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Efeitos do trespasse empresarial em contratos de trabalho vigentes

Agenda 19/02/2017 às 12:58

A responsabilidade do sucessor/adquirente do estabelecimento comercial se restringe aos contratos de trabalho dos obreiros que exercem suas funções no local onde o potencial produtivo do estabelecimento se concentra.

RESUMO

O Código Civil traz o conceito de estabelecimento comercial e prevê sua alienação por meio do trespasse.

A doutrina, por sua vez, diferencia referida modalidade de contrato empresarial do contrato de compra e venda por meio da verificação da manutenção do potencial produtivo dos bens alienados.

Desse modo, para que haja efetivo trespasse, a alienação não pode afetar a capacidade de produção dos bens que integram o estabelecimento empresarial, sob pena de restar desvirtuado o contrato em questão.

Diante desse elemento necessário, o Código Civil trouxe a previsão de continuidade dos contratos no caso de alienação do estabelecimento, enquanto que a Consolidação das Leis do Trabalho, com o intuito de proteger o trabalhador, positivou a proteção do contrato de trabalho em caso de eventuais mudanças estruturais da empresa.

Todavia, a questão que se coloca é a responsabilidade do adquirente pelas obrigações decorrentes dos contratos de trabalho dos obreiros que não prestam serviços diretamente na ou para a unidade alienada, tendo em vista que a ideia de manutenção dos contratos é a manutenção do potencial de produção, que não guarda relação com as atividades desenvolvidas por obreiros que prestam serviços em localidades diversas.


INTRODUÇÃO

O objetivo do trabalho foi analisar a responsabilidade do adquirente do estabelecimento comercial pelos créditos trabalhistas dos obreiros que prestam serviços em localidade diversa de onde se concentra o potencial de produção do estabelecimento adquirido.

Para tanto foi analisada a ideia de estabelecimento empresarial, depois se passou à análise do contrato de trespasse, para, ao fim, tratar dos efeitos em questão.


O estabelecimento empresarial

O artigo 1.142 do Código Civil de 2002 traz o conceito de estabelecimento empresarial como sendo “todo complexo de bens organizados, para o exercício da empresa, por empresário ou sociedade empresária”.

Dessa forma, o conjunto de bens utilizados para o exercício da atividade econômica empresarial, ou seja, estabelecimento empresarial é valorado em conjunto e, portanto tido como bem jurídico diverso dos demais bens que o compõem (CAVALLI, 2007).

Nessa senda, cabe destacar que, nada obstante a valoração dos bens como um todo, a doutrina ainda diverge quanto ao conteúdo do estabelecimento empresarial, de modo que ele pode ser classificado como uma universalidade de bens de fato ou de direito.

Assim, no caso de universalidade de fato, os bens componentes do estabelecimento seriam aqueles determinados pela vontade de quem exerce a atividade econômica organizada, enquanto, ao se tratar de universalidade de direito, os bens que integram o estabelecimento empresarial são relações jurídicas patrimoniais que decorrem de disposições legais (CAVALLI, 2007).

Outrossim, nas palavras de REQUIÃO (2000, p.248):

Compõe-se o estabelecimento comercial de elementos corpóreos e incorpóreos, que o empresário comercial une para o exercício de sua atividade. Na categoria de bens, por outro lado, é classificado como bem móvel.

(...) não é consumível nem fungível, malgrado a fungibilidade de muitos elementos que o integram. Sendo objeto de direito constitui propriedade do empresário, que é seu dono, sujeito do direito.

Sendo universalidade de fato ou de direito, é certo que o estabelecimento empresarial é composto de bens corpóreos e incorpóreos e pode ser alienado como um todo ou em parte, sendo vendida, por exemplo, a marca, patente, os bens móveis, como utensílios, veículos, máquinas etc.

Ainda quanto à composição do estabelecimento empresarial, convém destacar que a doutrina é uníssona no sentido de que dele não fazem parte os contratos, porque as relações jurídicas integrariam o patrimônio do empresário, uma vez que, conforme bem ressalta Marcelo Andrade Féres (2007, p. 21), “as relações jurídicas integram, outrossim, o patrimônio do empresário, ao lado dos elementos do estabelecimento”.

Nada obstante referente posicionamento doutrinário, o Código Civil de 2002 traz duas intrigantes disposições ao tratar do estabelecimento empresarial:

Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.

Art. 1.148. Salvo disposição em contrário, a transferência importa a sub-rogação do adquirente nos contratos estipulados para exploração do estabelecimento, se não tiverem caráter pessoal, podendo os terceiros rescindir o contrato em noventa dias a contar da publicação da transferência, se ocorrer justa causa, ressalvada, neste caso, a responsabilidade do alienante.

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Da leitura dos dispositivos acima nota-se que, apesar de não integrarem o estabelecimento empresarial, a transferência deste importa em responsabilidade pelos contratos firmados por quem explorava a atividade empresarial anteriormente.

Daí a necessidade de se estudar o trespasse empresarial e seus efeitos no contrato de trabalho.


O trespasse empresarial

Conforme verificado acima, é possível a alienação dos bens que compõem o estabelecimento empresarial de maneira individual ou do estabelecimento como um todo.

A alienação do estabelecimento empresarial como um todo se chama trespasse empresarial. Nas palavras de Marino Luiz Postiglione (2006, p. 115):

(...) o trespasse compreende a transferência de todos os valores – mensuráveis ou imensuráveis – do estabelecimento, ou, pelo menos, de valores que permitam sua continuidade.

(...) se excluído algum dos componentes que o constituem, se desconsiderada a unidade instrumental que caracteriza, o negócio deixará de ser trespasse para ser venda e compra, se a transferência for de coisas corpóreas; ou cessão, se apenas direitos forem transferidos; ou abstenção de concorrência, se for do acesso à clientela.

Só o trecho acima basta para diferenciar o trespasse da compra e venda. Nada obstante possuam a mesma natureza jurídica, no trespasse, ao contrário da compra e venda, a alienação deve permitir a continuidade do estabelecimento e da atividade empresarial.

Assim, conforme sedimentado pela doutrina, a caracterização do trespasse depende da conservação da potencialidade produtiva dos bens que estão sendo alienados.

Feitas tais considerações, passemos à análise dos efeitos do contrato de trespasse.


Dos efeitos do contrato de trespasse

Conforme ressaltado anteriormente, nada obstante se entenda que os contratos não compõem o estabelecimento empresarial, o trespasse gera a sub-rogação do adquirente nos contratos celebrados para a exploração do estabelecimento, desde que não haja estipulação em contrário e que os contratos não sejam de caráter pessoal.

Isso ocorre justamente porque o legislador quis proteger o potencial produtivo dos bens alienados.

Assim, se o trespasse pressupõe a manutenção do potencial produtivo dos bens alienados, seria fácil afirmar que os contratos de trabalho continuam a viger após o avençado, de forma que transmite-se, junto com o estabelecimento, a posição de empregador ao adquirente.

Todavia, a questão não é tão simples quanto parece quando se coloca em voga o seguinte questionamento colocado por Marta de Oliveira Pinto Trindade (2010, p. 631):

É que os trabalhadores que acompanham o negócio transferido devem ser os trabalhadores diretamente ligados, aqueles que naturalmente fazem parte do todo, da unidade, que se pretende transferir. Mas o que dizer, assim, daqueles trabalhadores que, embora ligados à dita unidade, ali não esgotam sua prestação, simultaneamente mantendo ligação/desempenhando funções para outras áreas do negócio que não sejam objeto de transmissão?

A autora coloca esse questionamento tendo em vista o fato de que o trespasse requer a manutenção do potencial de produção, por meio da transferência dos bens que compõem o estabelecimento de necessidade primordial para a continuidade da atividade.

Veja-se que a questão inicial não diz respeito ao critério temporal de responsabilização do empregador pelas obrigações decorrentes do contrato de trabalho, pois, quanto a estas, entende-se que o adquirente responde, inclusive pelas anteriores à aquisição, em decorrência do que prevê o art. 1.1146, Código Civil.

De outra banda, questiona-se a obrigação de o adquirente se sub-rogar na posição de empregador, antes ocupada pelo alienante, em relação aos contratos de trabalho de obreiros cujas atividades se relacionam com objeto diferente daquele transferido.

Trata-se, todavia, do limite “territorial” da referida responsabilização.

Isso, pois a Consolidação das Leis do Trabalho é clara quando dispõe o seguinte:

Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.

Assim, tendo em vista o exposto, num raciocínio de extrema singeleza, arrisca-se concluir que a responsabilidade do sucessor/adquirente do estabelecimento comercial se restringe aos contratos de trabalho dos obreiros que exercem suas funções no local onde o potencial produtivo do estabelecimento se concentra, pois foi justamente ele que o legislador quis proteger.

Assim, no caso de operar-se o trespasse de uma pizzaria, por exemplo, o pizzaiolo, assim como o entregador de pizzas, são essenciais para a manutenção do potencial produtivo da pizzaria, logo, seus contratos de trabalho merecem ser preservados e o empregador/adquirente é quem arcará com os prejuízos advindos do referido contrato, caso contrário.

Agora, no tocante à limitação temporal da responsabilidade, encontra-se na jurisprudência o entendimento de que ela retroage à data anterior à celebração do trespasse em prejuízo do adquirente.

Senão, veja-se:

Ementa: APELAÇAO CÍVEL Nº 038070020250APELANTES: JOAO ERNESTO GRILLO e OUTRAAPELADO: JOSÉ EUSTÁQUIO DE FREITASRELATOR: DES. CARLOS ROBERTO MIGNONE Acórdão: EMENTA: APELAÇAO CÍVEL. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E DE NULIDADE DA SENTENÇA REJEITADAS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL (TRESPASSE). RESPONSABILIDADE DO COMPRADOR PERANTE A JUSTIÇA DO TRABALHO PELO PAGAMENTO DE VERBAS TRABALHISTAS REFERENTES A DÉBITOS ANTERIORES AO ENTABULADO. PREVISAO CONTRATUAL EXPRESSA. DIREITO AO RESSARCIMENTO. RECURSO DESPROVIDO. 1. Seja pelo fato de ter sido o apelado quem arcou com os débitos trabalhistas cobrados pelos ex-funcionários da empresa sucedida, seja por constar no contrato de aquisição do estabelecimento empresarial a responsabilidade pessoal dos apelantes quanto a tais obrigações, rejeita-se a preliminar de ilegitimidade. 2. Conquanto a sentença tenha sido realmente proferida por julgador diverso daquele que concluiu a audiência de instrução e julgamento, tal circunstância, isoladamente considerada, não é suficiente para provocar qualquer nulidade, mormente se considerado que tal fato ocorreu em razão da remoção do magistrado, excepcionalidade esta prevista no art. 132 do CPC . 3. Ainda que, por força dos arts. 10 e 448 da CLT , a sucessão comercial não influencie nos direitos do empregados, levando em consideração a previsão contratual delimitando a responsabilidades dos apelantes pelas verbas trabalhistasrelacionadas ao período laboral anterior ao trespasse, o apelado deve sim ser prontamente ressarcido dos prejuízos suportados perante a Justiça do Trabalho sob tal rubrica. 4. Recurso desprovido.

(Tribunal de Justiça do Espírito Santo. 4ª Câmara Cível.AC 38070020250. Julgamento 06/02/2012. Publicação 15/02/2012.)


BIBLIOGRAFIA

CAVALLI, Cássio. Apontamentos sobre a teoria do estabelecimento empresarial no direito brasileiro.  Revista dos Tribunais Vol. 96 Iss. 858, 2007. Available at: http://works.bepress.com/cassiocavalli/2/

FÉRES, Marcelo Andrade. Estabelecimento empresarial: trespasse e efeitos obrigacionais. São Paulo: Saraiva. 2007.

POSTIGLIONE, Marino Luiz. Direito Empresarial: o estabelecimento e seus aspectos contratuais. Barueri/SP: Manole, 2006. 

REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. v. 1. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

TRINDADE, Marta de Oliveira Pinto. Gestão de Recursos Humanos de A a Z: Transmissão de Empresa ou Estabelecimento. Editora RH, 2010. Disponível em: < http://www.abreuadvogados.com/xms/files/02_O_Que_Fazemos/artigos_publicacoes/R.H_MPT.pdf>.

Sobre a autora
Nayara Ferreira Marques da Silva

Advogada responsável pela área trabalhista do Furriela Advogados, Monitora da Pós-graduação em Direito do Trabalho da FGV-SP, Mestranda em Direito do Trabalho pela PUC-SP, Pós-graduada em Direito Empresarial. Atua em demandas consultivas e contenciosas envolvendo direito individual e coletivo do trabalho que impactam organizações nacionais e estrangeiras de diversos segmentos e desenvolve pesquisa acadêmica sobre o impacto da inteligência artificial e tecnologia nas relações laborais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Nayara Ferreira Marques. Efeitos do trespasse empresarial em contratos de trabalho vigentes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4981, 19 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55716. Acesso em: 22 nov. 2024.

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