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Simples nacional: a tributação das microempresas e empresas de pequeno porte

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Agenda 05/05/2017 às 15:15

O simples nacional é um regime especial, diferenciado, simplificado, favorecido, unificado e opcional para o contribuinte, instituído por Lei complementar, sob o respaldo de norma constitucional.

Sumário: Resumo. 1.Introdução. 2.Disciplina constitucional. 3.Disciplina legal e regulamentar. 4. Aspectos gerais e constitucionais. 4.1. Características. 4.2. Vigência e revogação dos demais regimes favoráveis de tributação. 4.3.Instâncias gestoras. 4.4. Vantagens e desvantagens. 4.5. Simples federal versus Simples nacional. 4.6. Abrangência do Simples nacional. 4.7.Não abrangência do simples nacional. 4.8. Opção pelo simples nacional. 4.8.1.Microempresa e empresa de pequeno porte. 4.8.2. Hipóteses de vedação à opção. 4.8.3. Demais condições. 5. Cálculo do valor devido. 5.1. Regime de reconhecimento de receitas. 5.2.Segregação das receitas mensais por atividade. 5.3.Segregação das receitas mensais segundo o regime de tributação. 5.4.Partilha do simples nacional por anexo. 5.5.Base de cálculo. 5.5.1. Receita bruta total ( RBT). 5.5.2.Receita bruta acumulada ( RBT12). 5.5.3. Receita bruta acumulada proporcionalizada. 5.5.4.Receita bruta acumulada no ano-calendário ( RBA). 5.6. Alíquotas. 5.7. Determinação do valor devido. 5.8. Exemplo simplificado de cálculo do simples nacional. 6. Principais alterações da Lei complementar nº 115/2016. 7. Conclusão. 8. Referências

Resumo:Plasmado na constituição, o sistema tributário brasileiro tem características singulares que o distancia de outros sistemas tributários. Algumas especificidades decorrem de dois princípios políticos-referenciais: o republicano e o federativo. No que se refere à tributação indutora do desenvolvimento nacional, destaca-se o regime único de arrecadação de impostos e contribuições da União, dos Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios, conhecido por simples nacional. O simples nacional é um regime especial, diferenciado, simplificado, favorecido, unificado e opcional para o contribuinte, instituído por Lei complementar, sob o respaldo de norma constitucional. Apesar de ter recebido a alcunha de simples nacional, o regime é, por demais, complexo, já que envolve o recolhimento, em um só documento de arrecadação, de tributos de todas as entidades da federação e segundo características singulares das diversas manifestações de riqueza envolvidas nas atividades econômicas do contribuinte. Essa complexidade ostensiva requer, por parte do optante pelo regime, criteriosa análise sobre as vantagens e desvantagens que o sistema aponta. Dessa maneira, sob as premissa da dogmática jurídica, este estudo expõe a estruturação básica do regime, a começar pela sua topografia constitucional e a disciplina legal esculpida na Lei Complementar nº 123, de 2006, conhecida pelo Estatuto jurídico da microempresa e da empresa de pequeno porte.

PALAVRAS-CHAVES: Tributos, Microempresas, capacidade contributiva, simples nacional.


1.      Introdução

A tributação, como todos sabem, retira recursos do setor privado e deles se apropria para financiamento das atividades estatais. Esse esforço de tributação e aplicação dos recursos para atender as necessidades públicas é poderoso instrumento de desenvolvimento nacional e de distribuição de renda, razão pela qual a sua estrutura normativa, particularmente no Brasil, tem evidente estruturação constitucional.

Com efeito, no Brasil, a Constituição, matriz normativa da ordem jurídica total, é formatada a partir de diversos micro ordenamentos jurídicos, dentre eles o sistema tributário nacional, que por sua vez, configura-se em níveis particulares de atuação, visto que é estrutura de um país federativo[1].

Os países que adotam a forma federativa de Estado, como o Brasil, têm grande dificuldade em instituir um sistema tributário que se revele ao mesmo tempo eficaz, eficiente e simplificado. É que a descentralização político-administrativa própria das federações requer um manejo político inteligente, responsável e de difícil implementação na configuração e manutenção do pacto federativo.

Por outro lado, se essa Federação adota a forma republicana de governo, essa dificuldade só tende a aumentar, posto que a República afasta a possibilidade de concessão de privilégios que não sintonizados com o princípio da isonomia, na sua dimensão da razoável tributação segundo a capacidade contributiva do contribuinte, nos moldes de um Estado democrático de Direito, comprometido com a responsabilidade fiscal.

 Sendo, pois, o Brasil uma República, uma república federativa, intensifica-se a dificuldade de se encontrar um justo e razoável equilíbrio basilador de um sistema tributário ideal, de modo a aquilatar alguns dos conflitos de interesses que normalmente ocorrem em tais casos, tais como:

a) A posição antagônica em que normalmente se colocam os atores envolvidos na tributação: setor público e o setor privado. Àquele a reivindicar maiores somas de recursos ao abastecimento do Erário; estes, demandando diminuição da carga tributária, em situação tal, que não raras vezes, os dois lados têm razão, ou nenhuma;

b) Um acentuado conflito vertical entre as entidades políticas da federação, cada qual se achando credora de legítimo interesse em aumentar sua participação no produto da arrecadação dos tributos;

c) O infindável embate entre os Estados-membros, sobre a justa divisão do ICMS entre os Estados produtores (ICMS na origem) e os Estados consumidores (ICMS no destino);

d) Os ideais de justiça fiscal, advindos em última hipótese, do princípio da isonomia, na medida da capacidade contributiva de cada um, sob o manto do princípio republicano que não admite privilégios infundados e não razoáveis;

e) A indiscutível necessidade de manutenção dos gastos públicos dentro de parâmetros suportáveis pela economia privada e amparados pela legitimidade teleológica do emprego dos recursos públicos.

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Daí que o tema reforma tributária no contexto do pacto federativo é matéria recorrente. A Emenda Constitucional nº 42, de 2003, é uma das que, alterando a Constituição de 1988, ensaiou uma reforma tributária, a renovar, posto que inconclusa, os anseios por uma verdadeira reforma tributária, que reclama ampla discussão com os atores sociais e institucionais envolvidos, o que passa necessariamente pela própria definição do modelo de Estado que queremos e quais os recursos que devem supri-lo.

Dada a importância que têm as microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) para a economia nacional, também é recorrente no contexto das discussões tributárias, principalmente em sede de reforma tributária, a discussão sobre um adequado tratamento jurídico a essas células do desenvolvimento nacional, que por sinal, representa a maioria das empresas brasileiras.

De fato, dados da OCDE, de 2009, demonstram que, no âmbito dos países que lhe integram, as micro e as pequenas empresas representam 94% ( noventa e quatro por cento) das empresas industriais e mais de 95% ( noventa e cinco por cento) das empresas de serviços[2].

No Brasil, no que se refere à geração de emprego, dados do Ministério do Trabalho e da Previdência Social indicam que na última década, as micro e pequenas empresas geraram 11.084.256 ( Onze milhões, oitenta e quatro mil, duzentos e cinqüenta e seis) novas vagas de trabalho, enquanto as médias e grandes empresas fecharam 647.259 ( Seiscentas e quarenta e sete mil, duzentas e cinqüenta e nove) vagas{C}[3]{C}.

Por outro lado, segundo a mesma fonte, agora a partir de dados da Receita Federal do Brasil{C}[4], desde a  sua criação, o Simples Nacional gerou R$ 542 ( quinhentos e quarenta e dois) bilhões para os cofres públicos, sendo R$ 409 ( quatrocentos e nove) bilhões para a União; R$ 88 ( Oitenta e oito) bilhões para os Estados; e R$ 43 (quarenta e três) bilhões para os municípios.

Isto explica a preocupação que as Nações tem com o tratamento tributário das suas micro e empresas de pequeno porte. É verdade que esse tratamento tributário favorecido há de se pautar em um razoável equilíbrio entre a necessidade do privilégio, em vistas do desenvolvimento nacional, geração de renda e emprego, e a responsabilidade com gasto público, advindo da desoneração tributária implementada.

No Brasil, o fato é que mesmo antes da emenda Constitucional nº 42, de 2003, o tratamento jurídico diferenciado e favorecido para as Microempresas e para as Empresas de pequeno porte visando incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas, já tinha assento constitucional, conforme previsão do art. 179 da Constituição de 1988.

Nesse contexto, a Emenda Constitucional nº 42, de 2003, alterou o art. 146 da Constituição Federal, exigindo lei complementar (antes bastava lei ordinária) para definir um tratamento diferenciado e favorecido para as MEs e EPPs, inclusive no que se refere a regimes especiais ou simplificados no caso de alguns tributos.

Cumprindo tal desiderato, a Lei complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006 instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, também conhecida como Lei Geral da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

Mas a opção pela tributação no regime do Simples Nacional requer  da pessoa jurídica pretendente criteriosa análise sobre as vantagens e desvantagens que o sistema aponta.  De fato, é preciso responder a algumas perguntas básicas: A empresa pode ser enquadrada como ME ou EPP? Com que efeitos? Somente os efeitos gerais, ou com efeitos tributários também? qual o alcance dos efeitos tributários. Como determinar o valor devido? Como optar pelo regime? quais as hipóteses de exclusão do sistema? Existe outro regime tributário mais favorável ao contribuinte?

Dada a manifesta e paradoxal complexidade do “simples nacional”, é impossível, nos estreitos quadrantes de um artigo acadêmico, explicitar toda a dogmática jurídica pertinente ao sistema, e mais ainda, aquilatar as respostas necessárias e mais pertinentes que afloram das perguntas acima aventadas.

No entanto, é possível expor a estruturação básica do regime e fornecer pistas constitutivas de premissas  que possam suportar respostas à compreensão do fenômeno tributário concernente à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante o regime único de arrecadação, conhecido por Simples Nacional, instituído pela Lei complementar 123, de 2006. É este o objetivo deste trabalho.

Do ponto de vista metodológico, considerando a amplitude temática e a pequena bibliografia até então construída sobre o tema, optou-se por um estudo focado no dogmatismo jurídico, com vistas, quase que exclusivamente, no texto constitucional e da Lei complementar nº 123, de 2006, esperando com isso que, ao menos, possa o leitor compreender a configuração normativa mais geral desse importante regime de tributação da República federativa do Brasil.


2. Disciplina constitucional

O tratamento jurídico diferenciado visando incentivar as microempresas e as empresas de pequeno porte, pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas, tem fundamento constitucional, mais especificamente o art. 179 da Constituição Federal, verbis:

Art.179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

A lei referenciada no artigo 179 seria lei ordinária, mas por força da alteração do artigo 146 da Constituição Federal promovida pela Emenda Constitucional nº 42, de 2003, hoje, é Lei complementar o veículo normativo próprio para a definição do tratamento jurídico-tributário diferenciado e favorecido para esse tipo de empresa.

Quer dizer que até a Emenda Constitucional n° 42, de 2003, já havia a previsão constitucional de regimes favorecidos destinados às ME e EPP, que poderia ser estabelecido através de simples lei ordinária. Com a promulgação da referida Emenda, houve a possibilidade de instituição de um regime único, abrangendo tributos federais, estaduais, distritais e municipais. Agora, tal regime só pode se dá através de lei complementar.

Cumpre ainda mencionar que o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País é princípio da ordem econômica, conforme art.170,IX:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

.....................................................................................................

IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

Por fim, observe-se que o artigo 94 do ADCT da CF dispõe que “os regimes especiais de tributação para ME e EPP próprios da União, dos Estados, do DF e dos Municípios cessarão a partir da entrada em vigor do regime previsto no art.146,III,d da CF.

            Vê-se, pois, que aqui, em matéria de simples nacional, a constituição brasileira, como o fez com todo o sistema tributário nacional, debulhou-se em uma exaustividade de normas, a compor o perfil jurídico básico do regime, e com isso, restringe, como o faz em toda matéria tributária, o legislador ordinário no seu mister de instituir tributos e disciplinar seus respectivos regimes de tributação.


3. Disciplina legal e regulamentar

            Afora a Constituição da República que fundamenta a superioridade normativa do Simples Nacional, diversos veículos normativos constituem a sua disciplina legal. A fonte legal básica é a Lei complementar nº 123, de 2006, conhecida como o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. A lei complementar sofreu diversas alterações, tais como: Lei complementar nº 127, de 14 de agosto de 2007, Lei complementar nº  128, de 19 de dezembro de 2008, Lei complementar nº  133, de 28 de dezembro de 2009, Lei complementar nº  139, de 10 de novembro de 2011, Lei complementar nº 147, de 7 de agosto de 2014, Lei complementar nº 154,de 18 de abril de 2016, Lei complementar nº 155, de 27 de outubro de 2016, e pela lei ordinária nº 12.792, de 28 de março de 2013[5].

Além da Lei complementar nº 123, de 2006, destacamos o art. 970 do Código Civil que assegura tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes.

Como se trata de um Estatuto Geral, a Lei complementar nº 123 não só disciplina matéria de natureza tributária, mas normatiza, conforme dispõe o seu artigo 1º, um conjunto maior de situações relevantes para as Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tais como:

a) Apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante um regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias, regime este conhecido como Simples Nacional, ou como teima em denominar a imprensa, Supersimples;

b) Cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias, e

c) Acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão;

d) Cadastro nacional único de contribuintes a que se refere o inciso IV do parágrafo único do art. 146, in fine, da Constituição Federal.

À disciplina constitucional e legal do simples nacional, segue-se uma miríade de outros normativos infralegais, tais como decretos, portarias, recomendações, atos declaratórios e resoluções dos diversos órgãos competentes para tratar do assunto, principalmente do seu Comitê Gestor, que é a instância administradora do regime no que se refere aos aspectos tributários. Destacamos, dentre esses atos regulamentares, a  Resolução  nº 94, de 29 de novembro de 2011, que se configura quase como um Regulamento do Simples Nacional.

Sobre o autor
Francisco Leite Duarte

Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil, Professor de Direito Tributário do Centro Universitário de João Pessoa, da Universidade Estadual da Paraíba e da Escola Superior da Magistratura-PB, um dos vencedores do Prêmio nacional de educação fiscal com o Programa de extensão Receita para a cidadania e para o desenvolvimento (UEPB), Autor de Direito Tributário: Teoria e prática ( Revista dos Tribunais, 2015, 864 páginas).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Francisco Leite. Simples nacional: a tributação das microempresas e empresas de pequeno porte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5056, 5 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57506. Acesso em: 22 dez. 2024.

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