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A obrigatoriedade de ação declaratória na esfera civil para o reconhecimento da indignidade do herdeiro ou legatário

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Quando um herdeiro pratica um crime que o torna indigno da herança, a condenação penal basta para que ele perca o direito aos bens?

1 – INTRODUÇÃO

 

O presente estudo tem por finalidade abordar acerca da obrigatoriedade da propositura de uma ação declaratória na esfera cível quando há sentença criminal que condena o herdeiro ou legatário por prática de atos que geram a indignidade, para assim reconhecê-lo como indigno, excluindo-o da sucessão.

O ordenamento jurídico pátrio possui dois institutos jurídicos que excluem o herdeiro ou legatário da herança, sendo eles a deserdação e a indignidade. Nesses dois casos, o herdeiro ou legatário recebe uma sanção civil pela prática de atos de ingratidão que cometeram contra o autor da herança ou contra os demais herdeiros.

O instituto da deserdação consiste em um ato unilateral do testador, no qual exclui herdeiro necessário da sucessão, motivado em umas das causas que estão previstas em lei, não podendo desfrutar da herança deixada pelo de cujus.

Washington de Barros Monteiro, conceitua a deserdação como sendo:

Ato pelo qual o testador retira a legítima do herdeiro necessário. Não se confunde com indignidade, embora coincidam seus efeito e respectivas causas geradoras. A indignidade é peculiar à sucessão legítima, enquanto a deserdação existe apenas na sucessão testamentária. Além disso, só se deserda herdeiro necessário, ao passo que a indignidade atinge qualquer herdeiro legítimo, bem como o legatário. (Monteiro 2003, p. 239)

O instituto da indignidade, por sua vez, está delineado nos casos do artigo 1.814 e seguintes do Código Civil, e tem como finalidade resguardar os direitos que o autor da herança possui em dispor de seus bens, onde constam os atos que, ou ser cometido pelo herdeiro ou legatário, poderá torná-lo indigno.

Na definição de Clóvis Beviláqua, a indignidade é:

A privação do direito, cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou ao interesse de hereditando, ou seja, o legislador cria uma pena, consistente na perda da herança, aplicável ao sucessor legítimo ou testamentário que houver praticado determinados atos de ingratidão contra o de cujus. (RODRIGUES, Silvio, 2003, p. 70 apud BEVILÁQUA, Clóvis, Código Civil..., cit., 1 ao art. 1.595)

Neste último caso, o Código Civil Brasileiro estabelece um modelo procedimental para a exclusão do herdeiro ou o legatário indigno, onde é imprescindível o pronunciamento da indignidade por sentença proferida em Ação de Declaratória de Indignidade movida por quem tenha legítimo interesse na sucessão.

Essa é a previsão do art. 1.815 do Código Civil Brasileiro, in verbis:

CC. Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença. (BRASIL, Lei no 10.406, de 10 de Janeiro de 2002)

Para Silvio Rodrigues:

A exclusão do indigno não deriva apenas do ato de ingratidão. A fim de assegurar seu direito sucessório, a art. 1.815 do Código Civil determina que a exclusão deverá ser feita por meio de ação, só se caracterizando a indignidade se a sentença final o proclamar. (RODRIGUES, Silvio, 2003, P. 70)

Entretanto, nesse contexto, há uma discussão relativamente atual acerca da obrigatoriedade do citado modelo procedimental. Existe o Projeto de Lei nº 7.806/2010 em trâmite no Congresso Nacional, que prevê acerca da não obrigatoriedade do ajuizamento da ação específica declaratória, que tornará a exclusão automática após a sentença criminal que condena o herdeiro ou legatário indigno.

Com isso, diante das disparidades jurídicas que circundam a problemática, o presente estudo tem o fito de realizar uma análise sobre qual o modelo procedimental adequado levando em consideração todo o ordenamento jurídico nacional, utilizando-se de uma abordagem qualitativa dialética.

Da sucessão inter vivos e causa mortis

Direito de sucessão, em sentido subjetivo, é o ato no qual se transfere os direitos e obrigações do falecido aos seus herdeiros. Dentro da perspectiva objetiva, é o conjunto de normas que regulam a sucessão de bens de uma pessoa para outra, em virtude da morte.

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Entre os contemporâneos que conceituam o Direito de Sucessão, devem-se destacar os ensinamentos de Maria Helena Diniz [1] que relata ser, “o complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro”.

A sucessão pode ocorrer de duas formas, a saber: pela sucessão inter vivos ou causa mortis. A sucessão inter vivos, nada mais é do que a transferência de bens de uma pessoa a outra, por sua própria vontade enquanto vivo, a qual ocorre através de contratos escritos ou verbais cedendo créditos a outrem.

Já a sucessão causa mortis é o ato pelo qual se transmite o patrimônio do autor da herança a outrem em virtude do falecimento de seu titular. Neste sentido, ensina Flávio Tartuce, em sua obra Direito Civil 6 Direito das Sucessões [2], que há duas espécies de sucessão causa mortis: 

Em termos gerais, duas são as modalidades básicas de sucessão mortis causa, o que pode ser retirado do art.1.786 [3] do Código Civil de 2002, sendo primaz para a compreensão da matéria sucessória. A primeira modalidade é a sucessão legítima, aquela que decorre da lei, que anuncia a ordem de vocação hereditária, presumindo a vontade do autor da herança. É também denominada sucessão ab intestato. Como segunda modalidade, a sucessão testamentária tem origem em ato de última vontade do morto, por testamento, legado ou codicilo, mecanismos sucessórios para o exercício da autonomia privada do autor da herança. (Grifo Nosso)

A lei Substantiva Civil atual dispõe que declarado o falecimento do autor da herança seus bens serão transferidos automaticamente aos seus sucessores, consoante da consequência do princípio do DROIT DE SAISINE adotado no direito sucessório. 

Causas de exclusão da sucessão pelo Instituto da Indignidade

 

Tem-se como causa de exclusão da sucessão por herdeiro ou legatário a aplicabilidade do instituto da indignidade, o qual é conceituado por Maria Berenice Dias, em sua obra Manual das Sucessões, como sendo:

 “A privação do direito hereditário cominada por lei, a quem cometeu certos atos ofensivos à pessoa ou aos interesses do antecessor”. Cabendo ser aplicado a qualquer espécie de sucessor, diferentemente da deserdação que se aplica unicamente aos herdeiros necessários do de cujus. (Grifo Nosso)

 

Os atos ofensivos explanados pela lei e comentados pela doutrinadora enquadram-se desde a atentar contra a vida, a honra do autor da herança, como também, aos membros de sua família, motivadas mediante crimes e infrações acometidas em desfavor do de cujus. Conforme dispõe o artigo 1.814[4], do Código Civil Brasileiro de 2002.

Os fatos geradores enumerados pela Lei Substantiva Civil são taxativos, não importando interpretação extensiva ou por analogia. Esse é o entendimento do eminente doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, em sua magnífica obra de Direito Civil Brasileiro- Direito das Sucessões, in verbis:

“Como mencionado, incorre na indignidade o herdeiro que tenha cometido ato lesivo à pessoa do autor da herança. Os atos ofensivos que a caracterizam encontram-se enumerados de forma taxativa no art. 1.814, retrotranscrito, não comportando interpretação extensiva ou por analogia. Não se pode, portanto, ampliar tal pena a situações não expressamente previstas.”

 

Ocorrendo essas causas, o herdeiro indigno incorrerá nas penas previstas na legislação penal com a condenação do herdeiro pela prática do ilícito, bem como, posteriormente, sofrerá a pena civil, seja ela a indignidade, que o excluirá da sucessão dos bens deixados pelo de cujus.

Da Obrigatoriedade da propositura da ação declaratória de exclusão de herdeiro ou legatário indigno.

 

A legislação Civil Brasileira possui duas formas de exclusão do herdeiro ou legatário da herança, sendo o instituto da indignidade, delineada nos artigos 1.814 e seguintes do Código Civil e, por sua vez, o instituto da deserdação, previsto nos artigos 1.961 e seguintes do mesmo códex.

Em especial ao instituto da indignidade, observa-se que trata-se de uma punição civil em que o herdeiro ou o legatário não poderá desfrutar-se do seu direito à herança, pois praticou atos de ingratidão contra o dono da herança ou contra seus próprios familiares.

 

O Código Civil de 2002 em seu artigo 1.814[5], destaca que:

CC. Art. 1.814.  São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:

 I - que houverem sido autores, coautores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade. 

 

Sobre a indignidade, leciona Maximiliano (1952, p. 90) que “na tecnologia jurídica, é uma pecha e consequente pena civil sobre si atrai o herdeiro e ou o legatário que atentar dolosamente contra a vida, a honra e ou o direito hereditário ativo daquele a quem lhe cabe suceder.”

O direito de demandar pela exclusão do herdeiro em virtude de atos de indignidade se extingue no prazo de quatro anos da abertura da sucessão, conforme dispõe o artigo 1.815 do Código Civil. Porém, segundo Gonçalves (2015, p. 126) “Morrendo o réu no curso do processo, extingue-se a ação, por efeito do princípio da personalidade da culpa e da pena ”.

 

A indignidade possui um caráter personalíssimo, porque somente irá atrair a exclusão do direito de não suceder à herança apenas para o próprio indigno, ou seja, não passará da sua pessoa, e os seus herdeiros irão suceder como se morto o indigno fosse antes da abertura da sucessão, por estirpe ou representação, conforme dispõe o artigo 1.816 do Código Civil.

 

Rodrigues (2002, p.72) defende que “sendo a exclusão uma pena, ela não pode passar da pessoa do delinquente. Daí decorre que os descendentes do excluído não ficam prejudicados pela sentença de indignidade e o sucedem, por representação, como se o indigno morto fosse”.

 

Ademais, para que ocorra a exclusão da sucessão por herdeiro indigno, também faz-se necessário que tal medida seja declarada por sentença judicial transitada em julgado, conforme preconiza o artigo 1.815 do Código Civil.

 

CC. Art. 1.815. A exclusão do herdeiro ou legatário, em qualquer desses casos de indignidade, será declarada por sentença. (BRASIL, Lei no 10.406, de 10 de Janeiro de 2002)

Corroborando a ideia, leciona Rodrigues (2003, p.70), “a exclusão do indigno não deriva apenas do ato de ingratidão. A fim de assegurar seu direito sucessório, a art. 1.815 do Código Civil determina que a exclusão deverá ser feita por meio de ação, só se caracterizando a indignidade se a sentença final o proclamar.”

Nesse sentido, preceitua Washington de Barros Monteiro:

 A indignidade não se opera ipso jure. Trata-se de pena que só se aplica mediante provocação dos interessados. Para que se exclua o herdeiro da sucessão preciso se torna que a indignidade seja reconhecida por sentença, proferida em ação ordinária com esse escopo pelo interessado. A indignidade depende, portanto, de procedimento judicial, sendo pronunciada officio judicis. (MONTEIRO, Washington de Barros, 2003, p. 67)

Para Gonçalves (2015, p. 123), “a exclusão do indigno depende, pois, de propositura de ação específica, intentada por quem tenha interesse na sucessão, sendo decretada por sentença, de natureza declaratória.”

 

O entendimento jurisprudencial dominante agasalhado nos nossos tribunais caminha no sentido de que é obrigatório o ajuizamento de ação ordinária na esfera cível, para o reconhecimento da indignidade do herdeiro ou legatário.

 

Ratificando essa ideia, transcreve-se o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, in verbis:

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. EXCLUSÃO. HOMICÍDIO. A exclusão do herdeiro ou legatário, em caso de indignidade, será declarada por sentença, nos termos do art. 1815 do Código Civil. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70051505394, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 15/10/2012) (TJ-RS - AG: 70051505394 RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 15/10/2012, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 17/10/2012)[6]

 

Contudo, a problemática ocorre quando se questiona sobre a aplicabilidade imediata da sentença penal condenatória para exclusão de herdeiro ou legatário indigno, já que nos autos criminal a ingratidão do herdeiro ou legatário já restou devidamente comprovada.

 

Em defesa, existe uma doutrina minoritária no sentido de que se o herdeiro ou legatário foi condenado criminalmente pelo homicídio doloso contra o hereditando, não necessita de novo procedimento, podendo a sentença ser utilizada pelo próprio juiz do inventário.  

 

Com o intuito de trazer celeridade no processo para reconhecimento da exclusão do herdeiro, o Projeto de Lei nº 7.806/2010 de autoria da Senadora Serys Slhessarenko prevê a desnecessidade da Ação Declaratória de Indignidade, tornando a exclusão automática após a sentença criminal em desfavor do herdeiro indigno.

 

O projeto de lei supramencionado acrescenta ao art. 1.815-A a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002[7] para determinar, nos casos de indignidade, que o trânsito em julgado da sentença penal condenatória acarretará a exclusão imediata do herdeiro ou legatário indigno.

 

A partir do projeto de lei, qualquer dos interessados na sucessão não precisarão demandar em juízo para o reconhecimento da indignidade do herdeiro ou legatário. Com a condenação criminal do indigno, o juiz do competente para processar o inventário poderia utilizá-la para excluir o herdeiro ou legatário da sucessão, aplicando todas os efeitos cabíveis.

 

Com efeito, não pairam dúvidas de que a aprovação desse Projeto de Lei diminuiria as delongas no processo para o reconhecimento da exclusão do herdeiro ou legatário por indignidade, ou seja, não seria mais necessário aos interessados proporem uma ação cível no judiciário.

Porém, atualmente, a doutrina majoritária não caminha no sentido do projeto de lei acima mencionado. Embora a condenação criminal tenha um valor probatório, é imprescindível que haja o reconhecimento da indignidade no juízo cível.

 

Esse é o entendimento de Gonçalves (2015, v. 7, p. 124):

 

Malgrado em alguma opinião contrária, no sentido de que, se o homicídio contra o hereditando foi reconhecido em sentença criminal transitada em julgado, não se justifica novo procedimento, podendo a sentença ser dada pelo próprio juiz do inventário, predomina a doutrina o entendimento que, embora tal condenação tenha um valor probatório inegável, é indispensável a provocação da exclusão em processo próprio no juízo cível.

 

Entretanto, apesar de alguma opinião contrária, conforme a legislação atual, a doutrina majoritária, as decisões que dormitam nos nossos tribunais, artigos, sites jurídicos e demais fontes de pertinentes ao presente estudo, não resta dúvidas de que necessário é o ajuizamento de ação declaratória para o reconhecimento do herdeiro ou legatário indigno.

 

Sobre os autores
Marcos Siqueira Silvério

Graduando em Direito pelo Centro Universitário Leão Sampaio - UNILEÃO em Juazeiro do Norte/CE.

Marcos Robério Bezerra e Silva

Graduando em Direito pelo Centro Universitário Leão Sampaio - UNILEÃO, em Juazeiro do Norte/CE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVÉRIO, Marcos Siqueira; SILVA, Marcos Robério Bezerra. A obrigatoriedade de ação declaratória na esfera civil para o reconhecimento da indignidade do herdeiro ou legatário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5030, 9 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55991. Acesso em: 24 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado ao professor da Disciplina de TCC - I do Curso de Graduação em Direito da Universidade de Ciências Aplicadas Dr. Leão Sampaio - UNILEÃO.

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