O lema: “Trabalhadores de todas as terras, uni-vos”, gravado em flamengo no Pavilhão dos Trabalhadores em Ghent, permanece como uma melancólica lembrança da unidade perdida. (Hobsbawm, 2015).
A tramitação do substitutivo ao Projeto de Lei 6.787/16 que trata da Reforma Trabalhista corre às pressas no âmbito legislativo. Sem maiores debates e, principalmente, sem ouvir os atores sociais diretamente envolvidos.
As mudanças são drásticas, o tempo é curto. A insegurança do que está por vir é motivo de preocupação entre estudiosos, magistrados, procuradores do trabalho, líderes sindicais e trabalhadores de diversas atividades econômicas.
No entanto, em que pesem as enriquecedoras abordagens feitas por doutrinadores que contribuem sobremaneira para o entendimento da temática e de seus reflexos na seara trabalhista, falta, neste momento de profundas mudanças, a presença maciça dos principais atingidos pela reforma trabalhista: os trabalhadores, ou para melhor representá-los: a classe trabalhadora.
Não há dúvidas de que em um país de dimensões continentais como o Brasil, haja sempre enorme gama de interesses divergentes quando se trata da edição ou alteração de uma lei. Há sempre um conflito, há sempre uma camada social que, mesmo não constituindo uma maioria, consegue sobrepujar os interesses – ou melhor, os direitos fundamentais – de uma outra classe economicamente hipossuficiente.
Mas a questão, aqui, não é de quem tem maior ou menor imponência dentro do Congresso, até porque se assim o fosse, levando-se em conta a atual composição de nossas casas parlamentares, anunciaria aqui o fim da própria CLT, resignando que a vontade do mais “forte” sempre prevalecerá.
Não. A questão a qual me refiro é: existe uma identidade da classe trabalhadora no Brasil? Existe uma forma de unir essa população que anda por aí quase que desavisada sem saber que, se não houver uma confluência de seus interesses com os interesses dos outros trabalhadores, haverá tão logo que todos presenciarão seus direitos serem reduzidos ou precarizados por negociações coletivas que não poderão ser anuladas pelo Poder Judiciário a não ser por vícios formais?
É inquestionável a confiança depositada no Poder Judiciário para dirimir conflitos envolvendo matéria trabalhista e é por esse motivo que no núcleo da reforma que pretende “modernizar” a CLT está a prevalência do negociado sobre o legislado, com predominância do acordo coletivo sobre a convenção coletiva, restringindo a atuação da Justiça do Trabalho para os casos em que houver vício na formação desses instrumentos, ou, em outras palavras, os juízes não poderão apreciar a existência de cláusula abusiva no instrumento coletivo se este seguiu o procedimento formal adequado para aprovação. É a prevalência do formal sobre o material e, ainda, do esfacelamento do princípio que, durante muitos anos, norteou as decisões em matéria laboral, qual seja, o princípio da norma mais favorável.
Mas as mudanças não param por aqui, elas atingem desde o acesso ao judiciário, – ora, o empregado pagará custas processuais se não comparecer à primeira audiência, se quiser propor segunda ação, enquanto o empregador, se não comparecer na audiência poderá juntar normalmente sua defesa, desde que esteja representado por advogado – até a extinção da assistência do sindicato na homologação da rescisão do contrato de trabalho, com a instituição da quitação anual das obrigações trabalhistas, com eficácia liberatória das parcelas, que, segundo a Nota Técnica n° 5, do Ministério Público do Trabalho:
Embora conste como uma faculdade, é preciso lembrar que o empregado estará no curso do contrato, sob dependência econômica e subordinação, o que obviamente afeta a sua liberdade de recusar o procedimento. Além disso, é preciso ter presente que grande parte dos sindicatos não possui estrutura adequada para dar assistência ao empregado em tal ato, ficando o trabalhador sujeito a acolher o que o empregador alegar como correto.
Observe-se, ainda, que, na área rural, muitas vezes o mesmo sindicato congrega produtores e trabalhadores rurais, o que torna apenas formal a ideia de assistência. De qualquer sorte, a quitação fornecida no curso do contrato e fora do controle jurisdicional não deve ter eficácia liberatória, sob pena de consolidar lesão aos direitos sociais.¹
É cediço que no Brasil não houve uma fase de maturação do Direito do Trabalho, ou seja, não houve eferverscência significativa da base operária para positivação de melhores condições de trabalho. Nessa esteira, assevera Delgado (2016):
A reflexão comparativa entre as duas primeiras fases do Direito do Trabalho no país evidencia que se passou de um salto, da fase de manifestações insipientes e esparsas para a fase de institucionalização do ramo jurídico trabalhista, sem a essencial maturação político-jurídica propiciada pela fase da sistematização e consolidação (à diferença dos modelos europeus mais significativos).
Assim, legislação trabalhista nasceu e se consolidou sem profundas manifestações sociais, o que resultou, ainda, segundo o referido autor, em um modelo fechado, centralizado e compacto, caracterizado por incomparável capacidade de resistência e duração ao longo do tempo.
O objetivo aqui, não é discorrer acerca da evolução histórica do Direito do Trabalho no Brasil, nem mesmo abordar de maneira aprofundada todos os pontos do substitutivo ao PL 6.787/16, mas sim, questionar sobre a existência ou não de uma consciência de classe entre os trabalhadores brasileiros e se a atual conjuntura política não requer que essa consciência se desenvolva em prol da luta pela manutenção do patamar mínimo de direitos trabalhistas até agora positivados, sem margens para flexibilização e precarização.
Para o historiador do movimento operário Hobsbawm (2015):
Ficou historicamente comprovado que é difícil contestar e impedir a consciência de classe já que ela surge natural e logicamente da condição proletária, pelo menos na forma elementar de “consciência sindical”, isto é, o reconhecimento de que os trabalhadores como tais precisam organizar-se coletivamente contra os empregadores, a fim de defender e melhorar suas condições como operários assalariados.
De tal modo, faz-se necessário perquirir e instigar a existência de uma consciência única e irrefutável da classe trabalhadora como um todo, independentemente de suas diferenças ideológicas, étnicas, religiosas e culturais, capaz de unir cidadãos com o objetivo central de lutar pela dignidade do ser humano trabalhador, pois, como bem leciona Hobsbawm (2015):
A unidade de todos os trabalhadores é um trunfo evidente quando eles entram em greve por razões econômicas e, embora para outras finalidades eles possam considerar-se, principalmente como católicos os protestantes, pretos ou brancos, poloneses ou mexicanos, é aconselhável pôr de lado estas discriminações para fins tais como pedir salários mais altos.
Tal alusão a salários mais altos, transportada para o cenário brasileiro atual, requer que seja interpretada como a manutenção do que Delgado (2016) chamou de “patamar mínimo civilizatório”, ou seja, não se trata necessariamente de reivindicar majorações salariais, mas sim, de sair da inércia de acatar o que é decidido pelas instâncias legislativas e buscar apoio mútuo para combater o retrocesso social.
Trata-se, por fim, de não aceitar tacitamente as mudanças que querem se erigir sem nenhum debate – quase que outorgadas – e buscar as bases da consciência de classe, que é a única capaz de estancar a proposta retrógrada de reforma trabalhista para, de uma forma democrática e consciente construir a tão almejada modernização da CLT, apoiando-se sempre na premissa de que o desenvolvimento econômico deve ser alcançado com equilíbrio entre o capital e o trabalho e em consonância com os valores sociais garantidores da valorização do trabalho humano e da máxima eficácia dos princípios constitucionais.
NOTAS
¹ http://portal.mpt.mp.br/wps/wcm/connect/portal_mpt/c6d5ffb6-5285-4f96-87f3-6a02340ded33/notatecnica_76-2017.pdf?MOD=AJPERES Acessado em: 30/04/2017
REFERÊNCIAS
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito de Trabalho. 15ª ed. São Paulo: Ltr, 2016.
HOBSBAWM, Eric J. Mundos do trabalho: Novos estudos sobre a História Operária. 6 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.