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Redução da maioridade penal:

entre o direito e a opinião pública

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Agenda 09/10/2004 às 00:00

O tema enseja um debate no qual não são discutidas apenas as questões processuais da esfera jurídica, mas também o sentimento de justiça cultivado pela população.

Resumo: Este artigo tem por objetivo perscrutar a relação entre o direito e a opinião pública no que se refere ao tema da redução da maioridade penal. Tomando como exemplo, para fins argumentativos, um episódio criminal recentemente divulgado pela mídia brasileira, intenta-se demonstrar que esse tema enseja um debate no qual não são discutidas apenas as questões processuais da esfera jurídica, mas também o sentimento de justiça cultivado pela população. Desta forma, busca-se entender a problemática da redução da maioridade penal ancorada na perspectiva sociojurídica.

Sumário: 1. Introdução; 2. Direito e opinião pública; 3. Reacendendo a discussão da maioridade penal; 4. A redução da maioridade penal: algumas considerações; 5. Solução ou paliativo?; 6. Considerações finais; 7. Bibliografia.

Palavras-chave: Direito, maioridade penal, mídia, opinião pública, Sociologia Jurídica.


1. Introdução

É sintoma de saúde intelectual e cultural a realização de debates em face de crimes amplamente noticiados pela mídia nacional. Juristas, formadores de opinião e a população de modo geral não se furtam a manifestar suas concepções sobre o ocorrido, como se tal manifestação constituísse uma necessidade de suas posturas. Seja com tons acentuadamente sensacionalistas, seja com responsabilidade, a reflexão sobre as causas da violência não escapa àqueles que vêem o bem-estar social como imperativo da vida moderna. Assim, parece compreensível que procurem encontrar soluções para problemas que os afligem. É na busca dessas soluções que a população e os operadores do direito se flagram diante de impasses os mais variados. Produzindo uma significativa tensão entre as questões técnicas da normatividade jurídica e as visões de mundo populares, a discussão sobre a criminalidade não deixa de engendrar uma série de indagações, exigindo resposta urgente. Esse é, dentre tantos, o caso do debate sobre a redução da maioridade penal. Muitas vezes vista como uma panacéia do combate à violência, tem ela se apresentado como uma verdadeira polêmica, a dividir opiniões e a ferir idiossincrasias.

Um dos obstáculos com os quais se depara o estudioso sobre as relações entre o direito e a opinião pública é precisamente a dificuldade de estabelecer qual é o setor da opinião pública a ser avaliado diante de um determinado fato. Nesse sentido, Miranda Rosa chama a atenção para um ponto importante sobre o assunto. De acordo com ele: "não existe, deve-se reconhecer, uma opinião pública. Existem, isso sim, diversas correntes de opinião, concorrentes ou divergentes, coexistentes sem conflito, ou contraditórias em graus diversos, compondo um universo de opiniões que se manifestam em determinado momento e lugar, de maneira a apresentar certos traços gerais e algumas tendências uniformes, além de afirmações de natureza majoritária [1]". Sendo assim, qualquer investigação sobre essa problemática deve eleger, especificamente, a parcela da opinião pública a partir da qual as considerações teóricas deverão ser norteadas. A despeito disso, quando vislumbramos sua uniformidade, através de pesquisas realizadas por institutos de credibilidade nacional, há a possibilidade de se proceder à reflexão sobre o tema de modo a tomar a própria opinião pública como um dado objetivo. Um tal procedimento não significa, entretanto, que não se deva ponderar sobre as peculiaridades existentes em cada segmento da sociedade civil.

O caso que nos servirá de modelo para esquadrinhar a relação entre a opinião pública e o direito é exemplar a respeito de como o clamor popular acaba por gerar um debate no qual não são tratadas apenas as questões processuais da esfera jurídica, mas também o sentimento de justiça cultivado pela população. Nessa perspectiva, utilizaremos como fonte de pesquisa as discussões veiculadas pela mídia paulista, sobretudo aquelas divulgadas na Folha de São Paulo. A escolha desse meio de comunicação de massa não é arbitrária, mas justifica-se pela cobertura exaustiva que fizera do episódio em pauta e pela publicação das opiniões de leitores em coluna específica do jornal.


2. Direito e opinião pública

Relativamente ao direito, são muitos os temas versados pelas pesquisas de opinião pública. Em sua maioria, tais pesquisas são realizadas por sociólogos-juristas que visam compreender a ligação entre os pressupostos da normatividade jurídica e a noção que têm os leigos sobre eles. Assim, é comum encontrarmos investigações que focalizem a aceitação e o conhecimento do direito por parte da população, bem como o funcionamento do sistema jurídico [2]. Em países nos quais há um elevado nível de corrupção envolvendo operadores do direito vários são os setores da sociedade que manifestam insatisfação com a estrutura e a dinâmica judiciárias. Com efeito, não é difícil entender as razões pelas quais uma certa repulsa às instâncias jurídicas é cultivada pelo povo, de sorte a aumentar o hiato entre seus anseios e as possibilidades de consecução da justiça. Este quadro é bastante claro no que se refere à concepção popular sobre o Judiciário. Sobre esse assunto, Cavalieri Filho observa: "Quando a opinião pública se forma no sentido de considerar uma determinada instituição arcaica, deficiente, ineficaz etc., então é alto tempo de se procurar saber onde estão as causas de suas deficiências e de se realizarem as reformas necessárias, sob pena de se tornar a instituição totalmente irrecuperável. É o que ocorre atualmente com o Judiciário, a respeito do qual a opinião pública se formou (já é possível conhecê-la mesmo sem uma pesquisa científica, tão grave se tornou o problema) no sentido de considerá-lo deficiente, emperrado e moroso" [3]. Note-se que a dimensão da crise do Judiciário é tamanha que o autor assinala a ausência de pesquisas científicas para aferi-la. De fato, não seriam necessárias investigações qualitativas ou quantitativas para se poder aquilatar a opinião do público ante as inúmeras desventuras por que tem passado o poder Judiciário brasileiro. Mesmo os leigos que não têm o hábito de se informar sabem que na estrutura desse poder grassa a corrupção. Além disso, a lentidão das tomadas de decisão de nossos magistrados constitui já característica bastante conhecida mesmo por aqueles que não tiveram experiências de resolução de litígios, seja na área civil, seja na penal.

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Assinalemos que o teor da opinião pública é freqüentemente desprovido de conhecimentos criteriosos sobre o sistema jurídico. Não poderia ser diferente, posto que no Brasil o conhecimento da normatividade jurídica por parte da população é ainda extremamente restrito, senão limitado. De certa maneira, o exíguo contato que os indivíduos estabelecem com a esfera jurídica se dá quando são acometidos de situações nas quais urge solicitar seus serviços. Tendo como foco essa problemática, Ana Lúcia Sabadell pondera: "A maior parte dos cidadãos possui uma imagem parcial e incompleta sobre o sistema jurídico e, dessa forma, as respostas não refletem um conhecimento ou uma realidade do direito, mas somente uma opinião confusa e ideológica. A pessoa comum não possui conhecimento suficiente para analisar, por exemplo, se a Justiça combate eficientemente a criminalidade ou se os juízes são imparciais. Se for perguntado, o cidadão tentará generalizar em base às poucas experiências pessoais e, sobretudo, repetindo a opinião veiculada pela mídia, que dá particular destaque aos problemas e escândalos (exemplo: ''corrupção de juízes'') e nunca noticia o cotidiano normal do sistema jurídico. Assim sendo, os questionários relativos à opinião sobre o direito em geral reproduzem o ''senso comum'' difundido pela mídia, ou seja, refletem estereótipos e visões ''sensacionalistas'', não descobrem a opinião ''pessoal'' de cada interrogado e seguramente não permitem constatar a ''realidade'' do direito" [4]. Ancorados nas observações da autora, não hesitaríamos em afirmar que a disseminação das idéias de morosidade, de corrupção e ineficiência do Judiciário parecem ser inextrincáveis da concepção popular.

Também é fato notório que quando a mídia noticia algum crime bárbaro, irrompe o anseio, por parte da população, de um direito repressivo. Movida pelo calor da hora e pelo sentimento de inconformismo tão característico de quem se vê as voltas com atrocidades, é ela que reivindica, amparando-se numa suposta legitimidade, sanções mais severas aos infratores. Contudo, transcorrido algum tempo do episódio narrado, o inconformismo é sobejamente atenuado. Com efeito, "constata-se a grande instabilidade da opinião pública sobre o direito. Após um crime ou um escândalo político, muitos se sentem indignados com o sistema de Justiça e multiplicam os apelos por uma política repressiva. Passada a comoção, muda a opinião" [5]. A instabilidade da opinião pública é ainda mais patente num país que parece corroborar a máxima segundo a qual seus cidadãos "têm memória curta". Não é de se estranhar, pois, que os problemas amiúde debatidos pela sociedade civil em momentos de perplexidade nacional acabem por resvalar, com o passar do tempo, em episódios anódinos, cuja lembrança ecoa na memória dos indivíduos como fatos desprovidos de dramaticidade social. Em outros termos, tais problemas não são mais vistos como decorrência de conflitos sociais, mas apenas como uma particularidade de personalidades bizarras, alheias ao espírito da coletividade.

Ainda assim, apoiada no chamado sentimento de justiça, a população tenciona estabelecer o que considera justo e quais padrões deve seguir, a fim de promover um convívio saudável na ordem social. É de suma importância, aliás, a avaliação do que seja o sentimento de justiça: "O exame do sentimento de justiça abrange necessariamente o das normas existentes, sua adequação, ou não, ao que é tido como justo, a aprovação social das sanções que o direito estabelece e garantidora da validez e eficácia das normas. Também abarca a maneira como a opinião do público se manifesta sobre o comportamento ilícito, ou a distância entre a desaprovação da norma jurídica a certa conduta, e a desaprovação que o consenso ético-social impõe à mesma forma de comportamento" [6]. Deste modo, seria desejável que os anseios do público fossem levados em consideração pelos legisladores quando da instituição de leis. Esse procedimento poderia garantir, em expressiva medida, a eficácia do direito, porquanto haveria a compatibilidade entre as aspirações do povo e as regras prescritas pela normatividade jurídica.

Como avaliar, então, a ligação entre a opinião pública e o direito? Em que medida as reivindicações feitas pela sociedade civil não se chocam com a opinião dos juristas? Quais são os pontos de tensão e aproximação entre o ideal de justiça do povo e a posição dos especialistas na área penal? Recorramos novamente às ponderações de Miranda Rosa: "A propósito é interessante abordar a relação existente entre o direito e a opinião pública. Ambos os fenômenos, como ocorre em geral na sociedade, são condicionantes e condicionados recíprocos, em virtude da interação que opera entre a norma jurídica e a opinião pública. (...) As regras de direito moldam, em parte, (...), a opinião dominante em determinada sociedade. (...) A maneira como são encaradas, porém, tais regras pelos componentes da opinião grupal, constitui algo que exige reflexão e pode indicar caminhos legislativos mais apropriados" [7]. Calcados nessa dicotomia direito-opinião pública é que nos seria possível entender a relação que se opera com freqüência entre a sociedade e a normatividade jurídica. Trata-se de uma relação dialética, por meio da qual torna-se viável apreender as concepções sociais relativamente às normas de conduta que orientam a vida gregária.


3. Reacendendo a discussão da maioridade penal

Dotada de um ar de romantismo, a recente história que fez reacender a discussão sobre a redução da maioridade penal no Brasil poderia servir a um roteiro cinematográfico [8]. Um casal de adolescentes, estudantes de um colégio tradicional de São Paulo, sai de casa com o objetivo de acampar nas imediações da cidade. Visando manter sua privacidade, mencionam aos pais roteiros diferentes e não hesitam em afirmar que a viagem seria acompanhada de amigos. Ela partiria rumo ao litoral norte e ele iria para o município de Embu-Guaçu – local para onde, de fato, foram –, território já de seu conhecimento. Diante do não regresso de seus filhos na data prevista, os pais começaram a desconfiar de que algo estava errado. Foi, então, que acionaram a polícia. Helicópteros foram mobilizados para as buscas e a família da moça também não se furtou a lançar mão desse expediente para distribuir folhetos com fotos para identificação e telefone para contato. Até mesmo a internet serviu de instrumento para localização dos sumidos [9]. Entre o momento de contato com a polícia e a descoberta dos cadáveres, a mídia expôs publicamente o caso, cogitando hipóteses as mais variadas para o sumiço do casal. Teriam os adolescentes fugido de casa? Tratava-se de seqüestro? Pouco depois de uma semana, os corpos dos dois adolescentes foram encontrados. Ele morrera com um tiro na nuca e ela, com uma série de facadas.

Embora os crimes tenham sido cometidos por quatro indivíduos maiores de idade, houve a participação de um menor, a quem se atribui quatorze facadas impingidas na moça [10]. Tendo sido ele o mais visado durante o tempo em que a sociedade debateu o episódio, é compreensível que a opinião pública passasse a discutir a questão da redução da maioridade penal. Portanto, as atenções da mídia ficaram voltadas à sua participação no caso.

Foi o que ocorreu, sobretudo, a partir da exibição do programa de Hebe Camargo, no Sistema Brasileiro de Televisão. Na presença dos pais das vítimas, a apresentadora fez as seguintes observações: "Ele é tão monstro que fez o delegado chorar. (...) Ai, se eu pudesse fazer uma entrevista com o Xampinha... Ele iria virar linguiça. (...) Viu Xampinha? Eu vou fazer uma entrevista com você, vou mesmo. Se me deixarem, eu vou, mas eu vou armada. Eu saio de lá e vou para a cadeia. Mas ele não fica vivo" [11]. Como entender sua atitude diante da responsabilidade que tem na formação da opinião pública? Como se sabe, Hebe Camargo comanda um programa de auditório com altíssima audiência e é conhecida pelas declarações polêmicas que amiúde faz diante das câmeras. Não foram raras as vezes que, levantando bravatas em torno de assuntos controversos, fora acusada de fazer apologia ao crime. No tocante à sua postura, valeria a indagação: em que patamar situa-se sua consciência enquanto formadora da opinião pública? A questão valeria também para outros apresentadores que versam sobre temas criminais de maneira leviana, motivados pelo sensacionalismo e pela busca dos altos índices de audiência. Desta forma, não nos é dado descurar a influência que tais apresentadores exercem sobre seus telespectadores. Parece natural que ponderações como as de Hebe Camargo, por exemplo, encontrem eco em vozes da sociedade civil, como se depreende de carta enviada ao "Painel do Leitor" da Folha de São Paulo: "Em relação à violência praticada por menores, Hebe Camargo somente verbalizou o pensamento de milhões de brasileiros. Enquanto isso, pseudo-autoridades patrulham hipocritamente quem clama por uma Justiça mais rigorosa. Enquanto esses ''pseudos'' estiverem dominando, coitados de nós, continuaremos morrendo de medo de sair de nossas casas" [12]. As palavras do leitor são evidentes quanto às expectativas que tem a população no que concerne a "uma justiça mais rigorosa", leia-se, um direito mais repressivo.

Assim, não podemos deixar de reconhecer que a televisão desempenha um papel explícito no modo pelo qual se constitui a opinião pública. Não se trata de relegar ao segundo plano a função dos demais meios de comunicação. Ocorre, contudo, que "a forma de comunicação mais influente e de impacto tem sido a televisão, na medida em que esta se tem situado como mediadora entre sensibilidade e inteligência humanas e os dados objetivos da vida social. (...) Hoje, principalmente quando o centro das preocupações é a violência, discute-se muito os papéis cumpridos pela TV no dinamismo da interatividade humana" [13].

Ao ampliarmos essa observação ao conjunto da programação televisiva veiculado atualmente, veremos que não são apenas os programas de auditório os responsáveis pela disseminação irrefletida sobre a violência. Em certo sentido, há também a influência da mídia sobre o comportamento dos adolescentes. É relativamente fácil perceber o quanto o universo simbólico do cinema e da televisão incide na personalidade de um indivíduo, especialmente quanto ele se encontra em fase de formação intelectual e moral. Não é raro vermos a disposição que têm os adolescentes para emular a postura de personagens protagonizados, via de regra, por atores de acentuada evidência nas telas midiáticas. Desde a forma física até a maneira de trajar-se são, com freqüência, modelos a serem seguidos por aqueles que desejam ver em suas vidas particulares a reprodução do sucesso logrado no reino ficcional. Não é à toa que a identificação entre o mundo real e o mundo da ficção coloca-se como um imperativo das influências que almejam a mídia e a indústria cultural em sua tentativa de propalar os valores a ela convenientes [14]. Tudo se passa, portanto, como se pudesse haver uma continuidade entre os dois mundos, de sorte a habilitar, ainda que abstratamente, a projeção do anonimato ao terreno da notoriedade. Essa identificação é de tal modo decisiva e, em muitos casos célere, que, após a assistir a filmes e novelas, os cidadãos tendem a reproduzir o comportamento de seus ídolos, sublimando suas vontades mais íntimas. Vários são os relatos sobre adolescentes que cometeram atos bárbaros e procuraram justificá-los com base na idéia de que eram legítimos, porquanto foi essa a mensagem transmitida pelo filme que assistiram. Nessa perspectiva, atribui-se à ficção o fundamento dos atos verificados no mundo real.

Ao tecermos essas considerações a respeito da influência da mídia sobre o comportamento violento de adolescentes não temos em vista, absolutamente, a tentativa de justificar os crimes por eles cometidos. Uma tal postura consistiria em atribuir aos meios de comunicação de massa, especialmente à televisão, a responsabilidade pelas barbáries reinantes em nossa sociedade [15]. O que exige atenção, no entanto, é a compreensão do comportamento de uma parcela significativa de jovens que acaba por agir com base nos estereótipos consagrados pelo reino midiático.

Pautados nessa ordem de observações, podemos ver como se forma a opinião do público no que concerne à postura dos criminosos em nossa sociedade. É clara a idéia de que os jovens de nossos tempos têm consciência de seus atos e devem responder pelas infrações cometidas. O caso dos assassinatos dos estudantes Felipe Silva Caffé e Liana Friedenbach é apenas um exemplo de como a população reage aos crimes bárbaros noticiados pela mídia. O leque de reivindicações populares exacerbou-se quando, em entrevista cedida logo após o episódio, o pai da moça afirmou ser favorável à redução da maioridade penal. De acordo com ele: "Sou radicalmente a favor. Isso já deveria ter ocorrido há 20 anos, mas nossos legisladores se fazem de surdos quando a população clama por isso" [16]. Note-se o tom um tanto agressivo com o qual procura chamar atenção daqueles que são os responsáveis por elaborar nossas leis. Tal agressividade também é externada ao ser indagado sobre o que sente em relação aos assassinos: "Meu recado e minha raiva não são para quem cometeu o crime diretamente, mas para quem o comete indiretamente, que é o nosso poder instituído e inoperante, que deixa livre uma pessoa como ele, que já era criminoso. (...) Porque ele tem 16 anos não pode ter a foto e o nome nos jornais? Eu, você, todo cidadão tem o direito de saber com quem está cruzando na rua" [17]. Conforme se vê, sua crítica refere-se ao sistema jurídico que permite a liberdade de quem já havia demonstrado não ter condições de convivência em sociedade. Houve, nesse sentido, a responsabilização das instâncias jurídicas pelo que se passou com sua filha. O hiato entre os anseios populares e a possibilidade de efetivação da justiça, mencionado anteriormente, poderia, segundo sua visão, ser elidido se houvesse uma eficiência daquilo que chama de "poder instituído". Subjacente às suas considerações, há também a crítica às instituições que deveriam tutelar o comportamento desviante dos adolescentes. O descrédito nessas instituições de recuperação de menores é verificável em grande parte da população e sobremodo difundidos pelos meios de comunicação de massas. Atentando para a coluna "Painel do Leitor", da Folha de São Paulo, temos um exemplo: "O que mais revolta nesse caso do casal de namorados morto em São Paulo é que esse crime, com certeza, não será o último cometido pelo menor. Afinal, ele só tem 16 anos e agora, ingressando na Febem, tem uma longa carreira pela frente, pois vai trocar experiências com os ''coleguinhas'' e envolver-se na rotina de fugas e capturas" [18]. Nas palavras do leitor, fica patente a crença de que a Febem não cumprirá seu papel educativo e ressocializador. A ironia implícita sugere que os companheiros do menor irão lhe oferecer um convívio propício ao aperfeiçoamento de sua conduta criminal, como se ela fosse de antemão selada pelo destino.

Não restam dúvidas de que o debate da redução da maioridade penal perpassa a questão da eficiência de métodos e instituições aptos a reeducar o menor infrator. Se atentarmos para a trajetória da Febem, podemos ver que, desde sua fundação, não houve um projeto sistematizado para a implementação de medidas socioeducativas. Além disso, "maus-tratos, torturas e violência por parte de funcionários são os responsáveis por situar a entidade em vários relatórios de violações de direitos humanos de organizações internacionais e entidades civis" [19]. Diante desse quadro, é perfeitamente compreensível que uma tal instituição não goze de prestígio e seja constantemente identificada com um espaço destinado a produzir criminosos juvenis. Ademais, deveria ser ela a guardiã máxima das normas expressas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Não é o que acontece, entretanto [20]. Muito se tem discutido sobre o assunto e, recentemente, parece ganhar força a idéia de penas alternativas para os jovens infratores. Essa tendência consiste, geralmente, em preterir o encarceramento do adolescente em razão de serviços a serem prestados para a comunidade [21].

Sobre o autor
Roberto Barbato Jr.

mestre em Sociologia, doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP, professor de Sociologia nos cursos de Direito da METROCAMP (Campinas) e UNIP (Limeira)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBATO JR., Roberto. Redução da maioridade penal:: entre o direito e a opinião pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 459, 9 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5771. Acesso em: 19 dez. 2024.

Mais informações

Originalmente publicado na Revista dos Tribunais, vol. 822, Abril/2004, pp. 429-443.

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