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O existencialismo jurídico na Justiça do Trabalho da 8ª Região.

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7 SENTENÇA Nº 3

No processo 0010713-05.2015.5.08.0117,  da 2ª Vara da Justiça do Trabalho, da 8ª Região, o reclamante, motorista, ajuizou reclamação pleiteando exclusivamente indenização por dano existencial, em virtude de uma excessiva sobrejornada de trabalho, alegando que cumpria jornada de trabalho exorbitante, trabalhando em média de 6 às 22 horas, todos os dias, sem folga, embora laborasse rotineiramente além desse período, o que lhe afastou da convivência familiar e acarretou danos à saúde, causando-lhe também dano à sua existência social. Porém, não houve prova material do dano existencial e assim, o juiz indeferiu o pedido de indenização.

Apesar do resultado negativo da sentença, o juiz conceituou o dano existencial como sendo aquela situação em que se impede uma pessoa de desenvolver os projetos de vida no âmbito profissional, social e pessoal, afrontando diretamente a dignidade da pessoa humana, mas não se verificou na sentença um diálogo com o dano moral e nem se especificou como esses dois conceitos diferem.

A falta de provas materiais na visão do juiz formalista reforçou a convicção de que não eram minimamente coerentes as alegações do reclamante, sendo razoável na avaliação do juiz o indeferimento de qualquer valor a título indenizatório. 


8 sENTENÇA Nº 4

No processo 0000805-22.2014.5.08.0128, da 3ª Vara do Trabalho da 8ª Região a reclamante ajuizou reclamação trabalhista pleiteando, além de outros pedidos:

a)      verbas rescisórias; já que foi demitida sem receber aviso prévio indenizado;

b)      saldo de salário;

c)      13º salário proporcional;

d)      férias vencidas e proporcionais;

e)      repouso semanal remunerado; por trabalhar todos os dias sem folga compensatória;

f)       plus salarial por acúmulo de funções; eis que a mesma foi contratada para exercer a função de auxiliar de serviços gerais, porém, a reclamada passou a lhe exigir que exercesse função de cozinheira;

g)      adicional de insalubridade; uma vez que a reclamante utilizava produtos químicos como cloro, soda cáustica e outros, no exercício de suas atribuições, durante a jornada de trabalho;

h)       indenização por dano moral; em razão do atraso no pagamento de sua rescisão contratual;

i) indenização por dano existencial; uma vez que a reclamante era submetida a uma jornada extremamente excessiva de trabalho, além do permitido pela legislação trabalhista, tendo que trabalhar de 6:30 às 21:30 horas, com 1 hora de intervalo intrajornada, todos os dias, sem folgas compensatórias, o que prejudicou seu convívio familiar e social, atingindo sua dignidade.

Para fins de julgamentos dos pedidos indenizatórios, o juiz pontuou a diferença entre dano moral e dano existencial, destacando o impedimento das atividades cotidianas, prejudicando, assim, a manutenção das relações sociais externas ao ambiente de trabalho, como convívio com amigos e familiares, e atividades recreativas; enquanto o dano moral foi definido a partir da lesão ao direito da personalidade humana pelo viés psicológico.

Na fixação do quantum indenizatório do dano existencial, o juiz levou em consideração o tempo que a reclamante ficou submetida à jornada excessiva, mais o caráter pedagógico da condenação e o salário da autora do processo, sendo aplicado pelo juiz o princípio da equidade, razoabilidade e proporcionalidade, de modo que, além da certeza de que o ato lesivo não ficaria impune, a sentença teoricamente desestimularia práticas futuras pela empresa que afetam a dignidade do trabalhador.

Do ponto de vista metodológico, o magistrado equilibrou o formalismo e o intuitivismo, uma vez que incluiu as provas apresentadas nos autos e visualizou as oportunidades perdidas pelo reclamante, antes, durante e depois da situação problemática.

Concluiu o juiz que a atitude irresponsável da empresa comprometeu a dignidade humana da trabalhadora, que ficou praticamente enclausurado no ambiente laboral. Além disso, a lesão alegada pela reclamante era plenamente coerente com seu histórico pessoal, uma vez que a mesma provou que se afastou de sua vida de relações familiares e sociais em virtude das várias horas extras trabalhadas.

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No tocante ao critério prático da proporcionalidade, a quantia fixada de R$30.000,00 (trinta mil reais) a título indenizatório, veio no sentido de desmotivar a reincidência do ilícito. Dessa forma, a decisão do juiz realizou justiça do ponto de vista formal e substancial, havendo uma sentença de mérito legítima prolatada por um juiz competente, com base nas provas apresentadas e na projeção do nexo virtual, condenando a empresa denunciada a reparar a sua irresponsabilidade existencialista.


9 SENTENÇA Nº 5

No processo 0010801-07.2015.5.08.0129, da 4ª Vara do Trabalho de Marabá, do TRT da 8ª região, o reclamante, motorista, ajuizou reclamação trabalhista pleiteando exclusivamente indenização por dano existencial, em virtude de uma imposição de excessiva jornada de trabalho, laborando de 06:00h às 24:00h, todos os dias, sem intervalo intrajornada ou folga semanal, sendo comum o trabalho também na madrugada, com poucas horas de sono, tendo que viajar constantemente em diferentes rotas, durante 2 anos e 4 meses, o que lhe privou o convício familiar e social, além do lazer, reiteradamente.

O juiz deferiu o pedido de indenização por dano existencial, entendendo que o autor provou a jornada excessiva alegada, ficando evidente que o excessivo tempo à disposição do empregador provocou danos à vida de relações sociais.

O juiz considerou existente o dano existencial, mas não propriamente a extensão do dano nos termos que o autor do processo pretendia, pois o juiz reconheceu que houve o gozo de eventuais intervalos e entendeu também que o mesmo trabalhador não conseguiu provar que seu relacionamento familiar foi prejudicado a ponto de seu filho de 6 anos de idade ter que morar com seus pais em razão de sua ausência, bem como, no âmbito profissional, não ficou provado que o reclamante precisou interromper cursos de qualificação por conta do trabalho.

 Ficou configurado perfeitamente para o juiz a presença do dano, mas não a gravidade ou extensão do jeito que o trabalhador alegava, principalmente porque o mesmo não conseguiu provas específicas que apontassem a extensão dos prejuízos familiares sofridos ou a frustração de seu projeto profissional do futuro.

O juiz no arbitramento do valor indenizatório de R$20.000,00 (vinte mil reais) considerou a capacidade econômica das empresas reclamadas, o caráter punitivo-pedagógico e o intuito compensatório da indenização, além do critério da razoabilidade, que limita a discricionariedade do julgador, e do critério da proporcionalidade, tendo em vista que o arbitramento não proporcionasse enriquecimento ilícito ao reclamante.

Conforme a fundamentação da sentença, o juiz fez correta distinção entre o dano moral e o dano existencial. Além disso, entendeu de forma acertada que a jornada de trabalho excessiva à disposição do empregador provoca danos atuais e futuros à vida de relações do trabalhador.

Como metodologia, o juiz buscou o equilíbrio entre o formalismo  e o intuitivismo, visto que julgou com base nas provas apresentadas nos autos, como cartões de ponto e depoimento de testemunhas, ficando assim comprovado que ele trabalhou aproximadamente 2 anos para as empresas reclamadas no horário de trabalho de 6:00h às 00:00h, em média, de domingo a domingo, com quase inexistentes folgas semanais, sem gozo integral de hora intrajornada e sem sequer gozo integral de intervalo interjornada, e além disso, viajando sozinho.

Também através do nexo virtual, projetou-se na sentença as implicações na vida do trabalhador, considerando-se que o indivíduo perdeu boas oportunidades em sua vida social e pessoal.  

Mais favorável ainda foi o fato de que a lesão alegada pelo reclamante era coerente e razoável com seu modo de vida até então adotado, ficando provado os prejuízos decorrentes de seu afastamento da família e da vida social em virtude do vasto tempo à disposição do empregador.

Sendo assim, ficou clara a lesão não somente à vida de relações em sentido amplo, mas também a lesão ao âmbito familiar do reclamante, sendo certo que tamanha quantidade de tempo à disposição da empregadora impediu qualquer tentativa de qualificação profissional, por menor que fosse, razão pela qual justificou-se a quantia fixada de R$20.000,00 (vinte mil reais) a título indenizatório, que foi considerada suficiente para desestimular a reincidência das condutas das empresas reclamadas, observando-se no entanto, a capacidade econômica das mesmas.


10 SENTENÇA Nº 6

Na sentença 0010900-74.2015.5.08.0129, da 4ª Vara da Justiça do Trabalho da 8ª Região, Marabá, o reclamante, motorista, ajuizou reclamação trabalhista pleiteando exclusivamente indenização por dano existencial, em virtude de uma excessiva sobrejornada de trabalho, alegando que cumpria jornada de trabalho abusiva, laborando de 5:00h às 22:00h, todos os dias, sem intervalo intrajornada ou folga semanal, o que lhe impediu de gozar uma vida saudável perto da família, dos amigos e praticar atividades lúdicas e esportivas, etc.

Entretanto, a sentença indeferiu o pedido de indenização por dano existencial, entendendo que o autor não provou o projeto de vida frustrado ou a ausência da convivência familiar, embora o reclamante tenha comprovado que trabalhava uma jornada excessiva, de 5:00h às 22:00h, todos os dias, sem intervalo intrajornada ou folga semanal.

A sentença conceituou o dano existencial e exigiu a necessária comprovação material do dano, pois segundo a sua análise, não se pode extrair automaticamente a ocorrência desse dano a partir do trabalho abusivo por si só denunciado.

Nessa sentença não houve distinção das lesões morais e existenciais, embora o dano existencial tenha sido corretamente conceituado como um ato danoso à realização de um projeto de vida e ao convívio social e familiar.

Na metodologia adotada, de natureza unicamente formalista, foi solicitada a prova material dos danos existenciais. Sem dúvida, o tempo em demasia exigido pela empresa do trabalhador, e comprovada no processo, obstaculizou as atividades cotidianas mais importantes no desenvolvimento do ser humano.

O afastamento do trabalhador de seus familiares e amigos, além de impedir atividades físicas, de lazer, higiênicas, de entretenimento, de fé, etc., impediu a existência da pessoa no mundo contemporâneo.

A falta de uma conversa, de um abraço, de uma coexistência humana gera um vazio existencial tão grande que traz lesões psicológicas, espirituais e existenciais à vítima.  Entretanto, a sentença evitou visualizar as verdades invisíveis ou ocultas da reclamação trabalhista em questão.

De acordo com o reclamante, o trabalho se deu por certo período, com jornada de 5:00h às 22:00h, de domingo a domingo, sem gozo integral de hora intrajornada, sem folgas semanais e intervalos interjornadas, ainda que não integrais. Com tudo isso, a juíza não contextualizou a ausência do reclamante de sua vida de relações ou, até mesmo, a frustração dos seus projetos pessoais. Desse modo, a juíza se concentrou na prova material. Usando essa metodologia, a juíza não condenou a reclamada por dano existencial, pois não teve acesso metodológico à gravidade do caso, definida pelas oportunidades perdidas, existentes no passado, presente e futuro.


11 DISCUSSÃO

Pelo critério da ontologia, a maioria das sentenças investigadas buscou não apenas a justiça formal, mas também a justiça substancial, tentando assim reequilibrar a relação desigual entre trabalhador e patrão. Fundamentalmente observou-se a dignidade da pessoa e da sociedade humana como núcleo rígido das sentenças.

Pelo critério da metodologia, a maioria das sentenças realizou uma análise sintética ou combinatória do formalismo jurídico cartesiano com o subjetivismo intuitivista embasado na sensibilidade e imaginação crítica do juiz.

Pelo critério da axiologia, a maioria das sentenças analisou a coerência ou razoabilidade entre o histórico de vida do trabalhador e a alegada lesão, destacando-se valores instrumentais como liberdade individual, eficiência da empresa, e responsabilidade existencialista do patrão, ficando constatada na verdade a irresponsabilidade social, humanista e existencialista da empresa sobre a vida do reclamante.

Pelo critério prático de decisão judicial, a maioria das sentenças aplicou a proporcionalidade no estabelecimento do valor indenizatório buscando compensar a lesão existencialista. A proporcionalidade é um parâmetro valorativo que emana diretamente das ideias de equidade, bom senso, prudência, moderação, proibição de excesso e permite aferir dessa forma a idoneidade de uma decisão judicial, visando obter uma decisão justa (KONCIKOSKI, 2012).

No que se refere ao dano existencial e sua reparação, a decisão deve trazer um quantum indenizatório que consiga compensar a lesão existencialista, porém, observando com cuidado as reais condições econômicas da empresa reclamada. Além disso, o valor arbitrado não pode gerar um enriquecimento do lesado, mas apenas a sua compensação, e deve ser suficiente para desestimular o empregador a cometer novos abusos, desempenhando assim um caráter pedagógico.

Pelo critério teórico, a maioria das sentenças procurou conceituar o dano existencial, trazendo seus elementos caracterizadores fundamentais; contudo, as decisões não realizaram, em sua maioria, a distinção expressa entre o dano existencial e o dano moral, nem mesmo se conceituou frequentemente este último conceito. Acreditamos que essa distinção e fundamentação teórica deveriam ser mais aprofundadas a fim de garantir a maturidade e clareza das decisões judiciais envolvendo esse novo conceito doutrinário. O dano existencial é um conceito novo do direito brasileiro, sendo importado da doutrina italiana há cerca de 5 anos. A correta distinção entre o dano existencial e o dano moral nas sentenças se faz necessária porque as decisões judiciais são públicas e servem como guia de interpretação, devendo ser transparentes e inteligíveis, de forma que, mesmo quem não atue na área jurídica, deve entender os motivos que levaram determinada decisão judicial aos braços do existencialismo jurídico.

Por fim, como critério contextual, a maioria das sentenças conseguiu diagnosticar o impedimento do trabalhador de “estar-no-Mundo”, notando que havia interesse do empregador exclusivamente no aspecto econômico do lucro, induzindo o empregado a praticar jornadas de trabalho muito extensas, sem respeitar a sua integridade física, mental e social. Na maioria das sentenças trabalhistas, onde foi julgado procedente o pedido de indenização por dano existencial, vieram à tona debates intensos sobre as horas à disposição do trabalho que implicaram no impedimento do convívio com familiares e amigos e afetaram a realização de necessidades básicas, como atividades religiosas, higienização, alimentação saudável, lazer, afetividade, etc.

Sobre os autores
Heraldo Elias Montarroyos

Professor da Faculdade de Direito da UNIFESSPA MARABÁ, PARÁ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTARROYOS, Heraldo Elias; OLIVEIRA, Adriano Guimarães. O existencialismo jurídico na Justiça do Trabalho da 8ª Região.: Investigando o modo como os juízes desenvolvem o conceito de danos existenciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5100, 18 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56790. Acesso em: 22 nov. 2024.

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