3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema objeto da presente pesquisa tratou de analisar a qualificadora acrescentada ao crime de homicídio, o feminicídio, como espécie de instrumento no intuito de obstar a prática do crime na vida real.
Primeiramente, importante frisar que existem diferenças nas terminologias como listado no trabalho, não havendo precisão na lei acerca do que, de fato, é femicídio e feminicídio, havendo um erro técnico nas terminologias empregadas.
Por segundo, salienta-se que se reconhece que o feminicídio, embora não deixe de ser um crime, é uma conduta que qualifica o homicídio, justamente pelo modus operandi, considerando a vítima do crime e o ódio que se tem ao gênero.
Várias são as condutas que podem ser consideradas como feminicídio, respeitando todas as peculiaridades que envolve o crime de homicídio, a exemplo do sujeito ativo, forma tentada ou consumada, entre outras.
Acerca do feminicídio as estatísticas demonstram a necessidade de criação da lei, qual entrou em vigor no país como forma de erradicar a violência contra a mulher, tendo como precedente a Lei Maria da Penha.
Diga-se de passagem, a promulgação e vigência do crime em comento é derivado de tratados e Convenções que o Brasil assinou no âmbito internacional, tendo como ideal o respeito aos direitos da dignidade humana, da dignidade da mulher.
Veja-se que a própria cidadania, já que o Estado foi elencado como titular do ius puniendi, está vinculada a consumação e efetivação dos direitos fundamentais, E como ter a vida, por exemplo, resguardada se inexiste no país lei específica em prol da proteção, mesmo que abstratamente e como forma de prevenção geral, no intuito de obstar a prática do feminicídio?
Uma lei que resguarde os direitos da mulher, em especial a vida, é decorrente da própria aplicação legal do princípio da igualdade, o qual significa tutelar direitos em prol daqueles que, dentre os iguais, são, pela própria natureza, desiguais. Aqui concorda-se, em especial, com o apontamento da Ministra do STF, Cármen Lúcia, a respeito do princípio da igualdade que não visa apenas resguardar tratamento igualitário para todos, mas desigualar os iguais de acordo com as necessidades e desigualdades.
Assim, por meio do feminicídio, busca o Brasil assumir os compromissos internacionais firmados, sendo, de fato, como apontado por alguns críticos, como espécie de resposta à população, na ânsia da efetivação dos direitos e na busca da segurança pública e privada, em especial, em prol da vida.
Evidente que existem entendimentos diversos e contrários à aprovação da lei, apontando que a criação do feminicídio não se trata de solução acertada para obstar a prática do crime. Todavia, é o que pode na atualidade ser oferecida à população.
E de forma prática, as políticas judiciárias adotadas são a forma prática pela qual podem os Estados fazer valer a lei.
Após todo o estudo efetivado, mesmo ciente da existência de opiniões contrárias e diversas, entende-se que a qualificadora feminicídio criada e incorporada ao crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal pode sim ser entendida como espécie de instrumento para a prática de crime, no intuito de obstar a prática, de acordo com o aumento de pena previsto para aquele que praticar o delito.
Até pode ser considerado como forma retrógrada de se pensar o direito penal. Todavia, desde a sua existência, a pena é prevista como espécie de sanção e de prevenção, desde o direito romano, e existe dificuldade em se aplicar outra espécie de pena, a exemplo dos métodos da justiça restaurativa, quando da consumação do crime de homicídio, ou dolosos contra a vida, até mesmo pela recomendação efetivada pelo Conselho Nacional de Justiça.
Nesse contexto, por ora, se pela educação e conscientização não é possível se chegar ao objetivo almejado, qual seja, extirpar do corpo social a prática de crime, até mesmo pela dificuldade, vez que o crime existe desde que existe sociedade, sendo considerado por Bitencourt (2014) como um fenômeno social normal, a penalização do delito e a previsão deste no ordenamento jurídico nacional, de fato, pode ser considerada como forma e instrumento de combate à prática do crime.
Não se ignora os ensinamentos tidos com a leitura de todos os estudos encontrados sobre o tema e as críticas observadas acerca da lei do feminicídio, todavia, a proposta inicial foi justamente investigar se a qualificadora pode ser tida como instrumento de combate, e de fato pode, de acordo com as teorias da prevenção geral, em especial, pela pena que é abstratamente prevista.
De outro norte, evidente que políticas públicas e judiciárias são essenciais para que haja uma eficiente redução das estatísticas da criminalidade, da violência praticada em desfavor da mulher. E nesse contexto, como observado, com uma célere apuração do crime, oferecimento de denúncia pelo Ministério Público e instrução processual, de fato, é possível se chegar aos resultados esperados, vez que o sujeito autor do crime perceberá que sua conduta não ficará impune.
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Nota
[1] Conceito de misoginia: “[…] compreende o ódio, desprezo ou repulsa ao gênero feminino e às características a ele associadas, sejam mulheres ou meninas. Está diretamente ligada à violência contra a mulher” (EDITORA IMPETUS, 2015, p. 15).