Palavras-chave. Alteração do prenome. Descumprimento do "poder familiar" por parte do pai. Possibilidade.
Resumo: O nome dos filhos é atribuição conjunta de ambos os pais. Quando um deles descumpre acordo havido sobre o nome a ser dado aos filhos, impende ação de retificação de prenome, com vistas a preservar o exercício do poder familiar da mãe.
Sumário: 1. Introdução; 2. Da origem do nome; 3. Do Poder Familiar; 4. Da mutabilidade do nome; 5. Da possibilidade de transformação do prenome composto; 6. Da inexistência de danos a terceiros; 7. Necessidade de preservação do núcleo familiar; 8. À guisa de conclusões; 9. Bibliografia.
1. Introdução
Trata-se de um caso concreto e bastante pitoresco. Um casal teve a saborosa surpresa de saber que a mulher estava grávida. Motivo de festa para toda uma família!
Tão logo descoberta a notícia, começaram as especulações sobre o nome a ser dado à futura criança. Se fosse menina, decidiram de comum acordo, chamar-se-ia Cláudia [1].
E assim se deu. Pelo ultra-som, descobriram que se tratava de uma menina. Cláudia estava porvir.
O enxoval todo constou o nome de Cláudia. Pais, avós, tios, amigos, todos, chamavam a criança apenas de Cláudia.
Contudo, quando do seu nascimento, por a mãe estar acamada, o pai corre a fazer o registro, e dá à menor o nome de Ana Cláudia.
Dada a notícia à mãe, está se vê verdadeiramente desrespeitada, humilhada, enganada...Cai em profunda depressão. Simplesmente abomina o nome dado à filha, a ponto de nunca chamá-la pelo nome de registro e ordenar aos achegados que também assim ajam.
O relacionamento do casal degringola. A harmonia simplesmente se desfaz. Por um ato impensado do pai, a família, recém aumentada, está sob o risco da derrocada.
Novamente conversam sobre o fato, e o pai reconhece o erro e permite que o nome da filha seja alterado para Cláudia, tal como era previsto antes do nascimento.
Ocorre, contudo, que esbarram na previsão legal da inalterabilidade do prenome. Então, pergunta-se: estaríamos perante um caso de alteração do prenome sem previsão expressa em lei? Ou o princípio da inalterabilidade do
2. Da origem do nome
"Nomem est quod uni cuique personae datur, quo suo quaeque proprio et certo vocábulo appellatur" [2]
A identificação de uma pessoa se dá pelo seu nome, que a individualiza; pelo estado, que define sua posição na sociedade política e na família, como indivíduo; e pelo domicílio, que é o lugar de sua atividade social. [3]
À nossa pesquisa interessa tão-somente o nome, que vem a ser a identificação da pessoa natural. É o principal elemento de individuação de homens e mulheres. Tem importância não apenas jurídica, mas principalmente psicológica: é a base para construção da personalidade. [4]
Maria Helena Diniz [5] assim define o nome:
"O nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade; daí ser inalienável, imprescritível."
De fato, o nome está inserido no vasto rol dos direitos de personalidade, que gozam de especial proteção da lei. Aliás, Washington de Barros Monteiro [6] argumenta que "o nome é dos mais importantes atributos da personalidade, justamente por ser o elemento identificador por excelência da pessoa."
Neste desiderato, o artigo 16, do Código Civil brasileiro, assegura que "toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome." Recebe-o ao nascer e conserva-o até sua morte.
Ainda, segundo Washington de Barros Monteiro [7]:
"Em todos os acontecimentos da vida individual, familiar e social, em todos os atos jurídicos, e todos os momentos, o homem tem que se apresentar com o nome que lhe foi atribuído e com que foi registrado. Não pode entrar numa escola, fazer contrato, casar, exercer um emprego ou votar sem declinar o próprio nome".
De fato, no volver da história, o nome das pessoas sempre ocupou um papel de imprescindibilidade. Entre os gregos, esse nome era único e individual (Sócrates, Sófocles etc). Aliás, essa era a tendência dos povos da Antiguidade [8]. Coube aos hebreus o início da inclinação em se assegurar o sobrenome enquanto característica da família a que pertencia a pessoa. Assim, nomes como José, filho de Jacó, Davi, filho de Jessé etc, passaram a ser comuns entre os judeus do passado.
Os romanos tinham, basicamente, três nomes: o prenome, para distinção entre os membros da família; o nome, que se referia à família (gens), e o cognome, que distinguia as diversas famílias de uma mesma gens. [9]
Os saxões incorporaram son para demonstrar que alguém era filho de outro. Assim, Peterson era o filho de Peter.
No sistema brasileiro atual, o nome da pessoa compõem-se de um prenome e do respectivo apelido de família. Prenome é a expressão que invidualiza a pessoa, ao passo que o sobrenome é o nome de sua família. Portanto, todos têm direito de serem individualizados dentre os integrantes de sua família. [10]
Conforme Fábio Ulhoa Coelho [11], "quem atribui o prenome à pessoa são os seus pais, em conjunto", salvo se um deles estiver falecido quando do registro do nascimento.
Pontes de Miranda [12] também advoga que a imposição do nome aos filhos é tarefa de competência de ambos os pais:
"A imposição do prenome compete aos pais; não necessariamente ao pai. Se esse é que comparece a registro, o prenome é o que ele impõe. Se é a mãe, nada tem de inquirir o oficial do registro, quanto ao prenome que o pai preferiria. Ambos têm o dever de cuidar do filho (art. 384, II), que é distinto do dever de registrá-lo;
Assim, a imposição do nome aos filhos é tarefa conjugada a ser exercida por ambos os pais.
3. Do Poder Familiar
Dita o artigo 1630, do Código Civil brasileiro, que "os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores." Em seu texto o Código Civil altera a expressão "pátrio poder", substituindo-a pela expressão "poder familiar". A principal importância relativa a essa mudança seria o fato de que "há muito tempo o poder familiar não é mais tido como um direito absoluto e discricionário do pai, mas sim como um instituto voltado à proteção dos interesses do menor, a ser exercido pelo pai e pela mãe, em regime de igualdade, conforme determina a Constituição Federal..." [13]
Com efeito, o "poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores". [14]
Para Silvio de Salvo Venosa [15] "o poder paternal já não é, no nosso direito, um poder e já não é, estrita ou predominantemente, paternal. É uma função, é um conjunto de poderes-deveres, exercidos conjuntamente por ambos os progenitores."
Deveras, nem poderia ser diferente, na medida em que a Constituição Federal disciplina, em seu artigo 5º, I que "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição", e no artigo 226, § 5º que "os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher".
Deste modo, sob o manto da igualdade entre os cônjuges, prevista inclusive em nível constitucional, nosso atual Código Civil, no artigo 1631, assegura que o poder familiar será exercido por ambos os cônjuges, assegurando-se a qualquer um deles, em caso de discordância, buscar o poder judiciário. É de se ver, in verbis:
Art. 1631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.
Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.
Igual redação se extrai do artigo 21, do Estatuto da Criança e do Adolescente:
Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Tem-se, pois, de maneira irrefutável, que o poder familiar é exercido em conjunto.
José Maria Catán Vasques [16] adverte que "las funciones atribuidas a los padres tienem su fundamento en el Derecho natural. Se advierte aqui, uma vez más, el fondo ético e la institución." E acrescenta: "Se habla así del deber de los padres de dar nombre al hijo y obrar para la tutela del nombre".
Logo, vê-se que o direito à aposição do nome ao filho é decorrência do poder familiar (antigo pátrio poder), a ser exercido pelos pais.
Maria Celina Bodin de Moraes também é no mesmo pensar: [17]
"A escolha do prenome deve ser feita pelos pais, em respeito ao teor do art. 226, § 5º, da CF (a previsão de igualdade dos cônjuges) c/c o art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente (i. é, atribuição do pátrio poder a ambos os genitores). Embora a Lei de Registros Públicos incumba ao pai, e apenas em sua ausência à mãe, o dever de proceder à declaração do nascimento do filho (art. 52), a escolha do prenome da criança caberá a ambos os genitores, não havendo mais qualquer justificativa que possa excluir a mãe desta decisão."
Cônsono Limongi França [18], existe o "direito de por e tomar o nome e o direito ao nome propriamente dito". Na seqüência, esclarece que direito de por o nome é a prerrogativa que alguém tem de atribuir a outrem certa designação personativa, cabendo-lhe, em especial, aos pais. Argumenta que se o nome foi atribuído por quem não tinha o direito de o fazer, isso emergeria como causa justificativa da alteração do nome. Reporta-se ao artigo 82, do Código Civil de 1.916, que reclama agente capaz para a validade dos atos jurídicos. Por conseguinte, se quem apontou o nome ao registro não podia fazê-lo, o ato jurídico seria nulo. [19]
Por conseguinte, cabe a ambos, em iguais condições, o exercício do pátrio poder (ou modernamento poder familiar). E em caso de discordância, permite-se-lhes o socorro ao judiciário, conforme previsto nos já citados artigos 1631, do Código Civil, e 21, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que destacam que "divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo." [20]
Vê-se, então, que o comportamento do esposo, em desrespeitar o ajuste do casal quanto ao nome da filha, fere de morte o exercício conjunto e igualitário do poder familiar. Assim, com vistas a reparar o ilícito, impõe-se a alteração do registro civil.
4. Da mutabilidade do nome
Conquanto, em tese, o nome da pessoa seja imutável, a jurisprudência, a doutrina, e mesmo a história, estão recheadas de casos em que se impunha a modificação das designações pessoais. Pontes de Miranda [21] sustenta que:
"No terreno fático, as pessoas, em Roma, podiam mudar o nome, no prenome, ou no sobrenome, ou todo ele, se o fazia sem fraude (sine aliqua fraude). Já o ser exigida a ausência de fraude era novo. O mesmo ê dizer-se que se tinham a aposição, o uso e a mudança dos nomes como acontecimentos do mundo fático, só interessando, como tais, ao mundo do direito, e não como fatos jurídicos; porque, ainda no caso de mudança com fraude (L.única, C., de mutatíone nominis, 9, 25), era a fraude que entrava como fato (jurídico) ilícito. Não nos parece que se possa ler a Constituição de Diocleciano e Maximiano como enunciadora de princípio de não entrada da mudança no mundo jurídico. Não se disse que a mudança não entrava, e sim que a mudança com fraus era ilícita (no sentido de contrária ao direito). Certamente, quando Baldo disse: "Mutatio nominis non fraudulosa libero homini est permisso" e os outros o repetiram, deram azo a que se pensasse em limitação ao dogma romano da livre mutabilidade do nome."
Vê-se, então, que Roma tinha por regra a modificação do nome, desde que não houvesse intuito fraudulento.
Contudo, nosso atual regime abona a tese da definitividade do nome, na medida em que a Lei 6015, de 31-12-73, no artigo 58, reza, in verbis: "O prenome será definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios."
Todavia, na jurisprudência, vem se sedimentando que a regra da imutabilidade é de ser abrandada, para se atender ao uso, constante, diuturno, que se faz do nome que se porta, não apenas como o meio de identificação, ou sinal exterior distintivo da pessoa, mas também, e principalmente, considerando o direito da personalidade ao nome [22].
Logo, em casos excepcionais, poderá ser deferida a modificação do nome. Fábio Ulhoa Coelho [23] assim os descreve:
"Em casos excepcionais, porém, é possível sua mudança, a saber: a) vontade do titular, no primeiro ano seguinte ao da maioridade civil; decisão judicial que reconheça motivo justificável para alteração; c) substituição do prenome por apelido notório; d) substituição do prenome de testemunha de crime; e) adição ao nome do sobrenome do cônjuge; f) adoção."
Maria Helena Diniz [24] ainda sugere que poderia haver essa alteração em casos de "embaraços no setor comercial ou em atividade profissional, evitando-se homonímias".
Ademais, Limongi França relembra que era de nossa cultura jurídica a mutação do prenome por causas justificativas:
"Entre nós, no direito anterior ao Regulmaento nº 18.542, apesar do art. 25 do Decreto nº 9.886, de 1888, só permitir o suprimento ou restauração do registro civil, "mediante justificação com as formalidades legais", foi uso consagrado a modificação do nome, quer para evitar confusão, quer para fins comerciais, quer ainda por motivo ético respeitável."
Maria Helena Diniz [25], ao admitir que a imutabilidade do prenome deve ser relizativizada em casos excepcionais, sugere que o nome prevalente deve ser aquele pelo qual a pessoa é conhecida, e não a constante do registro. Neste desiderato: "A jurisprudência tem entendido que o prenome deve constar do registro é aquele pelo qual a pessoa é conhecida, e não aquele que consta do registro".
E, de fato, razão assiste à ilustre autora. O Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, já decidiu que "nada impede que se abra exceção ao artigo 57 da LRP, quando a pessoa interessada sempre foi conhecida pelo nome que deseja adotar" [26]. Neste julgamento, autorizou-se que Maria Aparecida Melo passa-se a se chamar Maria Luciana.
No mesmo sentido houve nova decisão deste Tribunal determinando-se a alteração de um prenome de Bernardo para Victor, na medida em que o indivíduo era conhecido por Victor, não obstante seu registro conter Bernardo [27]
É lapidar a lição que se extrai do aresto relatado pelo Desembargador Nogueira Garcez, nos idos de 1978 [28]: "prenome imutável é aquele que foi posto em uso, embora não conste do registro".
Portanto, a regra da imutabilidade do prenome destina-se a garantir a permanência daquele com que a pessoa se tornou conhecida no meio social [29].
Além disso, Nelson Martins Ferreira [30], sustenta que a imutabilidade do prenome não deve ser entendida num sentido absoluto, sendo a retificação admitida por interpretação humana e social dos dispositivos legais. Na seqüência, o mesmo autor, reportando-se à jurisprudência que cita, traz interessante acórdão lavrado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo [31], que também admite a mutação do prenome:
"No exato dizer de Erich Danz, "a vida não está a serviço dos conceitos, mas sim estes ao serviço da vida." Seria absurdo que, pelo respeito supersticioso da letra de um aritgo de lei, se forçasse uma pessoa a mudar de nome. Prenome imutável é aquele que foi posto em uso, embora não constante de registro. O que a lei quer é que não haja alteração do prenome no meio social, e não no livro de registro."
Conquanto a Lei brasileira tenha adotado a imutabilidade do prenome (artigo 58 da LRP), não pode o seu aplicador ignorar a realidade existencial das pessoas, posto que, a intransigência formal não impede sejam examinados e considerados os fatos que podem causar a infelicidade de determinada pessoa.
Saliente-se que, com freqüência, se vê nos votos permissivos da alteração de prenome o argumento de que "a alteração permitida não é apenas com relação ao nome em si, suscetível de expor ao ridículo o seu portador, mas ao nome ligado a circunstâncias particulares, nas quais se pode atender ao elemento psicológico do interessado".
Infere-se, pois, que a modificação do prenome é de ser aceita, ainda que excepcionalmente.
5. Da possibilidade de transformação do prenome composto
O nome Ana Cláudia é, por assim se dizer, um prenome composto. Conforme Maria Helena Diniz [32], o "prenome pode ser simples (João, Carlos) ou duplo (José Antônio, Maria Amélia) ou ainda triplo ou quádruplo, como se dá nas famílias imperiais.
Neste passo, o artigo 58, da Lei de Registros Públicos, permite a transformação de prenome simples em prenome composto, como por exemplo, de Angelino para Angelino Francisco [33]
Portanto, admite-se modificação do prenome simples para prenome composto. Pela mesma razão, há de se admitir a modificação do prenome composto para prenome simples. Neste diapasão são os ensinamentos de Washington de Barros Monteiro [34]:
"De modo idêntico, não infrigne o disposto no artigo 58 simples acréscimo ou justaposição de outro nome ao já usado pelo registrado.
Pela mesma razão, permite-se a transformação de prenome simples em composto, ou de simples em duplo e vice-versa (por exemplo, de Elisa Ercília para Elisa.
Outra razão adicional para a autorização da retificação do registro civil no caso comentado.
6. Da inexistência de danos à terceiro
Outrossim, segundo remansosa jurisprudência, não poderia caber a alteração do prenome se houvesse intuito fraudulento ou doloso. E no caso em tela, esse vícios estão de pronto afastados.
No caso em tela, a infante contava com menos de 01 (um) ano. Em razão disso, ainda não detinha vida social nem tampouco um conhecimento público e generalizado. A eventual modificação de seu prenome em nada afetaria as relações com terceiros, e sequer lhe atingiria, na medida em que ainda não tem a exata compreensão dos fatos.
Acrescente-se, ainda, que é conhecida pelos seus parentes e amigos como Cláudia, exatamente o nome que pretende. Destarte, não há a menor possibilidade de danos em relação a terceiros.