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Limitações à antecipação de tutela e liminares cautelares

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Agenda 25/09/2004 às 00:00

5- Limitações codificadas às liminares cautelares

A liminar cautelar inaudita altera parte tem sido muito mal compreendida, o que se observa na prodigalidade com que tem sido postulada e acolhida em nossos juízos e pretórios.

De fato, uma leitura mais atenta do artigo 804 do CPC nos mostra que a liminar cautelar inaudita altera parte somente poderá ser deferida se o réu, citado, puder torná-la ineficaz. No entanto, a concessão da medida pleiteada sem a oitiva do réu tem sido a tônica, no mais das vezes.

Em verdade, a liminar cautelar é uma antecipação liminar da tutela cautelar pleiteada, ou, por outras palavras, é a antecipação de tutela do processo cautelar, e neste passo é preciso lembrar que o processo cautelar já é a tutela da aparência.

Devido a este fato, todo o cuidado dever ser tomado na análise de liminares cautelares, na medida em que representam uma cognição sumária em proteção da aparência, já que o processo cautelar nada mais versa do que uma alegação verossímil, que não requer prova plena.

Assim sendo, temos que a concessão da liminar cautelar está escudada na premência da medida pelo fato de que se for aguardado o pronunciamento final do processo cautelar, haverá dano irreparável ou de difícil reparação à eficácia de um processo de conhecimento, sendo importante lembrar que a praxe em nosso judiciário é a de apensar o processo cautelar ao principal e sentencia-los de forma conjunta, de modo que quando falamos em premência, estamos nos referindo, na verdade, ao tempo de tramitação de um processo ordinário cuja eficácia se visa proteger pelo processo cautelar.

Se dentro deste prazo pude ocorrer dano irreparável ou de difícil reparação (periculun in mora), então há espaço para a concessão da liminar, se presente verossimilhança na alegação. Mas que alegação? Alegação do direito e dos fatos que afirmam a presença do perigo de comprometimento da eficácia do provimento final ou somente destes últimos?

A questão é pertinente, pois se a liminar cautelar é proteção liminar da aparência, poderia se alvitrar, perfeitamente, que bastaria comprovar os fatos que atestam o perigo na demora da decisão, sendo a questão atinente ao direito efetivo destinada ao mérito do processo. Considerada esta hipótese, teríamos que se poderiam comprovar fatos que atestam perigo na demora da resolução da demanda, significa dizer, possibilidade de dano irreparável ou de difícil reparação, então poderia ser concedida a liminar, ainda que evidentemente não tivesse direito o autor (comumente chamado de requerente no processo cautelar) [5].

Esta não se nos parece e melhor exegese. Se evidentemente não terá direito o autor (requerente) a ser reconhecido ao término do processo, seja o cautelar, seja o principal, não parece justo que se lhe conceda o gozo deste direito em sede liminar.

Assim sendo, somente se deve conceder por liminar cautelar a fruição de um direito que plausivelmente poderá obter o autor ao fim do processo, seja ele o cautelar, seja o principal, sendo de gizar que se todas as eficácias concretas que podem ser objeto do processo principal devem hoje ser pleiteadas via antecipação de tutela, direto no processo de conhecimento.

Conclui-se, por conseguinte, que o postulante da liminar cautelar deve ter a seu lado verossimilhança do direito e quanto aos fatos que atestam a possibilidade de dano se for se aguardar o provimento final,e não só um destes aspectos.


6- As Leis nº 8.437/92 e 9.494/97.

As referidas leis originaram-se de conversão de medidas provisórias. A primeira delas refere-se ao processo cautelar. A segunda à antecipação de tutela.

A aprovação desta conversão causou certa polêmica, pois, a rigor, elas, cada uma a seu tempo e no seu espectro de atuação, trouxe sérias limitações para as grandes conquistas obtidas com a sumarização no processo civil exatamente nas ações voltadas contra o Estado, cujo número ocupa expressiva parcela do trabalho jurisdicional [6].

A Lei nº 8.437/92 iniciou por ampliar para as "ações cautelares ou quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva" todas as restrições existentes para o mandado de segurança.

Estas limitações principiam pelo artigo 1º da Lei nº 2.770/56, que impede a concessão de liminares que visem a liberação de mercadorias provindas do estrangeiro, quer seja de forma direta, quer seja indireta.

Da mesma forma, o artigo 5º da Lei nº 4.348/64 impede a concessão de liminares que visem à "reclassificação ou equiparação de servidores públicos, assim como à concessão de aumento ou extensão de vantagens".

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Por óbvio que estas medidas voltavam-se contra as cautelares inominadas de cunho satisfativo, visto que inexistia a antecipação de tutela, e que vinham grassando largo emprego contra a Fazenda em ações de cunho previdenciário e tributário, que constituem a grande massa das ações envolvendo direito público, ao lado das discussões referentes aos famigerados planos econômicos que se seguiram desde meados dos anos oitenta.

Com o advento da reforma processual, foi introduzido o novo artigo 273 do CPC, contemplando a antecipação de tutela, pelo que, de conversão de medida provisória, adveio a Lei nº 9.494/97, para fazer-lhe frente quando a Fazenda estivesse no pólo passivo da demanda.

De início a nova lei, que volta-se especialmente a vedar a satisfatividade que venha a exaurir a demanda, suscitou vivos debates quanto a sua constitucionalidade, pois a rigor, em muitos casos, a antecipação de tutela está intimamente relacionada com a eficácia mesma da tutela jurisdicional, ou sejam temos diante de nós situações nas quais ou a antecipação é concedida ou a utilidade do provimento final restará reduzida ou mesmo inteiramente comprometida.

O artigo 5º, inc. XXXV, da CF/88 contempla o princípio da efetividade da tutela jurisdicional. Não só nenhuma lesão ou ameaça da lesão está indene ao controle juriscicional, como, ainda, a tutela resultante deste controle deverá ser efetiva, não somente sob o prisma hipotético, mas também sob a ótica de resultados concretos no mundo empírico.

Em voga, portanto, valores constitucionais: de um lado a legalidade, de outro, a efetividade da tutela jurisdicional. Surgiu, portanto, o questionamento da constitucionalidade da Lei nº 9.494/97, não se podendo olvidar da envergadura dos direitos fundamentais, dentre os quais figura o direito a uma tutela jurisdicional efetiva.

A questão foi dirimida pelo julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 04, tendo ficado assentada a constitucionalidade da referida lei.

Tal julgamento, contudo, não responde de forma satisfatória o questionamento formulado a partir do embate, acima suscitado, entre princípios-direitos constitucionais, pois ainda continuam havendo casos em que estão em discussão direitos fundamentais e há imperiosa necessidade de antecipação de tutela, figurando a Fazenda no pólo passivo.

É por isso que podemos afirmar, na esteira das conclusões da jurisprudência majoritária, que os referidos diplomas legais devem ter aplicação parcimoniosa, que não descure da realidade, ou seja, fica afastada uma aplicação rígida das limitações à antecipação de tutela e às liminares cautelares que conduza ao comprometimento de direitos fundamentais.

Solução semelhante, aliás, já deveria ser aplicada aos casos em que pudesse haver irreversibilidade dos efeitos quando da antecipação de tutela, que seria, na hipótese, vedada a teor do parágrafo 2º do artigo 273 do CPC.

É que quando estamos diante de direitos fundamentais, a discussão transcende à dimensão da legalidade formal, sem que, por outro lado, possamos dar azo ao subjetivismo.

A dimensão da legalidade estrita, de seu turno, considerada como apego inarredável à letra da lei, esbarra na realidade conhecida de erros e incongruências vistas nos diplomas legais, que nem sempre, ou quase nunca, conseguem apanhar todos os seus desdobramentos.

Desta forma, podemos concluir que a questão da aplicação e alcance das limitações as tutelas de urgência decorrentes dos diplomas em testilha ainda se encontra aberta. Conforme a postura ideológica do julgador, cuja presença é inafastável, e em vista de sua carga cultural, terá propensão para uma visão mais legalista, ou mais atenta a aplicação do princípio da proporcionalidade.

De minha parte, não vejo outra alternativa viável que não considerar uma hierarquia de direitos e permitir a antecipação de tutela em alguns casos, não obstante a vedação expressa da lei, pois nem sempre a lei corresponde ao bom senso que é a essência do Direito.


7- Conclusões

A antecipação de tutela e as liminares cautelares representaram a seu tempo grandes vetores de celerização da prestação de tutela jurisdicional, ainda que por vezes as liminares cautelares tenham sido utilizadas de forma anômala.

É imperativo que possamos obter o máximo de eficácia destes institutos, pois o tempo não pode ser olvidado como um importante componente na institucionalização, pela sociedade, do processo como mecanismo oficial de distribuição de justiça.

Quando o processo se torna um calvário, uma disputa cujo vencedor de antemão é conhecido (sempre aquele mais aparelhado para suportar o tempo), o crédito que ele recebe da população é cada vez menor. Mais direitos subjetivos violados ficarão sem reparação e cresceram as desigualdades sociais.

É por isso que limitações às tutelas de "urgência", devem ser cautelosamente aplicadas. Corremos o risco de aplicando ipsis verbis a letra da lei, cometermos graves injustiças.

Não podemos esquecer estas limitações tem uma função proeminentemente reguladora.

Por outro lado, é emblemático que as limitações constantes de legislações extravagantes tenham sido criadas exatamente para proteger o maior de todos os devedores: o Estado.

Nesta ordem de idéias, urge proceder-se a uma profunda reflexão do papel destes institutos no processo civil, não sob vistos sob o prisma estritamente funcional, perspectiva também necessária, pois a antecipação de tutela e as liminares cautelares, como de resto a própria tutela cautelar, não recebem, em regra, a merecida atenção dos operadores jurídicos.

Há que se acrescentar, também, uma perspectiva que tome em conta estes institutos como alicerces de importantes mudanças no processo civil, por séculos submetido ao império da ordinariedade dos ritos. As antigas fórmulas não mais se adaptam à sociedade moderna e aos princípios de solidarismo, cuja marca pretendemos lhe imprimir.

O convite a esta reflexão é que fica.


Notas

1 Aqui fica clara a divergência nos campos de atuação de uma e outra espécie. A tutela cautelar, como voltada à proteção do processo, pode ser deferida de ofício, porque o interesse pela eficácia do processo abstratamente considerada é também do Estado. O indeferimento da cautela poderia implicar em perda do objeto, e julgamento de carência de ação, o que o Estado quer evitar, embasado no princípio da máxima eficácia da tutela jurisdicional. Na antecipação de tutela, que opera no campo do direito material, o interesse é da parte, em regra, o que implica vedação á atuação oficiosa do juiz.

2 Consoante o CPC, o direito estadual e municipal poderão demandar prova nos autos, pela parte que os invoca. Mas somente se o magistrado assim o determinar. É equivocado o entendimento de que o direito estadual e municipal sempre demanda prova.

3A irreparabilidade deverá ser objetivamente considerada. Um bem fungível, facilmente substituível, pode ter, por exemplo, uma importância sentimental única. Mas isto é subjetivo, e não pode ser alçado a fundamento exclusivo da análise da questão.

4 Escudado nesta premissa, o STF editou recente súmula excluindo do espectro da vedação estatuída na Lei nº 9.494/97 as antecipações concernentes a ações previdenciárias.

5 Esta nomeclatura é mais um risquício da doutrina que associa parte á lide. Parte é um conceito processual, e o processo, hoje, não pode ser restrito às hipóteses exclusivas de litígio.

6 Infelizmente, como já referido, o Estado é, ainda, o maior violador e direitos subjetivos, e quem mais se beneficia da demora do processo, pois é quem está,ordinariamente, melhor aparelhado para absorver o impacto do tempo de tramitação. Não é por outro motivo que a prescrição das ações contra a Fazenda é regulada em diploma especial (Decreto nº 20.910/32), com reduzido prazo de cinco anos.

Sobre o autor
Marcelo Colombelli Mezzomo

Ex-Juiz de Direito no Rio Grande do Sul. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. Limitações à antecipação de tutela e liminares cautelares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 451, 25 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5724. Acesso em: 22 nov. 2024.

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