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Indenização: erro judiciário e prisão indevida

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Revisão Criminal

Dispõe a legislação processual penal, no art. 621, a hipótese de revisão da sentença para análise de fatos que demonstrem algum equívoco nela contido, responsabilizando-se o Estado (art. 630, CPP) pelos prejuízos causados em razão do erro, independentemente do término da pena imposta (art. 622, CPP).

Sustenta Canotilho:

‘Entende-se hoje que o cidadão inocente, após sua reabilitação em processo de revisão, tem verdadeiro direito subjetivo à reparação dos danos. A reparação dos erros judiciários configura-se como responsabilidade por atos lícitos. A inocência, posteriormente demonstrada, virá revelar, sim, um sacrifício individual e grave, absolutamente inexigível sem compensação. A culpa do condenado torna legítimo o exercício do jus puniendi e isentará o Estado do dever de qualquer prestação ressarcitória, a sua inocência não perturba a legitimidade do ato jurisdicional, mas torna obrigatória a atribuição ao lesado ou herdeiros de uma justa indenização’ [54].

Argumenta Mário Guimarães que os juízes não são responsáveis pelos danos que suas decisões erradas possam causar, ponderando Pedro Lessa que a resposta a questão de quais atos podem gerar responsabilidade baseia-se na coisa julgada, pois, se o lesado pela sentença definitiva pudesse levantar a questão da responsabilidade do Estado, abriria um "novo litígio sobre a questão já ultimada". Conclui o último autor que somente nos casos de revisão e de rescisão de sentença haveria possibilidade de ressarcimento do prejuízo infligido por uma sentença ilegal [55].

Philippe Ardant corrobora com o argumento da res judicata, afirmando que mais vale uma injustiça, do que a subversão da própria justiça [56].

Rui Stoco defende a corrente doutrinária que se manifesta no sentido de que há necessidade de desconstituição e cessação dos efeitos do julgado de que não cabe mais recurso, através da revisão criminal, como condição fundamental para o reconhecimento do erro judiciário e a declaração do dever de indenizar do Estado. Conclui que só a procedência da ação de revisão criminal (de caráter constitutivo-negativo e natureza dúplice: penal e civil, pois tem o poder de desconstituir a condenação anterior, de declarar a ocorrência de erro e de reconhecer o direito à reparação do dano material) não significa, por si só, o reconhecimento do erro judiciário, nem faz surgir o dever de reparar. O Tribunal ao apreciar a ação revisional não pode, ex oficio, condenar o Poder Público a reparar o erro judiciário [57].

Manifesta-se Nucci, observando:

‘A natureza jurídica da decisão impositiva de indenização é condenatória, não se tratando de mero efeito da procedência da ação revisional. Justamente por isso, precisa haver requerimento do autor para que seja reconhecido esse direito’ [58].

O estudo da ação de revisão criminal nos leva a conclusão de que o juízo cível não tem competência para reconhecer erro judiciário decorrente de sentença criminal, pois, conforme estabelece o art. 630, §1º, do Código de Processo Penal, somente incumbe a este juízo a liquidação e a apuração do quantum da indenização.

No entanto, não sendo hipótese de revisão criminal, acreditamos que nada impede que o juízo cível reconheça eventual erro judiciário ou judicial, determinando o dever de indenizar. Ademais, ainda que não reconhecida a obrigação em revisão criminal, o ingresso da ação indenizatória nos parece permitido se baseada em outros fundamentos que não a sentença objeto de revisão.

Outrossim, cremos que a matéria referente à indenização não deve ser discutida na revisão criminal, pois, poderia influenciar no julgamento do mérito fazendo com que o tribunal deixe de declarar a absolvição em razão da indenização. Além disso, haveria necessidade de citação da Fazenda Pública, pois, não há como condenar o Estado ao pagamento de uma indenização sem que este participe do processo de revisão criminal.


Causas excludentes de responsabilidade

Já salientado que o Estado responde pelos atos jurisdicionais de forma objetiva, vale dizer, a ele incumbe a tarefa de comprovar que não contribuiu para o prejuízo que atingiu o lesado.

Assim, temos que excluído restará o dever de indenizar, nos casos em que o Estado comprovar que o dano ocorreu por força maior, culpa exclusiva do lesado, culpa exclusiva de terceiro, estado de necessidade, ou culpa concorrente da vítima, hipótese esta em que responderá o Estado proporcionalmente pela sua quota no dano.

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Importante a observação de Rui Stoco a respeito do estado de necessidade como causa excludente da responsabilidade estatal, pois, em se tratando de responsabilidade objetiva do Poder Público, não se pode considerar as situações personalíssimas da legítima defesa, do estado de necessidade ou de estrito cumprimento do dever legal, na atuação do agente público (que se classificam como excludentes de ilicitude), como causas excludentes de responsabilidade da pessoa jurídica de direito público, se não se provar culpa exclusiva da vítima, pois, se não se caracterizam como ilícito penal ou civil para o agente, não têm o condão de romper o liame causal para o Estado [59].

Complementa Laspro, a respeito do estado de necessidade, que este somente excluiria o dever de reparação estatal nos casos de estado de sítio ou estado de defesa [60].

Poder-se-ia, inclusive, discutir, nos casos em que permanecer comprovada a culpa de terceiro, se o Estado deveria ressarcir o lesado e exercer seu direito regressivo contra o causador do dano.

A princípio, parece-nos que não, pois a Constituição Federal é explícita ao fixar a responsabilidade do Estado pelos atos praticados por seu funcionário. Assim, entendemos que se o terceiro causador do dano não exercer função pública, cumpre ao lesado buscar a devida reparação contra este e não contra o Estado, excluídas as hipóteses de erro judiciário ou prisão indevida, em razão da teoria do risco administrativo.

Seria o caso, por exemplo, de culpa ou dolo exclusivos do advogado do lesado, o que caracterizaria, a princípio, culpa exclusiva da vítima, considerando que este o representa e, nada tem a ver o Estado se o lesado escolheu mal seu procurador. Assim, o lesado deve ingressar com a ação competente diretamente contra seu advogado, eximindo-se o Estado de qualquer responsabilidade.


Da indenização

Conforme estabelece o art. 206, §3º, V, do Código Civil, prescreve em três anos o direito a pretensão pela responsabilidade civil.

Dispunha o Código Civil de 1916, no seu art. 178, §10, VI, combinado com o art. 1º, do Decreto nº 20.910/32, que a prescrição do direito ou ação contra a Fazenda estadual, municipal ou federal, era de cinco anos, contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

A nova legislação civil, no entanto, optou por excluir determinado dispositivo, abrangendo as hipóteses de responsabilidade civil, de forma genérica, estipulando o prazo de três anos.

Essa alteração é criticada por Rui Stoco:

"Ora, se estabelece o prazo prescricional de cinco anos para manifestar a pretensão por danos causados por fato do produto ou do serviço (CDC, 27) e para as ações de responsabilidade civil contra as pessoas jurídicas de direito público (Fazenda Pública), nada justifica que, para as ações da mesma natureza, fincadas na lei civil codificada, o prazo seja de apenas três anos. A previsão do prazo menor, em detrimento da vítima, resvala no princípio constitucional da isonomia, posto que ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositio" [61].

Parece-nos que as críticas relacionadas ao prazo prescricional são de grande valia pois, não é justificável o prazo de três anos estipulado de forma genérica na legislação civil, o qual, nessas hipóteses, careceriam de imprescritibilidade, ou, quiçá, ser fixado conforme o prazo prescricional da pena máxima em abstrato imposta para o crime imputado ao lesado.

Em relação ao quantum indenizatório, diante da ocorrência de danos patrimoniais causados pelo Estado (perda de dia de trabalho por prisão indevida, demissão do emprego, gasto com a contratação de advogado etc), o cálculo se torna mais simples do que aquele que se relaciona aos danos de cunho moral.

A prisão ilegal, assim como o erro judiciário atentam contra inúmeros dispositivos constitucionais e legais, dentre os quais se destacam a dignidade humana, a inviolabilidade do direito à liberdade, à honra e à imagem, todos eles passíveis de reparação, quer no aspecto moral, quer no material, conforme prescreve o texto constitucional.

Ademais, o sistema penitenciário brasileiro apresenta riscos de maior gravidade que comprometem a integridade física e mental do preso.

De acordo com os ensinamentos de Sérgio Pitombo, "a prisão traz hoje, consigo risco de mal grave, perigo de lesão intensa. Sem esquecer a quebra da dignidade da pessoa humana. As celas, nos Distritos Policiais, tornaram-se jaulas obscenas e perigosas. Impossível ignorar o que todos sabem e ninguém contesta". E mais. "Aquém da grade, o tempo não se conta em dias, nem sequer em horas, porém, em minutos". "Prisão é constrangimento físico, pela força ou pela lei, que priva o indivíduo de sua liberdade de locomoção. Prisão indevida, portanto, significa, antes de tudo, ilegalidade e invasão lesante do status dignitatis e libertatis. O dano moral, dela decorrente, é in re ipsa. Vale assentar: surge inerente à própria prisão. Dano que se mostra intrínseco, pois" [62].

No mesmo sentido orienta o Des. Rudi Loewenkron, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que ao manifestar seu voto em julgamento de apelação cível bem salientou que "no tocante ao dano moral, isto é o sentimento de constrangimento e/ou humilhações, embora algumas testemunhas que depuseram não o tenham declarado, o certo é que o ofendido não se sentiu bem com a coisa toda, mostrando-se constrangido por ter que entrar pela primeira vez em uma delegacia e pelo temporário cerceamento do seu ir e vir. Aliás a detenção feita por policiais fardados em plena rua mais o temporário cerceamento da liberdade em uma Delegacia, ainda que não dentro de uma cela é fato que humilha e constrange quem tem algum grau de sensibilidade. Não é mero contratempo. Por isso aceitável que o A. tenha se sentido humilhado e diminuído" [63].

Muitas vezes, o critério adotado para quantificação da indenização baseia-se nos artigos 84 do Código Brasileiro de Telecomunicações e no art. 53 da Lei de Imprensa, que estabelecem:

Art. 84."Na estimação de dano moral, o juiz terá em conta, notadamente, a posição social ou política do ofendido, a situação econômica do ofensor, a intensidade do ânimo de ofender, a gravidade e a repercussão das ofensas".

Art. 53. "No arbitramento da indenização em reparação de dano moral o juiz terá em conta notadamente: I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e a repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido; II – a intensidade do dolo ou grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou civil fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação".

Tal proposta para quantificação da indenização não nos parece apropriada, pois apresenta enorme discriminação, uma vez que, não é a posição social do ofendido que servirá como base de cálculo justo, sendo certo que, a "dor moral" não é maior ou menor baseada nas condições políticas ou financeiras do lesado, mas sim, na sua existência como ser humano.

Outrossim, a legislação civil e penal contém critérios apropriados para o cálculo do valor da reparação, não devendo ser baseada em leis esparsas e de âmbito específico, como as acima mencionadas.

Entendemos que seria uma sugestão basear a quantificação dos danos sofridos com base nos art. 953 e 954, ambos do Código Civil, combinado com o art. 49 do Código Penal.

No mesmo sentido, sustenta Américo Luís Martins da Silva salientando que quanto à multa criminal correspondente, devemos acrescentar que aqui aplicam-se as mesmas ponderações que tecemos a respeito da indenização do dano moral decorrente da injúria e calúnia. Com base no grau máximo da multa prevista no art. 49 do Código Penal, a nosso ver, a fixação de tal verba deve ser da ordem de 720 (setecentos e vinte) dias-multa (dobro do teto máximo de 360 dias-multa, previsto no referido art.49), adotando-se o valor arbitrado pelo juízo criminal para o dia-multa. Não havendo condenação criminal em pena de multa, o valor do dia-multa seria arbitrado pelo juízo cível entre um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato e cinco vezes esse salário mínimo, conforme a realidade econômica do ofensor [64].

Embora a quantificação do dano decorrente de prisão ilegal possua maiores critérios para ser fixado do que aqueles oriundos dos erros judiciários e judiciais, pensamos que a proporção deve ser a mesma utilizada, vale dizer, os critérios de indenização devem se basear nos ditames que norteiam a quantificação da reparação do prejuízo decorrente de prisão ilegal.

No mais das vezes, não podemos perder de vista que os valores e os direitos cotejados em detrimento do prejuízo a ser reparado são distintos; na seara criminal, tolheu-se a liberdade de o indivíduo, que, s.m.j., é imensurável.

Contudo, não negamos a necessidade de se criar parâmetros para uma "justa" indenização, sendo certo que extraímos do ensinamento aposto em epígrafe apenas o substrato "mínimo" para fixar um valor de indenização. Nesse passo, o quantum deve respeitar o piso de 360 dias-multa, computado sempre no valor máximo de cada dia-multa, qual seja, 5 vezes o salário mínimo, sendo convertido em face de cada dia de limitação da liberdade.

Não obstante, insta salientar que o artigo 39 do Código Penal preconiza que o trabalho do preso será sempre remunerado, sendo-lhe garantido, sobremaneira, os benefícios da Previdência Social. Desta arte, cremos que independente de o preso haver feito jus ao seu direito de trabalho, conquanto sabemos que por vezes estão impedidos (diga-se, por ineficiência do estado em suprir tal necessidade), deve-se somar ao critério antes exposto de indenização o valor correspondente a ¾ (três quartos) do salário mínimo, tomando-se como norte o tempo de privação de liberdade.

Com efeito, repita-se, o valor a ser alcançado deve ser respeitado como critério mínimo de indenização, sem obtemperar o direito ao acréscimo decorrente de eventuais lucros cessantes e demais indenizações.

Sobre os autores
Juliana F. Pantaleão

advogada, pós graduanda em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura

Marcelo C. Marcochi

advogado, pós graduado em Direito Penal e pós graduando em Direito Processual Penal pela Escola Paulista da Magistratura, membro da Comissão de Direitos e Prerrogativas Criminais da Câmara Criminal da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo/Subsecção de Santos, Professor de Direito Penal e Processual Penal, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PANTALEÃO, Juliana F.; MARCOCHI, Marcelo C.. Indenização: erro judiciário e prisão indevida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 416, 27 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5642. Acesso em: 23 dez. 2024.

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