Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Delação abusiva

Agenda 21/05/2017 às 05:37

O depoimento de um delator, isolado, vale menos do que de uma criança de dez anos.

 

A condenação não pode se fundar com exclusividade na delação. É o que dispõe o parágrafo 16º., do artigo 4º., da Lei 18.850/2013: "Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador."

Delações não fazem prova de coisa alguma dado ao interesse do delator de se livrar da punição. Delações servem, sim, para perseguir e alcançar a verdadeira prova. Se a delação não leva à prova, levou a lugar nenhum.

O testemunho do delator vale menos que o de uma criança de dez anos. O da criança, ao menos, embora imantado pela fantasia, não está viciado pelo interesse.

Vale menos do que o depoimento de uma testemunha comprada. É que o preço que o acusador paga pela delação (a liberdade) é muito mais valioso do que o recebido por testemunhas. E o comprador não se interessa por qualquer delação. Ela precisa ser útil. O delator inventa o que for necessário para fechar o negócio. Sim. É uma negociação. É uma compra de depoimento.

O delator - que em princípio já é alguém desprovido de caráter - diz, para se livrar da prisão ou reduzir sua pena, o que o investigador desejar. Não é difícil para o delator descobrir exatamente o que investigador quer. E há casos que chegam a forjar provas para valorizar suas delações. E não suponham ingenuamente que haverá preocupação do investigador/acusador em esclarecer se houve fraude probatória. Não propriamente por má-fé, porém por razões relacionadas com o condicionamento psíquico do acusador e sobre as quais não vou me estender para não tornar este texto mais longo que já é.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O investigador, seja ele policial ou membro do Ministério Público, é parcial. A tese de que o Promotor Público e o Procurador da República são imparciais não decola das páginas dos livros de Direito. É uma ficção legal, em outras palavras, uma mentira. Sendo parcial, só escuta, ou consegue escutar, do delator, aquilo que quer ouvir.

A desvalia de seu depoimento em nada se altera por ser novamente inquirido durante a instrução contraditória do processo pelo magistrado, já que, se voltar atrás nos termos de sua delação, cai por terra o benefício que havia acordado.

Acusadores costumam dizer que o delator não sofre coação ilegal. Correto. Mas é coagido. Legalmente, mas coagido. Não é ameaçado ilegalmente. Todavia está sob ameaça, e ameaça gravíssima muitas vezes.

Confiar na palavra do delator é confiar no testemunho daquele que está no cadafalso e ao qual se oferece retirar a corda do pescoço para que indique seus comparsas e provas contra eles. Se preciso, inventará nomes e provas. Dirá exatamente aquilo e delatará exatamente aqueles que coincidir com o desejo onipotente do carrasco.

Concluindo. O depoimento do delator vale, enquanto prova, um nada, umas bulhufas, essa coisa nenhuma. Valem, sim, as provas a que esse depoimento levar. Se levar.

Sobre o autor
Flavio Meirelles Medeiros

Flavio Meirelles Medeiros Autor da obra Código de Processo Penal Comentado: https://flaviomeirellesmedeiros.com.br/ formou-se Bacharel em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1982. Durante o curso universitário foi Chefe do Departamento de Direito Penal do SAJUG e Monitor da Cadeira de Processo Penal. Foi professor na Faculdade de Direito da Pontifície Universidade Católica e na Faculdade de Direito da UNISINOS, sendo que na primeira exercia o cargo de Advogado-Instrutor do Serviço de Assistência Judiciária Gratuita e na segunda lecionou na Cadeira de Processo Penal. Foi Diretor Adjunto do Departamento de Direito Penal do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, Membro da Comissão de Direito Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, Membro da Comissão de Defesa e Assistência da Ordem dos Advogados do Brasil e Assessor Jurídico do Procurador-Chefe da República no Rio Grande do Sul . É Membro Efetivo do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul desde 1983. Advogado desde o ano de 1982. Publicações (livros): - Nulidades do Processo Penal Editora Síntese 1982 - Princípios de Direito Processual Penal Editora Ciências Jurídicas 1984 - Noções Iniciais de Direito Processual Penal Editora Ciências Jur¡dicas 1984 - Primeiras Linhas de Processo Penal Editora Ciências Jurídicas 1985 - Manual do Processo Penal Editora Aide 1985 - Empréstimos de Custeio e Investimento Agrícola Editora Livraria do Advogado 1991 - Do Inquérito Policial Editora Livraria do Advogado 1994 - Da Ação Penal Editora Livraria do Advogado 1995 - Publicações (Artigos doutrinários): Princípios de Direito Processual Penal. Noções Direito & Justiça 1983 - A Relação Jurídica Processual e Temas Afins Direito & Justiça 1984 - Dificuldade de Atuação dos Limites Jurídicos a Livre Convicção. Revista dos Tribunais 1994 - vol. 710

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Delação

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!