A ação rescisória deve ser entendida como ação autônoma de impugnação, que tem por finalidade retirar a validade de provimento judicial injusto, porém válido, e conceder-lhe nova definição jurídica, o que se difere da ação anulatória. Ressalta Didier (2016, página 422) “não se deve, portanto, estabelecer uma relação necessária entre os defeitos processuais e a ação rescisória, pois esta tem espectro mais amplo, servindo também a situações de injustiça”.
As ações aptas à rescisão judicial são existentes, pois preenchem os requisitos para constarem no mundo jurídico, bem como é indiferente a possibilidade de serem ou não viciadas por nulidades relativas ou absolutas, vez que estas se convalidam com o trânsito em julgado do decisório.
Destarte, mesmo com a propositura da ação rescisória, a decisão rescindenda ainda é exequível, salvo quando há a concessão da tutela provisória, fato este que ressalta a sua validade e eficácia.
Ademais, as hipóteses de ação rescisória são definidas por opção política do legislador, que elencou no rol taxativo do artigo 966 do CPC/2015 as ocorrências processuais que entendeu serem injustas e, portanto, passíveis de mitigação da segurança jurídica.
Não há um padrão específico para a constituição do rol que elenca as possibilidades de interposição de tal ação, as razões para tal regulamentação residem tão somente na convicção do legislador acerca do injusto.
Por outro lado, todas as nulidades se convalidam com o trânsito em julgado, de forma que não é correta a afirmação de que as nulidades absolutas permitem o ingresso de ação rescisória. Aquilo que antes do trânsito em julgado era considerado uma nulidade absoluta, após esse momento procedimental pode tornar-se, por vontade do legislador, um vício de rescindibilidade, sendo esse o vício que legitima a ação rescisória. Ademais, é importante notar que mesmo as sentenças válidas poderão ser desconstituídas pela ação rescisória, como ocorre, por exemplo, na hipótese de rescisória com fundamento em documento novo. (NEVES, 2016, item 62.2).
Cabe ressaltar que, os atos de disposição de direitos ou praticados no curso da execução, que sejam homologados judicialmente, desafiam a interposição de ação anulatória. Como se abstrai do trecho abaixo não prevaleceu a tese de que ação rescisória é o recurso válido para anulação de decisão que homologa acordos havidos entre as partes:
Havia uma novidade quanto ao tema no projeto de lei aprovado na Câmara: um dispositivo que previa que o ato negocial praticado pela parte ou por participante do processo, inclusive no cumprimento de sentença e no processo de execução, homologado ou não em juízo, estaria sujeito à invalidação, nos termos da lei. Ademais, no mesmo dispositivo, havia a previsão de que a regra não se aplicaria quando o pronunciamento homologatório resolvesse o mérito e transitasse em julgado, caso em que seria cabível ação rescisória, nos termos do art. 963. No texto final do Novo CPC, o Senado resolveu esse impasse ao suprimir o dispositivo criado na Câmara, passando a prever expressamente no § 4.° do art. 963 que os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei. Como se pode notar, a solução se deu em sentido inverso daquele constante do projeto de lei aprovado na Câmara, afastando-se definitivamente o cabimento de ação rescisória de sentença homologatória, mesmo após seu trânsito em julgado. (ASSUMPÇÃO, 2015, página 921).
Nos moldes da legislação anterior, o novo código também não dispôs acerca do foro competente para a propositura da ação, contudo, previu que a propositura da ação rescisória em juízo incompetente tem por efeito a extinção do feito.
Seguindo a tradição do CPC/1973, o Novo Código de Processo Civil não versa sobre a competência para o julgamento da ação rescisória, mas traz importante novidade quanto ao tema da incompetência. Atualmente, a incompetência absoluta do tribunal leva à extinção terminativa da ação rescisória, não havendo remessa da ação de um tribunal para outro. Contra essa conduta, o art. 965, § 6.º, do Novo CPC prevê expressamente a remessa dos autos ao tribunal competente. (ASSUMPÇÃO, 2015, página 925).
Ressalta-se que, sob a égide do CPC/2015, houve considerável ampliação das hipóteses de cabimento da ação rescisória, em razão da alteração dos termos dispostos na norma legal. Anteriormente, constava expresso que a “sentença” seria o provimento judicial hábil a permitir a propositura da ação, contudo, na atualidade, as interpretações acerca da temática foram uniformizadas, por restar previsto que basta que sejam decisões judiciais para cabimento da ação rescisória.
O art. 966 do CPC prevê a possibilidade de ação rescisória contra decisão de mérito transitada em julgado. O art. 485 do CPC-1973 continha a expressão "sentença de mérito". A mudança do termo "sentença" por "decisão" não foi ocasional. O propósito é evidente: permitir o ajuizamento de ação rescisória contra qualquer tipo decisão de mérito: decisão interlocutória,, sentença, decisão de relator ou acórdão. Não importa a espécie de decisão: tendo transitado em julgado, é rescindível.
A mudança está em consonância com o sistema do CPC, que permite a prolação de decisões parciais: aquelas que dizem respeito a apenas parcela do objeto litigioso. Há previsão expressa de julgamento antecipado parcial do mérito (art. 356, CPC), de homologação de auto comosição parcial e de reconhecimento de decadência ou prescrição de um dos pedidos cumulados (DIDIER, 2016, página. 422).
O prazo para a propositura da ação é idêntico nos códigos de processo civil de 1973 e de 2015, porém, a legislação vigente inovou ao prever que o marco inicial será computado a partir da última decisão da demanda, determinando que nas hipóteses de inadmissibilidade de recurso o prazo de dois anos será iniciado com a decisão de inadmiti-lo.
O art. 972, caput , do Novo CPC mantém o prazo de dois anos para a propositura da ação rescisória, deixando claro que o termo inicial desse prazo é o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. A previsão é importante para evitar discussões a respeito da eficácia ex tunc ou ex nunc da decisão que inadmite o recurso, consagrando-se legislativamente o entendimento de que mesmo a decisão que inadmite o recurso deve ser considerada para fins de determinação do trânsito em julgado. (ASSUMPÇÃO, 2015, página 927).
Nesses termos, tem-se a observância da regra geral de que a interposição de recursos em sentido estrito afasta a ocorrência do trânsito em julgado, que outrora foi atribuído com efeitos ex tunc sob decisões impugnadas, após ter sido inadimitido o recurso.
Observa-se ainda que, se trata de prazo decadencial, não podendo sofrer interrupção, de forma que, ao ser finalizado, tem o condão de extinguir o próprio direito material que detinham as partes.
É tranquilo o entendimento de que no prazo de dois anos a parte não perde o direito à ação rescisória, mas o próprio direito material de desconstituir a decisão, de forma que o prazo de dois anos tem natureza decadencial. (MOREIRA, 1981, página 844)
Conclui-se que, com a mudança do código que rege o processo civil, a ação rescisória suportou poucas alterações estruturais, mantendo-se basicamente com a mesma definição jurídica.
Hipóteses de interposição da ação rescisória
A propositura da ação rescisória só é admitida quando atacar decisão de mérito transitada em julgado e, em casos excepcionais, admite-se que impugne provimentos judiciais que não resolvam o mérito da demanda, que somente estejam aptos a produzir a coisa julgada formal.
Decisões que ponham fim ao processo, sem resolução de mérito, podem ser objeto de rescisão quando impedirem a prática de atos processuais, por impedirem a propositura de recursos ou por afastarem a possibilidade de re-propositura da demanda.
A legislação processual não exige que a decisão rescindenda seja de caráter terminativo, ou seja, que ponha fim a fase instrutória do procedimento judicial. Para tanto, requer tão somente que a decisão resolva o mérito de determinado pedido contido na demanda.
Os atos judiciais se bifurcam em 3 espécies, quais sejam: sentenças ou acórdão, decisões interlocutórias, despachos. Sendo que as sentenças são oriundas de pronunciamentos singulares, conquanto os acórdãos decorrem de decisórios colegiados.
Admitir-se-á a propositura da mencionada ação quando constatado que autoridade judicial praticou ato ilícito vinculado à prolação da decisão, constituído pronunciamento viciado em razão da prática de um dos delitos próprios, que exigem a condição especial do agente de funcionário público para a sua configuração, quais sejam, concussão, prevaricação ou corrupção.
A segunda hipótese de cabimento da ação se dá quando a demanda rescindenda teve a sua decisão proferida por juízo impedido ou absolutamente incompetente, para tanto, não sendo cabível, quando houver suspeição ou impedimento relativo do juízo. O legislador optou por destinar tal medida a vícios que podem diretamente ocasionar parcialidade do juízo ou afrontar o princípio do juiz natural, o que enfatiza novamente o caráter excepcional da ação rescisória, que não irá ser aplicada quando não se evidencia qualquer prejuízo à obtenção de uma solução justa, consoante os padrões legais.
Os incisos III e VI do artigo 966 do CPC/2015 regulamentam a rescisão do provimento judicial que contenha fraudes, dispondo que poderá ocorrer quando da ocorrência de dolo ou coação da parte que logrou êxito na demanda em detrimento da parte vencida, na simulação ou colusão com a finalidade de fraudar a lei ou na junção de provas falsas que tenham fundamentado o pronunciamento judicial e que tenham sua falsidade apurada no bojo da própria ação ou em procedimento criminal.
Admite-se, ainda, a interposição da ação rescisória sob o fundamento de que ofende a coisa julgada, viola manifestamente norma jurídica, não se admitindo que o pedido do autor esteja embasado em entendimento doutrinário controverso, bem como for fundado em erro de fato, a ser verificado nos autos da própria ação.
Por fim, a ação rescisória pode ser proposta quando o interessado obtém nova prova que possa dar azo, por si só, a pronunciamento judicial diverso, desde que não se ignorava sua existência ou por qualquer razão não possa tê-la juntado aos autos da ação em momento prévio.