III. CAUSAS E CONSEQÜÊNCIAS DOS ACIDENTES DO TRABALHO
3 Intróito
Conhecer o problema relativo ao acidente do trabalho (causas e efeitos) possibilita às empresas, aos órgãos governamentais e não governamentais, aos sindicatos a busca de soluções concretas para redução desses eventos sinistros.
3.1 Causas
As causas de acidentes de trabalho observadas sob a ótica restrita ou imediata são apontadas como atos ou condições inseguros, como por exemplo: a) contato da pessoa com um objeto, uma substância ou com outra pessoa; b) exposição do indivíduo aos riscos que envolvam objetos, substâncias químicas ou outras pessoas ou condições; etc.
Em acepção ampla e mediata verifica-se que as causas acidentárias, quase sempre estão intrinsecamente ligadas ao incrível crescimento tecnológico experimentado pela humanidade nos últimos tempos e ao excessivo aumento da produção. É lamentável, mas em pleno início do século XXI, os empreendimentos econômicos, ainda, são voltados para os lucros imediatos em detrimento dos investimentos em programas e equipamentos adequados à proteção coletiva, que são meios eficazes de combate a acidentes do trabalho. Prefere-se equipamentos paliativos de proteção individual, aos equipamentos de proteção grupal ou outras a tomar medidas preventivas coletiva, por julgá-los mais onerosos, o que caracteriza o desinteresse pelo meio ambiente laboral salutar.
Identificam-se, pois, como causas indiretas do aumento dos casos de doenças de origem psíquica e física e dos acidentes do trabalho, dentre outras: a complexidade das máquinas, a automação e a informatização, a crescente exposição aos ruídos, calor e substâncias tóxicas (condições insalubres, perigosas e penosas), ausência de efetividade das normas protetoras do ambiente laboral, a preferência apenas pela redução à eliminação dos riscos, deficiência no sistema de inspeção do trabalho, excesso de horas extras (que é uma das principais causas mediatas de acidentes laborais e do aumento do índice do desemprego), sistema inadequado de compensação de quadro de horários e dos turnos de revezamento, ausência de conscientização, a desmotivação, as exigências rigorosas nos processos de seleção combinada com deficiência de formação profissional, as dificuldades para atualizar os conhecimentos e acompanhar o desenvolvimento tecnológico para assegurar o direito ao trabalho digno, o temor do desemprego, a precarização dos direitos dos trabalhadores, o trabalho informal, a fadiga física e a tensão mental do trabalhador.
O Professor Sebastião Alves da Silva Filho ensina que:
Com a chegada ao país das tecnologias de engenharia de perdas e árvore de causas para os acidentes houve uma mudança no antigo enfoque dado às análises de acidentes graves e ou fatais. Hoje tais análises se prendem muito mais a refazer o conjunto de causas que geraram o acidente. Assim sendo, perdeu totalmente a importância avaliar unicamente e de forma simplória se houve ato [do trabalhador] ou condição [ambientais] insegura. Isso justifica também pelo fato de que dificilmente se encontraria um acidente onde atos ou condições inseguras se apresentariam isoladamente, ou seja, sem que a outra situação também estivesse presente. [9]
Segundo o raciocínio supra, conclui-se que está nas causas mediatas ou indiretas, o alicerce para o direcionamento da prevenção dos acidentes laborais, uma vez que são as causas básicas do índice estarrecedor de acidentes do trabalho, demonstrado pela estatística mundial. Desse modo, para prevenção e redução desse número, é imprescindível fazer um levantamento amplo e específico sobre a ocorrência de acidentes, como os fatos agressores mediatos e imediatos causadores do evento, o local, as condições de trabalho, etc. Assim, além de possibilitar a implementação de programas de prevenção de acidentes de trabalho pelos atores do ambiente laboral, aponta os locais em que a fiscalização deve ser realizada com mais rigor.
Pode-se perceber, pelos estudos e pesquisas feitos com intuito de conhecer e dissertar sobre o tema que, as estatísticas oficiais, deixam a desejar, pois não revelam a realidade de acidentes laborais.
No órgão previdenciário os acidentes de trabalho são registrados para fins de levantamentos estatísticos apenas em bloco de números de benefícios concedidos: auxílio-doença ou auxílio-acidente, pensão por morte, sem determinar a origem do sinistro (as causas específicas, o local do trabalho, etc.). [10] Se não bastasse, percebe-se, com base na experiência forense, que há relutância, por parte do INSS, em reconhecer as doenças profissionais e do trabalho, diagnosticando-as, muitas vezes, como doenças normais, negando, conseqüentemente, o benefício respectivo.
Não se pode esquecer que os processos acidentários trabalhistas são iniciados pelo órgão previdenciário somente após a comunicação do fato sinistro a partir da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), documento relativo apenas aos empregados registrados em carteira da empresa, cujo número é reduzido em relação aos trabalhadores autônomos e informais.
Outra realidade lastimável ocorre nos hospitais ou clínicas médicas, onde os prontuários médicos deveriam registrar informações mais abrangentes sobre os trabalhadores/pacientes que ali buscam consulta ou internamento (como a profissão, a origem (local) e a causa mediata e imediata dos acidentes, doenças e morte destes, ou seja, dados mais específicos de um eventual acidente/doença do trabalho), mas não o fazem, geralmente, limitam-se apenas em constar os sintomas físicos ou mórbidos apresentados pelo paciente.
Diferentes não são os atestados médicos de óbito, que também, na sua maioria, somente constam as causas letais físicas, dos quais originam os registros de óbito – instrumento formal, exigido pela Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73, arts. 77 e ss.).
Como se vê, os trabalhadores que não têm vínculo com a Previdência Social estão alijados das estatísticas oficiais, especialmente das estatísticas de tal órgão. Portanto, embora possa verificar uma redução significativa do número de sinistros trabalhistas sofridos pela massa de segurados da Previdência Social, segundo o quadro de estatísticas de acidente do trabalho no Brasil – 1970/2000 (em anexo), não se pode dizer que o referido quadro retrata a realidade brasileira, porquanto, de acordo com o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre 1991 e 1996, o percentual de trabalhadores sem carteira assinada passou de 40% para 47% no conjunto de seis regiões metropolitanas pesquisadas. Depois de se manter estável entre 1996 e 1997, a informalidade no mercado de trabalho brasileiro voltou a crescer no final da década de 90, como reflexo da crise da economia brasileira, até chegar a 50% no final de 1999 e ultrapassar os 60% em 2003.
3.2 Conseqüências dos acidentes do trabalho
Os efeitos dos acidentes do trabalho são inúmeros e extremamente negativos e onerosos. Curialmente o trabalhador acidentado e sua família sofrem os maiores prejuízos (mutilação, incapacidade para o trabalho, morte, dor pelos danos físicos, psíquicos e morais, marginalização social, pobreza, etc.). Além deles, outros prejuízos sócio-econômicos são detectáveis. Os custos sociais da Previdência Social são altíssimos, considerando os gastos com benefícios: aposentadorias antecipadas (especiais e por invalidez), auxílios-doença, pensão por morte, auxílio-acidente, reabilitação e readaptação do segurado-acidentado, gastos com saúde. As empresas também perdem grandes somas e credibilidade social com os acidentes. Por um lado, precisam arcar com despesas imediatas com o acidentado (atendimento médico-ambulatorial, transporte, medicamentos, pagamento às vítimas de diárias correspondentes ao valor proporcional de seu salário-base até o 15º de afastamento, sem isenção dos encargos sociais relativos. Por outro lado, há queda na produção (pela perda e eficiência do processo, contratação de substituto ou necessidade de horas extras), inutilização de máquinas, insumos, produtos, necessidade de reposição de material inutilizado. etc. Além destes prejuízos, a empresa, a longo prazo, poderá ser obrigada a fazer a reinserção do acidentado pelo período de estabilidade adquirido, etc.), arcar com despesas advocatícias, judiciais, indenizatórias, multas administrativas, ter perdas negociais (multas contratuais por atraso de produção, rescisão de contratos), perda de certificados de gestão de qualidade, de gestão ambiental, etc. [11]
Ademais, vale lembrar que a fadiga física e mental dos demais trabalhadores, gerada pela ocorrência do sinistro, implica em absenteísmo, rotatividade de mão-de-obra, novos acidentes entre outras perdas.
Dado o altíssimo índice mundial de acidentes do trabalho, a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com fito de reduzi-lo, lançou em 1976, o programa para o melhoramento das condições e do meio ambiente do trabalho (PIACT), mediante a implantação e implementação de medidas de segurança e higiene laboral, cujo início se deu na América Latina. Após o lançamento desse programa, especialmente no Brasil, notou-se a efetiva queda dos índices dos infortúnios do trabalho entre os operários segurados pela Previdência Social, segundo estatísticas oficiais. Observou-se, também que além de evitar os conhecidos prejuízos sociais e humanos, as empresas que implementaram esse programa tiveram significativa diminuição dos prejuízos econômicos (continuidade e elevação da qualidade da produção, eliminação de desperdícios, etc.). [12]
Entretanto, verificou-se a partir dos noticiários da imprensa falada e escrita e da doutrinas estudadas, que embora haja diminuído a ocorrência dos infortúnios laborais no Brasil, o país ainda é palco de um dos maiores índices de acidentes do trabalho do mundo. [13]
As informações obtidas no sítio da Campanha Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho – 2002, realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e coordenado pela Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes (ABPA) – www.sst-cni-sesi.org.br – confirmam as benesses da prevenção de acidentes do trabalho. Ficou demonstrado que as empresas que implantaram e implementaram as medidas prevencionistas de acidentes laborais conseguiram a redução destes e dos prejuízos econômicos.
É oportuno evidenciar que, ao participar da solenidade de lançamento da Campanha Nacional da Indústria para a Prevenção de Acidentes no Trabalho 2002 (em 22 de agosto de 2002), o Presidente da Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes (ABPA), Mauro Daffre [14] – Coordenador da Campanha – declarou que um dos pontos básicos do novo conceito sobre a segurança no trabalho é a preservação da vida do trabalhador. E disse ainda que:
Isso gera lucro para o empresário e vantagem para a sociedade. É importantíssimo investir na saúde e segurança dos trabalhadores, o que é um fator de competitividade para as exportações que geram os empregos de que o Brasil precisa.
Na mesma ocasião, o então Presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Moreira Ferreira [15] falou sobre a relevância da prevenção acidentária para a economia das empresas ao afirmar que:
Investir em prevenção, além da questão humana da perda de um ente querido, representa uma vantagem extraordinária e uma grande economia de recursos que são despendidos no pagamento de acidentes por invalidez e despesas hospitalares e, também, do tempo que o trabalhador fica fora de seu posto de trabalho. Isso obriga as empresas a contratarem mão-de-obra supletiva e todos esses custos, somados, aumentam o Custo Brasil, que precisa ser reduzido porque senão as empresas perdem a competitividade e, perdendo a competitividade, o número de empregos acaba reduzido.
No dia anterior (21/08/02), em entrevista concedida ao Caldonews Jornal, Moreira Ferreira [16] lembrou que após várias décadas de atuação prevencionista e das campanhas nacionais de prevenção desenvolvidas pelo sistema CNI/SESI/SENAI/IEL, iniciadas em 1997, houve uma significante a redução dos números catastróficos acidentários da década de 70, se comparados proporcionalmente em relação à massa trabalhadora daquela época e a atual. Mas, acrescentou que "ainda há muito para ser feito: apenas 3% das empresas no País contam com um serviço adequado em segurança do trabalho"
Das assertivas supra e da leitura das diversas obras pesquisadas percebe-se que muitas empresas desconhecem ou ainda não estão convencidas da importância dos investimentos em prevenção acidentária como meio de evitar desperdícios e de torná-las mais competitivas.
No Brasil ainda há o ranço da "monetização do risco", isto é, há uma opção pelo aumento da remuneração para compensar o maior desgaste do trabalhador, mediante pagamento de adicionais de periculosidade, de insalubridade, de horas extraordinárias, aposentadorias especiais, etc. Essa é uma estratégia traiçoeira que inibe a luta dos trabalhadores e sindicatos por melhores condições de trabalho. Estimula-os a acreditarem que é melhor obter um ganho imediato (aumento dos minguados salários e antecipação da aposentadoria) do que correr o risco de perder o emprego. Ficam inertes. Deixam de reivindicar a implantação e implementação das normas de higiene e segurança do trabalho. Parece que preferem expor a saúde, sem pensarem, de fato, nas nefastas e irreversíveis conseqüências das mutilações e doenças ocupacionais para o resto de suas vidas, a trabalharem por longos anos e com salário menor, mas com vigor. [17]
Por fim, muitas empresas desinformadas ou negligentes, quando adotam algumas medidas preventivas dos acidentes laborais, escolhem as paliativas, como o uso de equipamentos de proteção individual e/ou pagamento dos referidos adicionais e deixam de implantar medidas de proteção coletiva, mais eficazes na eliminação ou redução dos riscos do ambiente do trabalho, por julgarem as últimas mais onerosas ou por simples desinteresse. Agem em desacordo com os estudos das organizações governamentais (FUNDACENTRO - Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho) ou privadas (CNI - Confederação Nacional da Indústria, ABPA - Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes, etc.) e violam as exigências da legislação trabalhista que impõe ao empreendedor a obrigação de, primeiramente, eliminar os riscos do trabalho ou, se impossível, no mínimo, procurar reduzi-los (Convenções da OIT nº 148, arts. 9 e 10 e nº 155, art. 4.2; CLT, art. 166 c/c NR-4, item 4.12, "a"). [18]
Uma das funções primaciais da lei é anular o desequilíbrio das partes, vindo em socorro dos mais fracos; assim se procede no próprio terreno contratual onde há a livre manifestação da vontade.
Com mais força de razão, quando as circunstâncias da vida, múltiplas, imprevisíveis, inexoráveis, colocam os homens mais a mercê uns dos outros, justifica-se, sobremaneira, o amparo da lei na proteção da vítima.
Alvino Lima