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O art. 94 do Estatuto do Idoso e a aplicação do procedimento da Lei nº 9.099/95

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Agenda 21/09/2004 às 00:00

Introdução

A Lei nº 10.741, conhecida como o Estatuto do Idoso, foi publicada em 3 de outubro de 2003, em clima de aclamação popular, no intuito de conferir maior proteção ao idoso, seja em sua tutela cível, administrativa e penal.

Especificamente quanto à sua tutela penal, o art. 94 desta lei contém disposição controvertida, determinando que "Aos crimes previstos nesta lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei nº 9099 (...)".

O presente artigo visa analisar a eventual extensão do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo pelo dispositivo, a competência para julgamento e o cabimento dos benefícios despenalizadores da Lei nº 9.099/95, em especial a transação penal.

Inicialmente esclareça-se que quanto aos delitos previstos no Estatuto do Idoso que tenham pena máxima de até dois anos, não há qualquer dúvida quanto ao seu normal enquadramento no conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, nos termos da competência prevista no art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01, que se aplica por extensão à Justiça Estadual, conforme reiteradas decisões dos Tribunais Superiores [1].

Da mesma forma, os delitos com pena máxima superior a quatro anos, permanecem normalmente fora do alcance das disposições da Lei nº 9.099/95, sendo processados perante o juízo comum.

Assim, a controvérsia do art. 94 do Estatuto do Idoso recai sobre as infrações contidas naquele diploma legal que teriam pena máxima superior a dois anos e igual ou inferior a quatro anos. A título de esclarecimento, são as seguintes infrações que se encontram nesta zona cinzenta: abandono de idoso (art. 98), maus tratos qualificado por lesão corporal grave (art. 99, § 1º), apropriação indébita de proventos, pensão ou renda do idoso (art. 102), exibição de informações ou imagens depreciativas ou injuriosas ao idoso (art. 105), indução do idoso sem discernimento à assinatura de procuração para administração de bens (art. 106), lavratura de ato notarial que envolva idoso sem discernimento e sem representação legal (art. 108).

Quanto à abrangência deste art. 94 do Estatuto do Idoso existem seis correntes doutrinárias que procuram interpretá-lo:

i)Houve ampliação total do conceito de infração penal de menor potencial ofensivo (IPMPO);

ii)Houve ampliação do conceito de IPMPO somente em relação aos crimes do Estatuto com pena máxima entre dois e quatro anos, os quais serão processados perante o Juizado Especial Criminal, com direito à transação penal;

iii)Estes delitos devem ser processados perante o Juizado, com o rito sumaríssimo, mas sem direito à aplicação de transação penal;

iv)Os delitos devem ser processados perante o juízo comum, com direito a transação penal e com o procedimento sumaríssimo;

v)Os delitos devem ser processados perante o juízo comum, sem direito ao benefício da transação penal, apenas com o procedimento sumaríssimo;

vi)O dispositivo é inconstitucional, não devendo ter qualquer aplicação.

Dentro desta controvérsia, o instituto despenalizador eventualmente aplicável seria apenas a transação penal, porquanto todos os crimes do Estatuto do Idoso são sujeitos a ação penal pública incondicionada (art. 95), que não admite o acordo civil extintivo da punibilidade previsto no art. 74 da Lei nº 9.099/95.

Passaremos a analisar estas seis correntes.


1.Ampliação do conceito de IPMPO

Os defensores desta tese [2] sustentam que o art. 94 do Estatuto do Idoso, à semelhança do que já havia ocorrido com o art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01, também ampliou o conceito de infração penal de menor potencial ofensivo (IPMPO). Doravante, seriam consideradas IPMPO todos os delitos com pena máxima não superior a quatro anos, inclusive sujeitos a procedimento especial. Argumentam que o dispositivo teria a intenção original de aplicar os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95 apenas aos crimes do Estatuto do Idoso com pena máxima entre dois e quatro anos, mas ao fazê-lo o legislador involuntariamente estendeu os benefícios aos demais delitos em situação idêntica. Interpretar de outra forma, argumentam, criaria uma situação de violação ao princípio constitucional da igualdade real ou substancial, pois infrações com penas iguais seriam objeto de tratamento diferenciado.

A título de exemplificação, cita-se o delito de maus tratos com lesão corporal grave e o delito de furto, que possuem a mesma pena. Permitir a transação penal para o primeiro e não permiti-la para o segundo significaria a violação ao princípio da isonomia, o que justifica a revogação tácita dos art. 61 da Lei nº 9.099/95 e art. 2º, parágrafo único da Lei nº 10.259/01, para estender-se o conceito aos delitos com pena máxima até quatro anos.

Por se tratar de norma penal mais benéfica, sustentam ainda a aplicação retroativa do dispositivo, para alcançar todos os processos já em curso ou ainda com condenação definitiva.

A crítica a esta interpretação é que eventual alargamento conceito de IPMPO abarcaria delitos de maior gravidade, como o aborto consentido, furto, receptação simples, rapto, abandono material, contrabando, etc. Nesta situação, haveria uma quebra da harmonia do sistema penal, com violação ao princípio da proporcionalidade (desproporção entre meio e fim). Além desta crítica, há o problema de que o art. 94 do Estatuto do Idoso referiu-se apenas à aplicação do procedimento da Lei nº 9.099/95, ou seja, o procedimento sumaríssimo, e do caráter ilógico de um Estatuto protetivo do idoso conferir tratamento privilegiado ao autor do delito quando a vítima seja maior de 60 anos. Estes dois argumentos serão melhor analisados abaixo (item 5).


2.O art. 94 da Lei nº 10.714/03 não alterou o conceito de IPMPO, sendo infração penal de menor potencial ofensivo apenas os delitos ali mencionados

Os defensores desta interpretação sustentam que os crimes previstos no Estatuto do Idoso com pena máxima até quatro anos devem ser processados perante o Juizado Especial Criminal, com direito a todos os benefícios despenalizadores da Lei nº 9.099/95 [3]. Os demais delitos com pena entre dois e quatro anos não teriam sido alcançados pela disposição, porquanto esta determina que se aplica apenas aos crimes previstos no Estatuto do Idoso.

Argumenta-se que a intenção da Lei foi efetivamente a de que tais delitos fossem processados perante o Juizado, para que o feito tivesse uma resposta célere, diante da avançada idade da vítima e da necessidade de resposta social rápida e eficiente aos problemas envolvendo o idoso, que seria alcançada com o processamento perante o Juizado. Também se argumenta que, na maioria dos casos, o autor do delito é um parente próximo do idoso, e que a penalização deste parente não seria a melhor resposta social ao fato, mas sim uma composição conciliadora mediante o norte de uma Justiça Restaurativa.

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Apesar de não explorado pelos defensores desta corrente, uma possível argumentação a ser utilizada seria a de que a Constituição Federal, em seu art. 98, § 1º, delegou à lei ordinária a previsão das hipóteses em que os Juizados teriam competência para julgar. A Constituição não teria exigido que o critério de conceituação das infrações penais de menor potencial ofensivo fosse necessariamente a pena máxima, podendo, em tese, ser uma enunciação enumerativa, assim como ocorre em relação aos crimes hediondos. Portanto, por não haver proibição constitucional, poderia validamente a legislação federal ordinária estabelecer que a competência do Juizado referir-se-ia aos delitos em geral com pena máxima até dois anos, mais os delitos contidos no Estatuto do Idoso com pena máxima até quatro anos. Isto seria aceitável caso houvesse uma razoabilidade a justificar o tratamento, o que, nesta hipótese, se justificaria pela necessidade de rápida solução da lide para resolução dos problemas do idoso.

Ocorre, todavia, que esta solução traz sérios problemas de estrutura no sistema penal. Existem delitos previstos no estatuto do idoso que são substancialmente semelhantes a outros previstos no Código Penal ou legislação especial, e dar-lhes tratamento diferenciado certamente violaria o princípio da isonomia. Cite-se, por exemplo, o delito de maus tratos qualificado pela lesão corporal grave previsto no art. 136, § 1º do CP, que é substancialmente semelhante ao delito previsto no art. 99, § 1º do Estatuto do Idoso, inclusive nas penas. Não seria razoável que se desse tratamento diferenciado quanto ao delito de maus tratos contra uma criança e contra um idoso, quando ambos são igualmente repugnantes. Da mesma forma o delito de apropriação indébita previsto no art. 102 do Estatuto do Idoso é semelhante ao previsto no art. 168 do CP, inclusive nas penas, não sendo correto dar ao crime praticado contra um incapaz tratamento diverso daquele dado a um idoso. Também os delitos dos artigos 106 e 107 assemelham-se a formas de estelionato, todavia, com punição antecipada dos atos preparatórios (indução à assinatura de procuração pelo idoso sem discernimento, e a lavratura de ato notarial de idoso sem discernimento).

Vale lembrar que, quando os tribunais estenderam as disposições do art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01, à competência dos Juizados Especiais Criminais estaduais, a justificativa foi a violação do princípio da isonomia, ou seja, infrações penais com a mesma objetividade jurídica (v.g., desacato contra delegado da polícia federal ou desacato contra delegado da polícia civil estadual) não podem ter tratamento jurídico diferenciado. Parece-nos que a situação do Estatuto do Idoso encontra-se na mesma situação.

Não poderia o legislador ordinário, v.g., estabelecer amanhã que apenas o delito de roubo seria de menor potencial ofensivo e não os demais. A conceituação das IPMPO deve guardar harmonia com o sistema sob pena violação dos princípios da isonomia e proporcionalidade.

Ademais, verifica-se, numa interpretação literal do dispositivo constitucional, que o Juizado Especial deve processar as infrações penais de menor potencial ofensivo. Portanto, os delitos que ofendem aos bens jurídicos de importância relativamente inferior aos demais bens jurídicos, cuja proporcionalidade se expressa na análise da pena máxima em abstrato. Não se afigura sistemático classificar os delitos contra os idosos como de menor potencial ofensivo. O sistema de proteção integral implementado pelo Estatuto do Idoso torna claro que a vida, integridade, dignidade, etc., do idoso são bens jurídicos de importância superior, tanto que em vários casos houve a inclusão de agravantes e causas de aumento de pena em vários delitos do Código Penal. Ora, se os demais delitos praticados contra os idosos são mais graves que os delitos contra uma pessoa de idade mais moderna é evidente que tais crimes não podem ser considerados de menor potencial ofensivo.

Portanto, não é sustentável a tese de que a disposição do art. 94 do Estatuto do Idoso alterou o conceito de IPMPO apenas para incluir os crimes descritos neste diploma, com pena máxima entre dois e quatro anos. Esta argumentação levaria à tese nº 1, supra. Sobre esta conseqüência, vide lição do Desembargador Edson Alfredo Smaniotto:

"Pode-se conceder ao réu certos favores legais, como, por exemplo, a atenuação da pena, o agravamento da pena-base de quem contra ele se volte, ou a suspensão condicional da pena com critérios diferenciados. O que não se pode é estabelecer uma Justiça Especial para julgá-lo, com o sistema jurídico próprio segundo o qual todos são iguais perante a Lei.

Remeter a questio para ser dirimida no Juizado Especial Criminal, estabelece benefícios processuais com imediato reflexo no jus libertatis, de sorte que todos os réus, independentemente da idade da sua vítima, desde que tenham cometido crime com pena não superior a 4 (quatro) anos, poderiam se valer do mesmo critério especializante.

É bem provável que, após muitas discussões, vejamos a repetição do que ocorreu com a edição da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, quando, ao criar os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, acabou estendendo sua normatização, indiscriminadamente, a toda as Justiças Comuns Estaduais, em face de reiteradas manifestações jurisprudenciais que vieram a reconhecer na novatio legis, um novo conceito de crime de menor potencial ofensivo" [4]


3.Os crimes descritos no art. 94 do Estatuto do Idoso devem ser processados perante o Juizado Especial Criminal, mas sem a aplicação da transação penal

Esta tese sustenta que o art. 94 apenas alargou a competência do Juizado Especial Criminal para processar estes delitos, não determinando a aplicação dos institutos despenalizadores, como a transação penal [5]. Sustenta-se que o art. 94 determinou a aplicação apenas do "procedimento da Lei nº 9.099/95", e que este procedimento seria apenas o procedimento sumaríssimo (art. 77-83), sem remissão à fase preliminar.

A tese, a despeito de aparentemente correta quanto à consideração do procedimento, peca em manter a competência do Juizado Especial Criminal. Se o delito é infração penal de menor potencial ofensivo, deve ter acesso aos institutos despenalizadores mencionados na Constituição Federal (art. 98, § 1º) e disciplinados na Lei nº 9.099/95. Ao contrário, se o delito não é infração penal de menor potencial ofensivo, não deveria estar sendo processada perante o Juizado Especial.


4.Os delitos referidos devem ser processados perante o Juízo Comum, com direito à transação penal

Os defensores desta tese [6] defendem que podem ser aplicados tanto o procedimento sumaríssimo quanto os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Faz-se analogia com os delitos previstos no Código Brasileiro de Trânsito, que, em seu art. 291, parágrafo único, permite a aplicação da conciliação civil e transação penal aos delitos previstos nos artigos 303, 306 e 308 (cuja aplicação hoje se encontra limitada aos delitos do art. 306 – embriaguez ao volante -, tendo em vista a ampliação do conceito de IPMPO para crimes com pena máxima até dois anos, que abrange os delitos do art. 303 e 308). Assim, da mesma forma que para aqueles delitos era admissível a transação penal, por expressa disposição legal, também o seria para os delitos mencionados no art. 94 do Estatuto do Idoso [7].

Ocorre que esta tese possui dois problemas de sustentação. O primeiro é que o art. 291, parágrafo único, do CTB é explícito ao destacar que se aplicam os artigos 74, 76 e 88 aos delitos ali mencionados. Portanto, fica clara a menção à aplicação da transação penal. Diferentemente, o Estatuto do Idoso determina a aplicação apenas do procedimento, sem menção explícita ao benefício material da transação penal.

O segundo problema, e mais sério, é o já apontado do tratamento desigual a delitos idênticos já previstos no Código Penal. Quando o Código de Trânsito Brasileiro estabeleceu a possibilidade de aplicação da transação penal aos delitos ali mencionados, não havia tratamento desigual porque tais delitos não encontravam paralelo no Código Penal. Aliás, o único que encontraria paralelo seria o delito de lesão corporal na direção de veículo automotor (CTB, art. 303), que teria paralelo com o delito de lesão corporal simples (CP, art. 129), que, aliás, permite os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Assim, o art. 291 do CTB não veio introduzir tratamento assimétrico, mas exatamente corrigir possível distorção pela não aplicação dos benefícios materiais do Juizado Especial ao delito de lesão corporal na direção de veículo automotor.

Portanto, conclui-se que esta tese não deve ser admitida.


5.Os delitos previstos no Estatuto do Idoso, com pena máxima entre dois e quatro anos, devem ser processados perante o Juízo Comum, sem o benefício da transação penal

A maioria da doutrina tem se posicionado a favor da presente tese [8]. Argumenta-se que o Estatuto do Idoso determinou a aplicação apenas do procedimento sumaríssimo, e, diferentemente do CTB, sem remissão aos benefícios materiais (transação penal).

Argumenta-se que a remissão foi apenas ao procedimento. A intenção da lei seria, portanto, apenas de dar um procedimento mais célere ao julgamento do feito. Ao invés de fazer uma descrição do procedimento a ser aplicado aos crimes ali descritos, a lei fez mera remissão a um procedimento que já existe, descrito na Lei nº 9.099/95, o procedimento sumaríssimo. Não houve ampliação do conceito de IPMPO porque o art. 94 não fez menção a uma nova conceituação destas infrações, assim como o fez o art. 2º, parágrafo único da Lei nº 10.259/01. Também não se aplica o instituto da transação penal porque não houve menção expressa à aplicação deste dispositivo, assim como foi feito pelo CTB.

Assim, seria aplicável apenas o procedimento strito sensu da Lei nº 9.099/95 (procedimento sumaríssimo), e não o procedimento lato sensu (registro em delegacia e audiência preliminar). Realmente, ao se realizar uma interpretação sistemática da Lei nº 9.099/95, existem seis seções no Capítulo sobre os Juizados Especiais Criminais: (I) Da competência e dos atos processuais, (II) Da fase preliminar, (III) Do Procedimento Sumaríssimo, (IV) Da Execução, (V) Das despesas processuais, (VI) Disposições finais. Portanto, dentro desta interpretação sistemática, o procedimento previsto na Lei nº 9.099/95 é o descrito na Seção III, art. 77-83. A audiência preliminar não é titulada como procedimento na sistemática da lei, mas como uma fase preliminar. Assim, a despeito das normas relativas à transação penal serem de natureza mista (material e processual), não seriam alcançadas pelo art. 94 do Estatuto do Idoso por não estarem inseridas no procedimento previsto na Lei nº 9.099/95.

Segundo Damásio de Jesus, as infrações descritas no art. 94 do Estatuto do Idoso deveriam ser apuradas mediante termo circunstanciado. Já Luiz Flávio Gomes defende que devam ser investigadas através de inquérito policial. Entendemos que razão assiste a este último. A disposição da Lei nº 9.099/95 que determina a apuração das IPMPO mediante termo circunstanciado é do art. 69, que está inserido na seção II (Da fase preliminar). Este dispositivo não pode ser aplicado pela interpretação sistemática de que não se trata do procedimento sumaríssimo, descrito na seção III da lei. Admitir o termo circunstanciado seria não ter razão plausível para também não admitir a audiência preliminar e a transação penal, todos inseridos na mesma seção. Aliás, a lógica da apuração das IPMPO mediante termo circunstanciado é exatamente o fato de que em relação a estas infrações o legislador preconiza uma solução conciliadora mediante acordo civil ou transação penal, não havendo necessidade de ação penal. Se nos delitos mencionados no art. 94 do Estatuto do Idoso, com pena máxima entre dois e quatro anos, não haverá audiência preliminar, havendo necessariamente o oferecimento de denúncia, perde justificativa a lavratura do termo circunstanciado. Ademais, não haverá prejuízo efetivo ao objetivo de resolução célere do processo penal com vítima idosa, pois, nos termos do caput do art. 71 do Estatuto do Idoso, "É assegurada prioridade na tramitação dos processos e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância", e § 3º do mesmo dispositivo estende o benefício aos procedimentos administrativos. Portanto, todos os inquéritos policiais em que for interessado idoso, na qualidade de vítima, deverão ter andamento prioritário (preferencialmente mediante afixação de etiqueta na capa do procedimento). Ademais, sendo os autos encaminhados ao Ministério Público, via Judiciário, poderá o Parquet, a qualquer momento antes do relatório final da autoridade policial, oferecer denúncia, desde que presentes os elementos de convicção, da mesma forma como faria com o termo circunstanciado.

Destarte, segundo esta interpretação, que nos afigura a mais acertada, os crimes previstos no Estatuto do Idoso, com pena máxima entre dois e quatro anos, serão processados da seguinte forma:

- instauração de inquérito policial;

- distribuição à Justiça Comum;

- oferecimento de denúncia (ou queixa subsidiária) escrita ou oral;

- contraditório prévio, em audiência de instrução, antes do recebimento da denúncia;

- recebimento da denúncia;

- análise da viabilidade da suspensão condicional do processo;

- oitiva da vítima e testemunhas de acusação e defesa;

- interrogatório do réu, ao final;

- debates orais em 20 minutos para cada parte, prorrogáveis por mais 10 minutos;

- sentença imediata ou em cinco dias;

- embargos de declaração em cinco dias;

- apelação em dez dias, juntamente com as razões.

Estando o agente em situação de flagrância, poderá a autoridade policial validamente lavrar o auto de prisão, não se aplicando o art. 69, parágrafo único, da Lei nº 9.099/95, que admitia a liberação mediante simples termo de compromisso de comparecimento ao Juizado. A denúncia pode ser oferecida sem o exame de corpo de delito, desde que já esteja provada a materialidade do crime por boletim médico ou prova equivalente (art. 71, § 1º, Lei nº 9.099/95). Caso o réu não seja encontrado para citação pessoal, o procedimento será convertido em ordinário, com a citação por edital (CPP, art. 366).

Entendemos que não é empecilho à presente tese da inaplicabilidade da transação penal aos delitos do Estatuto do Idoso o fato de o art. 79 da Lei nº 9.099/95 fazer remissão à possibilidade de retorno à fase preliminar, com tentativa de acordo civil e proposta de transação penal, já no curso do rito sumaríssimo. Inicialmente, registre-se que a remissão feita pelo art. 79 é apenas à aplicação dos artigos 72 a 75 da Lei nº 9.099/95, excluindo-se o artigo 76 (transação penal). A construção doutrinária quanto à possibilidade de concessão de transação penal na audiência de instrução é uma interpretação sistemática do dispositivo à luz dos princípios do Juizado Especial, em especial a da aplicação preferencial de pena não privativa de liberdade (art. 62, in fine). Tais princípios não se aplicam aos delitos do Estatuto do Idoso, por não serem IPMPO, estando fora da competência do Juizado. Ademais, a transação penal é inserida claramente como uma etapa da fase preliminar, permitindo o art. 79 um retorno a esta fase. Como a fase preliminar não é aplicável aos crimes do Estatuto do Idoso, com pena máxima entre dois e quatro anos, resta prejudicada a aplicação do disposto no art. 79 ao procedimento destes delitos.

Quanto à competência para o julgamento dos recursos, entendemos que os recursos deverão ser julgados pelo Tribunal de Justiça, por uma de suas Turmas Criminais. Divergimos de Luiz Flávio Gomes, que defende que o recurso deverá ser julgado pela Turma Recursal do Juizado Especial Criminal. Se os delitos em análise não são infração penal de menor potencial ofensivo, não sendo julgados pelo Juizado Especial, não vemos como atribuir à Turma Recursal competência para julgar os recursos. Vale lembrar que a Constituição Federal atribuiu à Constituição Estadual e à Lei de Organização Judiciária Estaduais o poder de definir a competência dos Tribunais de Justiça (CF/88, art. 125, caput e § 1º). A possibilidade de julgamento de recurso por turma de juizes que oficiam perante o primeiro grau é uma exceção da própria Constituição Federal (art. 98, I, in fine). É esta exceção da Constituição que concede à legislação federal ordinária a competência para regulamentar, no art. 82 da Lei nº 9.099/95, a competência da Turma Recursal sobre os Juizados Especiais. Não sendo IPMPO os delitos previstos no art. 94 do Estatuto do Idoso da competência do Juizado, não pode o recurso da Vara Criminal ser julgado pela Turma Recursal do Juizado.

Sobre o autor
Thiago André Pierobom de Ávila

Promotor de Justiça do MPDFT, Mestre em Direito pela Universidade de Brasília, Professor de Direito Processual Penal da FESMPDFT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ÁVILA, Thiago André Pierobom. O art. 94 do Estatuto do Idoso e a aplicação do procedimento da Lei nº 9.099/95. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 441, 21 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5728. Acesso em: 5 nov. 2024.

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