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O direito à educação e suas perspectivas de efetividade

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Agenda 30/10/2004 às 00:00

O presente estudo busca analisar o enquadramento do direito à educação sob a epígrafe dos direitos fundamentais e como parcela indissociável do denominado mínimo existencial.

Sumário:I. Introdução. II. Direitos Fundamentais. III. Os Direitos Fundamentais como Limites Materiais à Reforma da Constituição. IV. O Direito à Educação no Plano Internacional. V. O Direito à Educação no Brasil. VI. A Eficácia das Normas Constitucionais. VII. O Direito Subjetivo à Educação. VIII. O Direito à Educação e o Mínimo Existencial IX. A Questão da Efetividade do Direito à Educação e os Recursos Públicos Disponíveis. X. Síntese Conclusiva. Referências Bibliográficas.


I. Introdução

O substantivo educação, que deriva do latim educatio, educationis, indica a ação de criar, de alimentar, de gerar um arcabouço cultural. A educação, longe de ser um adorno ou o resultado de uma frívola vaidade, possibilita o pleno desenvolvimento da personalidade humana e é um requisito indispensável à concreção da própria cidadania. Com ela, o indivíduo compreende o alcance de suas liberdades, a forma de exercício de seus direitos e a importância de seus deveres, permitindo a sua integração em uma democracia efetivamente participativa. Em essência, "educação é o passaporte para a cidadania". Além disso, é pressuposto necessário à evolução de qualquer Estado de Direito, pois a qualificação para o trabalho e a capacidade crítica dos indivíduos mostramse imprescindíveis ao alcance desse objetivo.

Em linhas gerais, o presente estudo busca analisar o enquadramento do direito à educação sob a epígrafe dos direitos fundamentais e como parcela indissociável do denominado mínimo existencial. Demonstrada a essencialidade dos direitos sociais, dentre os quais se inclui a educação, discorrese sobre a sua imutabilidade, tratandose de um exemplo característico de limite material ao exercício do poder de reforma constitucional.

Os contornos básicos do direito à educação são identificados a partir de uma breve enumeração das convenções internacionais relativas ao tema e, no âmbito interno, com o estudo dos textos constitucionais, atual e pretéritos, além de algumas normas infraconstitucionais. Esse singelo apanhado normativo almeja sedimentar uma visão cosmopolita do direito à educação, o que em muito contribuirá para a sua definitiva inclusão nos fluidos limites do mínimo existencial, de alcance tradicionalmente restrito aos originários e inalienáveis direitos de liberdade, como dizia Locke pouco depois da Glorious Revolution de 1688.

Avançando, é traçado um paralelo do instituto do direito subjetivo nas searas pública e privada, o que visa a demonstrar a imediata exigibilidade do direito à educação fundamental e o dever jurídico do Poder Público em atendêlo. Ainda sob a ótica da efetividade do direito à educação, são tecidas algumas considerações sobre o princípio da divisão das funções estatais, não raras vezes a pedra angular do entendimento que tenta obstar o poder de coerção a ser exercido pelos órgãos jurisdicionais, bem como a prestigiada tese da reserva do possível, que busca legitimar a postura abstencionista do Poder Público com a constante alegação de insuficiência de recursos para o atendimento de todos os direitos consagrados no texto constitucional.


II. Direitos Fundamentais

São considerados fundamentais aqueles direitos inerentes à pessoa humana pelo simples fato de ser considerada como tal, trazendo consigo os atributos da tendência à universalidade, da imprescritibilidade, da irrenunciabilidade e da inalienabilidade. Não encontram sua legitimação em um texto normativo específico ou mesmo em uma ordem supralegal de matiz jusnaturalista, mas, sim, em uma lenta evolução histórica. O historicismo aqui referido, no entanto, não tem por fim afastar uma visão prospectiva das conquistas sociais. Visa, tãosomente, a estabelecer um elo de continuidade e sedimentação na evolução social, permitindo que direitos, liberdades e garantias conquistadas no passado sirvam de esteio àqueles do presente, e estes aos vindouros, concepção que permanece hígida ainda que a evolução de um instituto social possa apresentar dissonâncias entre os fins a serem alcançados em suas diferentes fases. A metodologia histórica, longe de mostrar a mera sucessão de fenômenos sociais, indica suas formas vitais, seu desenvolvimento e sua desaparição.

Costumase identificar três dimensões ou gerações de direitos fundamentais, as quais, não obstante sucessivas entre si, não excluem as anteriores, coexistindo harmonicamente. São os direitos individuais, os direitos sociais e os direitos de fraternidade, classificação que repete o ideário político da Revolução Francesa: liberté, egalité et fraternité. A primeira geração alcança os direitos individuais e políticos, que são verdadeiros direitos de defesa, impondo limites à ação estatal. Tais direitos foram consagrados no Bill of Rights of Virginia, de 12 de junho de 1776, fruto da Revolução Americana, na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789 e nas dez primeiras emendas à Constituição americana, que, após a ratificação por três quartos dos Estados da Federação, entraram em vigor em 1791. A segunda geração corresponde aos direitos sociais, econômicos e culturais, que exigem um facere do Estado, vale dizer, uma ação positiva com o fim de propiciar melhores condições de vida (lato sensu) à pessoa humana e diminuir as desigualdades sociais. Como marcos fundamentais dessa geração, podem ser mencionadas as Constituições do México de 1917 e a alemã de Weimar, esta de 1919. A terceira geração alcança os direitos difusos, que rompem a individualidade do ser humano para abarcar grande parcela do grupamento ou a própria espécie, do que é exemplo o meio ambiente em síntese: são direitos despersonalizados, pertencentes a todos e, simultaneamente, a ninguém em especial.

Como derivação da própria necessidade de coexistência dos distintos valores por eles incorporados, tem sido voz corrente que os direitos fundamentais são princípios jurídicos, estando sujeitos ao tratamento lógicojurídico dispensado a essa espécie normativa, daí decorrendo a possibilidade de ponderação, consoante as circunstâncias, para solver possíveis colisões entre dois ou mais princípios que incidam no caso.

No Brasil, a Constituição de 1934 previu um título específico para a ordem econômica, ali incluindo, pela primeira vez, os direitos sociais. Na Constituição de 1988, os direitos sociais foram previstos em capítulo próprio, havendo especial deferência aos direitos dos trabalhadores. Segundo o seu art. 6º, "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".


III. Os Direitos Fundamentais como Limites Materiais à Reforma da Constituição

Além dos lineamentos intrínsecos que indicam a fundamentalidade de um direito, a sua inserção em uma Constituição rígida, com a conseqüente imposição de limites materiais à sua reforma ou supressão, é um indiscutível fator de indicação desse status. Atenta à importância e à essencialidade dos denominados "direitos e garantias individuais", a Constituição de 1988, em seu art. 60, § 4º, IV, os erigiu à condição de "cláusulas pétreas", insuscetíveis de qualquer modificação que venha a reduzir, de forma qualitativa ou quantitativa, o seu conteúdo.

Com isto, além das naturais limitações que se espraiam sobre o legislador infraconstitucional, cujo espaço de conformação é necessariamente limitado pela Constituição concebida como o vértice da pirâmide normativa estatal, isto para utilizarmos a sugestiva imagem de Kelsen também o poder de reforma terá a sua atividade confinada aos limites ali traçados. Assim, lhe é vedado conferir colorido constitucional a uma prescrição normativa que esteja em desacordo com as normas que o Constituinte ergueu à condição de núcleo imutável da Carta Política, o que é essencial à preservação das decisões políticofundamentais ali exaradas.

Os limites materiais do poder reformador derivam justamente desse núcleo imutável da Carta Política. Nessa perspectiva, os limites tanto podem ser explícitos, recebendo o designativo de "cláusulas pétreas", como implícitos ou imanentes. No que concerne aos últimos, que também buscam preservar as características essenciais da Constituição, apesar da ausência de uniformidade quanto ao seu exato alcance, a doutrina majoritária os acolhe.

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Frisese, no entanto, que a existência do poder reformador, cujos atos devem estar em harmonia com os limites materiais, formais, temporais e circunstanciais previstos na Constituição, é um imperativo de ordem lógica. Ainda que o texto constitucional passe ao largo de uma visão dirigente e programática, limitandose a traçar as linhas estruturais do Estado, não raras vezes será necessário adequálo aos influxos sociais que passaram a nortear a sociedade após a sua edição. Apesar de a produção normativa ser primordialmente voltada para o futuro, sendo prospectiva por excelência, é indiscutível que, em dado momento, se esgotarão aquelas situações adredemente disciplinadas, tornando imperativa a regulamentação de outras mais, o mesmo ocorrendo em relação às mutações verificadas em tais situações.

Especificamente em relação aos direitos sociais, dentre os quais está o direito à educação, é indiscutível a existência de limites ao poder reformador. Os direitos sociais, apesar de não mencionados em sua literalidade pelo art. 60, § 4º, da Constituição de 1988, que somente se refere aos "direitos e garantias individuais", são meras especificações desses últimos. Os direitos ali referidos, em verdade, tanto aglutinam às liberdades individuais, que podem ser opostas ao próprio Estado, como o direito a prestações, que situa o indivíduo no pólo ativo de uma relação obrigacional instituída ex vi legis. Além disso, não se pode restringir a proteção constitucional ao rol de direitos previsto no art. 5º, preceito situado no Capítulo intitulado "Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos" e que não exclui outros previstos no texto constitucional (v.g.: direitos políticos, limitações ao poder de tributar etc.). Essa conclusão, aliás, deflui da própria letra do parágrafo segundo do art. 5º: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Ainda que o reconhecimento dos direitos individuais e dos direitos sociais seja um elemento característico das diferentes mutações verificadas na evolução do Estado de Direito, transitando de uma perspectiva abstencionista (direitos de defesa) até alcançar o comprometimento com a implementação de determinado feixe de prestações, é indiscutível o seu papel comum na busca do bemestar social, objetivo que ocupa o epicentro de qualquer estrutura estatal. Como observou Antônio Augusto Cançado Trindade, "as propostas ''categorias'' de direitos (individuais e sociais ou coletivos), complementares e não concorrentes, com variações em sua formulação, podem ser propriamente examinadas à luz da unidade fundamental da concepção dos direitos humanos. Logo tornouse patente que tal unidade conceitual e indivisibilidade dos direitos humanos, todos inerentes à pessoa humana, na qual encontram seu ponto último de convergência, transcendia as formulações distintas dos direitos reconhecidos em diferentes instrumentos, assim como nos respectivos e múltiplos mecanismos ou procedimentos de implementação".

A interpenetração entre os direitos individuais e os direitos sociais também pode ser visualizada na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela Resolução 41/128, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 4 de dezembro de 1986, cujo art. 6, 2 dispõe que "todos os direitos humanos e liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes; atenção igual e consideração urgente devem ser dadas à implementação, promoção e proteção dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais". Frisese, ainda, que os direitos sociais, consagrados no próprio preâmbulo da Constituição Brasileira, possuem, em inúmeras ocasiões, características indissociáveis do princípio da dignidade da pessoa humana, sendo ínsitos e inseparáveis do sistema de direitos consagrado no texto constitucional.

Assim, quer se analise a questão sob uma perspectiva explícita, entendendo estarem os direitos sociais incluídos sob a epígrafe dos "direitos e garantias individuais", quer seja valorada a matéria sob o prisma dos limites imanentes do poder reformador, os direitos sociais erigemse como efetivos limites de ordem material. Nesse particular, entendemos que todos os direitos sociais consagrados no texto constitucional, ainda que não integrantes do denominado mínimo existencial, são alçados à condição de limites ao poder reformador. Consubstanciando decisões fundamentais do Constituinte, não se nos afigura legítimo prestigiar o designativo de direitos formalmente fundamentais, o que, em um País de insignificante tradição democrática, abriria um perigoso espaço de valoração para aqueles que ainda não se desprenderam das amarras do passado. Essa conclusão, aliás, resulta clara de uma interpretação teleológicosistemática do texto constitucional, que busca estender e tornar efetivos os direitos ali consagrados, não restringilos e reduzir a sua capacidade de penetração na realidade fenomênica.


IV. O Direito à Educação no Plano Internacional

Em decorrência da referida tendência à universalidade dos direitos fundamentais, têm sido intensificadas, a partir da Segunda Guerra Mundial, as iniciativas para se conferir um colorido normativo ao seu reconhecimento. A consagração do direito à educação, como não poderia deixar de ser, tem sido constantemente lembrada nos inúmeros tratados, cartas de princípios e acordos internacionais que buscam estabelecer a pauta de direitos consagradores da dignidade da pessoa humana. Para melhor ilustrar a exposição, realizaremos uma breve referência a alguns desses documentos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 10 de dezembro de 1948, dispõe, em seu art. XXVI, que: "1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos." Não obstante o flagrante desalinho entre a plasticidade de suas linhas e a ausência de qualquer obrigatoriedade jurídica aos Estados subscritores, pois a Declaração Universal não chega a ser um tratado, mostrase inegável o papel por ela desempenhado na sedimentação do imperativo respeito aos valores que aglutina e, porque não, perpetua. Como veremos, somente em 1966, com a edição dos Pactos Internacionais, os princípios e as aspirações ali veiculados receberiam o colorido da vinculatividade em relação aos Estados que os ratificassem.

A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada pela Resolução XXX, da IX Conferência Internacional Americana, realizada em abril de 1948, na Cidade de Bogotá, dispôs, em seu art. XII, que: "Toda pessoa tem direito à educação, que deve inspirarse nos princípios de liberdade, moralidade e solidariedade humana. Tem, outrossim, direito a que, por meio dessa educação, lhe seja proporcionado o preparo para subsistir de uma maneira digna, para melhorar o seu nível de vida e para poder ser útil à sociedade. O direito à educação compreende o de igualdade de oportunidade em todos os casos, de acordo com os dons naturais, os méritos e o desejo de aproveitar os recursos que possam proporcionar a coletividade e o Estado. Toda pessoa tem o direito de que lhe seja ministrada gratuitamente, pelo menos, a instrução primária". Também a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais, aprovada na mesma ocasião, assentou, em seu art. 4º, que "todo trabalhador tem direito a receber educação profissionalizante e técnica para aperfeiçoar suas aptidões e conhecimentos, obter maiores remunerações de seu trabalho e contribuir de modo eficiente para o desenvolvimento da produção. Para tanto, o Estado organizará o ensino dos adultos e a aprendizagem dos jovens, de tal modo que permita assegurar o aprendizado efetivo de um ofício ou trabalho determinado, ao mesmo tempo em que provê a sua formação cultural, moral e cívica".

A Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959, dispôs, em seu princípio 7º, que "a criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário. Serlheá propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitála a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornarse membro útil da sociedade."

A Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação celebrou, em 14 de dezembro de 1960, a Convenção Relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino. A Convenção, dentre outras hipóteses, considerou o termo discriminação como abrangente de qualquer iniciativa que terminasse por: a) privar qualquer pessoa ou grupo de pessoas do acesso aos diversos tipos ou graus de ensino; b) limitar a nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo; e c) impor a qualquer pessoa ou grupo de pessoas condições incompatíveis com a dignidade do homem. Segundo o art. IV da Convenção, além de eliminar as formas de discriminação, os Estados Partes devem formular, desenvolver e aplicar uma política nacional que vise a promover a igualdade de oportunidade em matéria de ensino e, principalmente: "a) tornar obrigatório e gratuito o ensino primário; generalizar e tornar acessível a todos o ensino secundário sob suas diversas formas; tornar igualmente acessível a todos o ensino superior em função das capacidades individuais; assegurar a execução por todos da obrigação escolar prescrita em lei; b) assegurar em todos os estabelecimentos públicos do mesmo grau um ensino do mesmo nível e condições equivalentes no que diz respeito à qualidade do ensino dado; c) encorajar e intensificar, por métodos apropriados, a educação de pessoas que não receberam instrução primária ou que não a terminaram e permitir que continuem seus estudos em função de suas aptidões; d) assegurar sem discriminação a preparação ao magistério."

O Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela Resolução nº 2.200A, da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 16 de dezembro de 1966, em seu art. 13, dispôs que: "1. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 2. Os Estados Partes no presente Pacto reconhecem que, com o objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito: a) a educação primária deverá ser obrigatória e acessível gratuitamente a todos; b) a educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a educação secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e tornarse acessível a todos, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito; c) a educação de nível superior deverá igualmente tornarse acessível a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito; d) deverseá fomentar e intensificar, na medida do possível, a educação de base para aquelas pessoas que não receberam educação primária ou não concluíram o ciclo completo de educação primária; e) será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede escolar em todos os níveis de ensino, implementarse um sistema adequado de bolsas de estudo e melhorar continuamente as condições materiais do corpo docente (...)."

O Protocolo Adicional ao Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), também denominado de Protocolo de San Salvador, adotado no XVIII Período Ordinário de Sessões da Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), realizado na Cidade de San Salvador, El Salvador, em 17 de novembro de 1988, dispôs, em seu art. 13, 3 que: "Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem que, a fim de conseguir o pleno exercício do direito à educação: a) O ensino de primeiro grau deve ser obrigatório e acessível a todos gratuitamente; b) O ensino de segundo grau, em suas diferentes formas, inclusive o ensino técnico e profissional de segundo grau, deve ser generalizado e tornarse acessível a todos, pelos meios que forem apropriados e, especialmente, pela implantação progressiva do ensino gratuito; c) O ensino superior deve tornarse igualmente acessível a todos, de acordo com a capacidade de cada um, pelos meios que forem apropriados e, especialmente, pela implantação progressiva do ensino gratuito; d) Devese promover ou intensificar, na medida do possível, o ensino básico para as pessoas que não tiverem recebido ou terminado o ciclo completo de instrução do primeiro grau; e) Deverão ser estabelecidos programas de ensino diferenciado para os deficientes, a fim de proporcionar instrução especial e formação a pessoas com impedimentos físicos ou deficiência mental."

A Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução XLIV da Assembléia Geral das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1989, em seu art. 28, dispõe que: "1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e, a fim de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de condições esse direito, deverão especialmente: a) tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente a todos; b) estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas diferentes formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante, tornandoo disponível e acessível a todas as crianças, e adotar medidas apropriadas tais como a implantação do ensino gratuito e a concessão de assistência financeira em caso de necessidade; c) tornar o ensino superior acessível a todos com base na capacidade e por todos os meios adequados; d) tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais disponíveis e acessíveis a todas as crianças; e) adotar medidas para estimular a freqüência regular às escolas e a redução do índice de evasão escolar (...)".

Ainda no âmbito da Organização das Nações Unidas e de suas organizações especializadas, devem ser lembradas a Declaração Mundial de Educação para Todos, adotada na Conferência de Jomtien, na Tailândia, e a Declaração de Salamanca, adotada em 1994 pela UNESCO e que propõem, ressalvadas circunstâncias excepcionalíssimas, a matrícula de todas as crianças em escolas regulares.

A Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, proclamada em 7 de dezembro de 2000 pelos órgãos comunitários (Parlamento, Conselho e Comissão), com o fim de conferir "maior visibilidade" aos "valores indivisíveis e universais da dignidade do ser humano", dispõe, em seu art. 14, que "todas as pessoas têm direito à educação, bem como ao acesso à formação profissional e contínua", acrescendo que "esse direito inclui a possibilidade de freqüentar gratuitamente o ensino obrigatório".

O grande número de declarações, tratados, pactos e convenções internacionais, em sua maioria multilaterais e celebrados com a intervenção de organizações internacionais, bem demonstra o esforço na sedimentação de determinados direitos inerentes ao homem, dentre os quais a educação básica. Ainda que o sistema apresente debilidades, pois referidos atos, em rigor técnico além de admitirem reservas só vinculariam os Estados subscritores, é inegável sua aspiração à universalidade, permitindo o paulatino reconhecimento da fundamentalidade de determinados direitos.

Na senda dos tratados internacionais, foi contínuo o processo de adequação dos ordenamentos nacionais aos novos influxos trazidos pelo processo de universalização dos direitos fundamentais. À guisa de ilustração, vale mencionar o exemplo espanhol, cuja Constituição, em seu art. 27, dispõe que: "1. Todos tienen el derecho a la educación. Se reconoce la libertad de enseñanza. 2. La educación tendrá por objeto el pleno desarrollo de la personalidad humana en el respeto a los derechos y libertades fundamentales. 3. Los poderes públicos garantizán el derecho que asiste a los padres para que sus hijos reciban la formación religiosa y moral que esté de acuerdo con sus propias convicciones. 4. La enseñanza básica es obligatoria y gratuita. 4. Los poderes públicos garantizán el derecho de todos a la educación, mediante uma programación general de la enseñanza, con participatión efectiva de todos los sectores afectados y la creación de centros docentes. (...)."

A Lei Geral de Educação de 1970 já havia estabelecido a obrigatoriedade e a gratuidade da educação básica. Posteriormente, a Lei Orgânica Espanhola nº 8, de 3 de julho de 1985 (com alterações posteriores, v.g.: Lei Orgânica nº 1, de 3 de outubro de 1990, que dispôs sobre a Ordenação Geral do Sistema Educativo), passou a regular o direito à educação. De acordo com o preâmbulo da Lei Orgânica nº 8, "la extension de la educacion basica, hasta alcanzar a todos y cada uno de los ciudadanos, constituye, sin duda, un hito historico en el progreso de las sociedades modernas. En efecto, el desarollo de la educación, fundamento del progreso de la ciencia y de la tecnica, es condicion de bienestar social y prosperidad material, y suporte de las libertades individuales en las sociedades democraticas. No es de extrañar, por ello, que el derecho básico, y que los estados hayan asumido su provision com un servicio público prioritario." Segundo o inciso 1 de seu art. 1º, "todos los españoles tienen derecho a una educación basica que les permita el desarrollo de su propia personalidad y la realización de una actividad util a la sociedad,. Esta educación será obligatoria y gratuita en el nivel de educación general básica y, en su caso, en la formación profesional de primer grado, asi como en los demas níveles que la ley establezca". Em seguida, no inciso 2, acrescenta: "todos, asimismo, tienen derecho a acceder a niveles superiores de educación, en función de sus aptitudes y vocación, sin que en ningun caso el exercicio de este derecho esté sujeto a discriminaciones debidas a la capacidad econômica, nivel social o lugar de residencia del alumno". O art. 6º, após enumerar um extenso rol de direitos dos educandos, reconhece, inclusive, o "derecho a protección social en los casos de infortunio familiar o accidente".

Na França, a alínea 13 do Preâmbulo da Constituição de 1946 já dispunha que "a nação garante o igual acesso das crianças e dos adultos à instrução, à formação profissional e à cultura. A organização do ensino público gratuito e laico em todos os graus é um dever do Estado". Dentre os inúmeros diplomas que trataram do ensino, merecem ser lembrados: a) a "Lei Guizot", de 28 de junho de 1833, que organizou o ensino primário e disciplinou a criação de estabelecimentos de ensino; b) a "Lei Falloux", de 15 de março de 1850, que consagrou a liberdade de ensino secundário; e c) as "Leis Ferry", que conferiram o formato hoje adotado no ensino público francês, assegurando a gratuidade (Lei de 15 de junho de 1881), a obrigação de matrícula escolar e a laicidade no ensino (Lei de 28 de março de 1882) e a atividade de coordenação a cargo do Poder Público (Lei de 30 de outubro de 1896). Atualmente, o Decreto 86217, de 18 de setembro de 1986, reconhece a igualdade de acesso à instrução como um dos princípios fundamentais do serviço público; a Lei de 26 de janeiro de 1984 regula o ensino superior, que não é gratuito; a "Lei Haby", de 11 de julho de 1975, disciplina a educação em geral; e a Lei de orientação à educação, de 10 de julho de 1989, dispõe, em seu art. 1º, que "a educação é a primeira prioridade nacional". Diversamente do que se verifica em relação ao ensino superior, desde 1881 é assegurada a gratuidade do ensino primário e, desde 1927 (com produção de efeitos a partir de 1936), a do secundário.

Em Portugal, a Constituição de 1822 dispunha sobre a necessidade de existirem escolas suficientemente dotadas, "em todos os locais onde convier", sendo previstos nos demais textos constitucionais a gratuidade da instrução primária: art. 145, § 30, da Carta Constitucional de 1826; art. 28, I, da Constituição de 1838; art. 3º da Constituição de 1911, que dispunha, além da gratuidade, sobre a obrigatoriedade do ensino primário, sistema que foi repetido nas Constituições de 1933 (43, § 1º) e na atual (art. 74, 2, a, após as revisões de 1982, 1989 e 1997). A Constituição de 1976 ainda dedica todo um capítulo aos "direitos e deveres culturais", integrado pelos arts. 73 usque 79.

Sobre o autor
Emerson Garcia

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Emerson. O direito à educação e suas perspectivas de efetividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 480, 30 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5847. Acesso em: 23 nov. 2024.

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