade e poderes. E como todo e qualquer processo, que não seja mera ordenação de atos, mas que seja entendido em sua função garantidora, ficam asseguradas ao condenado as garantias constitucionais do ‘devido processo legal’: o direito de defesa (compreendendo a defesa técnica), o contraditório, o duplo grau de jurisdição, a publicidade e, evidentemente, a igualdade processual e par conditio” (As Nulidades no Processo Penal, 1996, p. 255).

Essa corrente é a que prevalece hodiernamente.

 


PRESSUPOSTO JURÍDICO DA EXECUÇÃO PENAL

Para que uma pessoa cumpra uma sanção penal é preciso haver o trânsito em julgado da sentença criminal que lhe tenha aplicado a pena. Esse é o pressuposto da execução penal e decorre da presunção de inocência[3].

Todavia, nem toda decisão criminal que é executada é uma sentença penal condenatória. Há as decisões criminais absolutórias impróprias, que aplicam medida de segurança para o inimputável (art. 26, caput, do CP).

Apesar de absolvido, nesse caso, o inimputável, insofismavelmente, sofre uma sanção penal, considerando-se a carga condenatória da medida de segurança.

Também se sujeitam à execução as decisões homologatórias de transação penal.

Com o trânsito em julgado, surge o título executivo, que é o pressuposto jurídico da execução penal.

Antes disso, pode haver prisão cautelar, mas não prisão-pena. Até o seu trânsito, a decisão é inexeqüível (nulla executio sine titulo).

 


EXECUÇÃO PROVISÓRIA

A execução provisória é também conhecida como antecipação cautelar dos efeitos da decisão penal condenatória recorrível e consiste numa espécie de cumprimento antecipado da pena aplicada a determinado indivíduo.

Há quem critique essa nomenclatura, afirmando que se trata, em verdade, de evitar que o réu preso cautelarmente ostente uma condição mais gravosa do que se estivesse condenado definitivamente.

Cuida-se, nessa senda, de corolário do princípio da homogeneidade das medidas cautelares, segundo o qual essas não podem ser mais gravosas do que a própria sanção penal a ser aplicada ao final do processo.

Para a execução provisória, é necessária a conjugação de 2 pressupostos:

a) condenação à pena privativa de liberdade

b) prisão do réu

A regra, como se sabe, é que o réu recorra em liberdade, em nome do princípio da presunção de inocência. E somente se o acusado estiver preso preventivamente se cogita da execução provisória.

Ex.: condena-se alguém, que está preso cautelarmente há um ano, à pena privativa de liberdade de 6 anos em regime fechado; há recurso apenas da defesa; pela detração penal[4], na execução definitiva, ele faria jus a um benefício, que é a progressão de regime.

Como o recurso, que é um direito, não pode impedir o exercício de outro direito – no caso, a progressão – apenas por não haver o título executivo, para se lhe garantir esse direito é preciso, simultaneamente ao recurso interposto, promover a execução provisória da pena, permitindo-se que o acusado usufrua os seus direitos de execução.

Devem-se-lhe assegurar os mesmos direitos que teria se já estivesse condenado definitivamente.

Esse instituto foi criado para beneficiar o condenado, antecipando para ele os efeitos da decisão condenatória recorrível.

Ao contrário do que sustenta certo setor doutrinário-jurisprudencial, tal instituto não viola a presunção de inocência, porque, por óbvio, no processo de conhecimento, o réu continua presumidamente inocente.

O que se permite é apenas e tão somente a fruição dos direitos de execução.

O seu fundamento é o art. 2º, parágrafo único, da LEP e, atualmente, encontra amparo também na Súmula STF, verbete nº 716, segundo o qual “admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”.

Ainda sobre o tema, a Súmula STF, verbete nº 717 consigna que “não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial”.

Do ponto de vista infralegal, a dita execução provisória está disciplinada nos arts. 8º a 11 da Resolução CNJ nº 113, de 20 de abril de 2010, que possui o escopo de regular o procedimento relacionado à execução da pena privativa de liberdade e da medida de segurança.

No julgamento do HC 202.200-RJ, a 6ª Turma do STJ entendeu que, excepcionalmente, pode-se conceder ao preso provisório o benefício da prisão domiciliar, quando demonstrado que o seu estado de saúde é grave e que o estabelecimento prisional em que se encontra não presta a devida assistência médica.

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No mesmo sentido, atualmente já dispõe a o Código de Processo Penal, em virtude das alterações implementadas pela Lei nº 12.403/2011, que, quanto ao tema, modificou o art. 319, passando a prever, no inciso VII, a medida cautelar de internação provisória do acusado, para as hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração

Na prática, interposto o recurso de apelação, pede-se ao juiz para expedir a guia de recolhimento provisório ou carta de sentença provisória para a VEP, nos termos da Resolução CNJ nº 113.

Imaginemos que, nessa situação, em que há recurso da defesa, haja também recurso do Ministério Público para majoração da pena.

Nesse caso, a pena fica juridicamente instável em relação ao máximo, porque pode ser aumentada.

Nesse contexto, há não muito tempo prevalecia o entendimento de que o recurso do MP impedia a execução provisória.

Contudo, tal posição foi modificada, alterando-se por completo o enunciado que tratava da matéria. O Enunciado VEP nº 25[5], que antes vedava a execução provisória nesse caso, passou a admitir a execução provisória ainda que o MP recorra para aumentar a pena.

Havendo provimento ao recurso do MP, ajusta-se a execução.

Por identidade de raciocínio, se o recurso do MP impedisse o direito de execução, o recurso da defesa teria que colocar o réu em liberdade, do que não se pode cogitar.

De outro giro, suponhamos agora que o réu recorrera em liberdade e o Tribunal negou provimento ao recurso, expedindo mandado de prisão em desfavor do acusado, sob o argumento de que eventuais recursos interpostos contra a decisão do Tribunal não têm efeito suspensivo (art. 637 do CPP e art. 27, §2º, da Lei nº 8.038/90).

A Súmula STJ nº 267, em princípio, corroboraria tal entendimento, ao dizer que “a interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”.

Nessa hipótese, haveria, portanto, uma execução provisória contra réu que inicialmente estava solto.

Acerca do tema, o STF, em 2009, no julgamento do HC 84.078, asseverou que mandado de prisão em hipóteses tais, para cumprimento da pena de forma provisória, não poderia ser expedido, em razão do princípio da presunção de inocência. Posicionou-se pela inconstitucionalidade da chamada execução antecipada da pena. Se não há trânsito em julgado, não se poderia expedir o mandado de prisão.

Em outras palavras, o Tribunal poderia decretar a prisão apenas se houver os motivos que ensejem a prisão preventiva, sempre fundamentadamente. Não havendo tais razões, o réu deveria ser mantido em liberdade.

Registre-se que, àquele tempo, o próprio STJ já não aplicava o verbete nº 267, na linha desse mesmo entendimento.

Porém, no julgamento do HC 126.292/SP, o Plenário do STF, na contramão do entendimento anterior, afirmou a constitucionalidade da execução provisória da pena, após o pronunciamento de Tribunal em grau de apelação.[6] Em síntese, restaria autorizada a expedição de tal mandado de prisão, com o escopo de se iniciar o cumprimento da pena imposta, mesmo sem o trânsito em julgado do acórdão.

De tal arte, segundo o STF, a execução provisória da pena alcançará também os casos em que o réu esteja respondendo solto ao feito, uma vez imposto um édito condenatório por Tribunal, em julgamento de apelação, não obstante a clareza da garantia constitucional estampada no art. 5º, LVII, do Texto Maior e do art. 283 do Digesto Processual Penal, a merecer severas críticas.

 

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Sobre o autor
William Akerman

Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro (DPE/RJ). Assessor de Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Ex-Procurador do Estado do Paraná (PGE/PR). Ex-Especialista em Regulação de Aviação Civil (ANAC). Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE/RJ). Ex-Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). Aprovado em concurso público para Defensor Público do Estado da Bahia (DPE/BA), para Advogado do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e para Advogado da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Católica de Petrópolis (UCP). Graduado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Integrante da banca de penal e processo penal do I Concurso para Residência Jurídica da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Autor e coordenador de obras jurídicas pela Editora JusPodivm. Professor de cursos preparatórios para concursos e fundador do Curso Sobredireito (@curso_sobredireito).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AKERMAN, William. Introdução ao Direito de Execução Penal e seus Princípios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4955, 24 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55291. Acesso em: 19 abr. 2024.

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