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O direito à educação e suas perspectivas de efetividade

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30/10/2004 às 00:00
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V. O Direito à Educação no Brasil

À fundamentalidade recebida do texto constitucional e de inúmeras convenções internacionais se associa o fato de o direito à educação estar diretamente relacionado aos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, em especial com o da dignidade da pessoa humana. Nos parece claro que a efetividade do direito à educação é um dos instrumentos necessários à construção de uma sociedade livre, justa e solidária; à garantia do desenvolvimento nacional; à erradicação da pobreza e da marginalização, com a redução das desigualdades sociais e regionais; e à promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ainda que concebido como um direito social, ocupando a segunda geração acima enunciada, a efetividade do direito à educação é imprescindível à própria salvaguarda do direito à livre determinação. Com efeito, como se poderia falar na liberdade de um ser acéfalo e incapaz de direcionar seus próprios movimentos em uma sociedade de massas, cujas relações intersubjetivas, a cada dia mais complexas, exigem um constante e ininterrupto aperfeiçoamento? A educação, assim, não obstante considerada um direito social, é imprescindível à salvaguarda de um direito que, sob um prisma lógicoevolutivo, o antecede na formação do Estado de Direito: a liberdade. Direitos de primeira e de segunda gerações, como se constata, convivem de forma harmônica e indissociável.

O direito à educação, ainda que de forma tímida em alguns casos, foi previsto nos textos constitucionais pretéritos.

A Constituição do Império, em seu art. 179, dispunha que "a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: (...) 32. A instrução primária é gratuita a todos os cidadãos". Aqui já é possível divisar a estreita vinculação entre a instrução primária e a concreção de outros direitos de natureza constitucional, como os direitos políticos e a liberdade.

A primeira Constituição republicana fez referência ao direito à educação em seus arts. 35 e 72, § 6º. Em linhas gerais, dispôs sobre a obrigação do Congresso em "animar no país o desenvolvimento das letras, artes e ciências", em "criar instituições de ensino superior e secundário nos Estados" e em "prover a instrução secundária no Distrito Federal". Além disso, em sua Declaração de Direitos, dispôs que "será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos".

A Constituição de 1934, moderna e de vida efêmera, dedicou todo um capítulo à educação e à cultura, tendo reservado os arts. 148 usque 158 à matéria. Ali era estabelecida uma divisão de competências entre os entes federativos, assegurada a isenção de tributos aos estabelecimentos particulares de ensino que oferecessem gratuidade em seus serviços e fossem oficialmente considerados idôneos, garantida a liberdade de cátedra, previsto um percentual mínimo dos impostos a ser aplicado no sistema educativo e criada a obrigação de se manter fundos de educação, inclusive com o oferecimento gratuito, aos alunos necessitados, de "material escolar, bolsas de estudo, assistência alimentar, dentária e médica".

A Carta outorgada de 1937, consagrando um capítulo dedicado à educação e à cultura, reservou à matéria os arts. 128 usque 134. Foram mantidos alguns preceitos da Carta anterior e acrescidos outros. Garantiuse à infância e à juventude o acesso ao ensino em todos os seus graus, priorizouse o ensino prévocacional e profissional e, mantevese a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário mas foi prevista uma "contribuição módica e mensal" para aqueles que não alegassem escassez de recursos.

A Constituição de 1946, em linhas gerais, retomou e aperfeiçoou o sistema adotado em 1934, tendo surgido sob a sua égide a Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Dentre outras disposições, consagrou a educação como direito de todos, assegurou a obrigatoriedade do ensino primário e acresceu que "o ensino oficial ulterior ao primário sêloá para quantos comprovarem falta ou insuficiência de recursos".

A Constituição de 1967 disciplinou a matéria em capítulo intitulado "Da Família, da Educação e da Cultura", que abrangia os arts. 167 usque 172, não tendo introduzido modificações substanciais.

A Emenda Constitucional nº 1/69 manteve as características do sistema anterior e acrescentou a possibilidade de intervenção dos Estados nos Municípios no caso de não aplicação anual, no ensino primário, de 20% da receita tributária municipal. Esse percentual, aliás, terminou por ser alterado pela Emenda Constitucional nº 24/83, que o fixou em 13% para a União e 25% para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.

A Constituição de 1988 dedicou toda uma seção ao direito à educação, sendo integrada pelos arts. 205 usque 214. Cada um dos entes federativos deve comprometer, anualmente, um percentual mínimo da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino: a União dezoito por cento e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento. O sistema atual atribuiu aos Municípios a atuação prioritária no ensino fundamental e infantil e aos Estados e ao Distrito Federal, também de forma prioritária, a manutenção do ensino fundamental e médio. Com isto, é possível afirmar que inexiste qualquer óbice a que tais entes federativos atuem em outros níveis de educação, o que, por óbvio, pressupõe o atendimento satisfatório nos níveis em que sua atuação seja prioritária.

Sendo a federação a forma de Estado adotada no Brasil, era necessário que, além das atribuições de ordem material, também a competência legislativa fosse disciplinada pela Constituição da República. Consoante o art. 22, XXIV, à União compete legislar, de forma privativa, sobre diretrizes e bases da educação nacional. De forma concorrente com os Estados e o Distrito Federal também lhe cabe, a teor do art. 24, IX, legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto. Neste caso, o parágrafo primeiro do referido preceito restringe sua competência à edição de normas gerais, que serão de observância obrigatória pelos demais entes federativos. Os Estados e o Distrito Federal também poderão exercer a competência legislativa plena, situação que perdurará até a superveniência da lei nacional, ocasião em que a eficácia da lei estadual será suspensa: é esse o conteúdo dos parágrafos do art. 24 da Constituição da República. Em que pese à obviedade, não é demais lembrar que inexiste hierarquia entre as normas emanadas dos diferentes entes federativos, mas, sim, uma divisão de competências.

Ainda sob a ótica da produção normativa, podem os Estados dispor sobre a matéria em suas respectivas Constituições. Devem, no entanto, observar os princípios constantes da Constituição da República (v.g.: aqueles previstos nos arts. 1º e 34). Daí se dizer que as Cartas Estaduais devem apresentar uma relação de simetria para com ela.

As obrigações do Estado em busca da concretização do direito à educação estão concentradas no art. 208 da Carta de 1988, in verbis:

"Art. 208 O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

I ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II progressiva universalização do ensino médio gratuito;

III atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV atendimento em creche e préescola às crianças de zero a seis anos de idade;

V acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

VII atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§ 2º O nãooferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazerlhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola" (destaque nosso).

Como se constata, o Constituinte dispensou um tratamento nitidamente diferenciado ao ensino obrigatório, realçando que, além de dever do Estado, o que poderia soar como mera enunciação de uma norma programática, configura, independentemente de qualquer requisito etário, direito subjetivo da pessoa humana. Com isto, tornase exigível a sua ampla e irrestrita efetividade. Essa norma indica, de modo insofismável, que, dentre as opções políticas estruturantes contempladas na Carta de 1988, o direito à educação fundamental foi considerado uma parcela indissociável de uma existência digna de tantos quantos vivam em território brasileiro, integrando o que se convencionou chamar de mínimo existencial.

As opções políticas do Constituinte, no entanto, não têm o condão de engessar o contínuo evolver de uma sociedade democrática e nitidamente pluralista. Respeitadas as decisões fundamentais consagradas na Constituição da República, nada impede a constante renovação da vontade popular, com a conseqüente expansão das concepções ideológicas outrora prevalecentes.

Nessa linha, foi editada a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Tratase de diploma avançado e que substituiu os antigos dogmas da doutrina da situação irregular pelo princípio da proteção integral da infância e da adolescência. Afastando quaisquer dúvidas sobre o alcance do Estatuto, dispõe o seu art. 3º que "a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta lei, assegurandoselhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade". Como se vê, o objetivo foi ampliar, em relação às crianças e aos adolescentes, o rol de direitos previsto no texto constitucional. Especificamente em relação ao direito à educação, o art. 54 do Estatuto repetiu, com pequenas alterações redacionais, os termos do art. 208 da Constituição da República.

Ante a constatação de que os direitos sociais contemplados no texto constitucional são constantemente vistos como meras exortações, destituídos de toda e qualquer força vinculativa em relação ao Poder Executivo, o art. 208 da Lei nº 8.069/90 assegura, de forma expressa, a sindicação desses direitos junto ao Poder Judiciário, in verbis:

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"Art. 208 Regemse pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao nãooferecimento ou oferta irregular:

I do ensino obrigatório;

II de atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência;

III de atendimento em creche e préescola às crianças de zero a seis anos de idade;

IV de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;

V de programas suplementares de oferta de material didáticoescolar, transporte e assistência à saúde do educando do ensino fundamental;

VI de serviço de assistência social visando à proteção, à família, à maternidade, à infância e à adolescência, bem como ao amparo às crianças e adolescentes que dele necessitem;

VII de acesso às ações e serviços de saúde;

VIII de escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade.

Parágrafo único As hipóteses previstas neste artigo não excluem da proteção judicial outros interesses individuais difusos ou coletivos, próprios da infância e da adolescência, protegidos pela Constituição e pela Lei".

Enquanto o Constituinte optou por indicar o mínimo existencial com a utilização do designativo direito subjetivo, o legislador infraconstitucional chegou a resultado similar por meio diverso. Como veremos, somente é possível falar em direito em havendo o correspondente dever jurídico, e somente poderemos falar em dever caso seja detectada a existência de um poder de coerção apto a alcançar o resultado almejado em não sendo ele espontaneamente observado. Assim, ao prever a exigibilidade desses direitos prestacionais e assegurar a imediata sindicabilidade judicial dos direitos mencionados no art. 208, o legislador infraconstitucional reconheceu, implicitamente, a sua essencialidade para um desenvolvimento digno das crianças e dos adolescentes. Afora o ensino fundamental, devem ser adotadas as medidas possíveis à imediata implementação do atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, do atendimento em creche e préescola às crianças de zero a seis anos de idade (prestação de cunho igualmente assistencial), do ensino noturno regular, adequado às condições do educando, dos programas suplementares de oferta de material didáticoescolar, transporte e assistência à saúde do educando do ensino fundamental e da escolarização e profissionalização dos adolescentes privados de liberdade.

A Lei nº 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) também reforçou a garantia de acesso ao Poder Judiciário em seu art. 5º, in verbis:

"Art. 5º. O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigilo.

§ 1º. Compete aos Estados e aos Municípios, em regime de colaboração, e com a assistência da União;

I recensear a população em idade escolar para o ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não tiveram acesso;

II fazerlhes a chamada pública;

III zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

§ 2º. Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais.

§ 3º. Qualquer das partes mencionadas no caput deste artigo tem legitimidade para peticionar no Poder Judiciário, na hipótese do § 2º do art. 208 da Constituição Federal, sendo gratuita e de rito sumário a ação judicial correspondente.

§ 4º. Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.

§ 5º. Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Público criará formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente da escolarização anterior."

Além da proteção integral, o art. 227, caput, da Constituição da República assegurou às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, o gozo de inúmeros direitos, dentre os quais o direito à educação. No plano léxico, prioridade indica a "qualidade do que está em primeiro lugar ou do que aparece primeiro; primazia, preferência conferida a alguém relativa ao tempo de realização de seu direito, com preterição do de outros; qualidade de uma coisa que é posta em primeiro lugar dentro de uma série ou ordem". Consagrada a prioridade, é praticamente suprimido o espectro de discricionariedade política do administrador público, já que eliminada a possibilidade de sopesar quaisquer outros direitos com aqueles das crianças e dos adolescentes. A ponderação entre os possíveis valores envolvidos foi realizada, a priori, pelo Constituinte, pouco sendo deixado ao administrador. Tratandose de direitos que congreguem valores idênticos ou inferiores àqueles consagrados às crianças e aos adolescentes, não haverá qualquer espaço para uma opção distinta daquela que prestigie a absoluta prioridade (v.g.: entre a educação de um adulto e a educação de uma criança, esta haverá de prevalecer; entre a realização de construções de natureza voluptuária e a educação de uma criança, a última, por veicular valores mais importantes à coletividade, deverá igualmente prevalecer). No entanto, em situações extremas, um direito que possua maior peso no caso concreto poderá afastar outro de peso inferior (v.g.: para assegurar o direito à vida, pode ser afastado o direito à educação de uma criança).

Em outra ocasião, tivemos oportunidade de afirmar que os direitos cuja extensão não esteja perfeitamente delimitada, assumindo contornos "abertos" ou "móveis" e, em especial, os princípios jurídicos, facilmente entram em colisão entre si, o que é reflexo da falta de fixação de sua amplitude. Em caso de conflito, um direito deve ceder em prol do outro, ou ambos devem realizar concessões mútuas até que seja encontrada a situação mais justa e consentânea com o ordenamento jurídico no caso concreto. Por não representarem os direitos grandezas quantitativamente mensuráveis, a ponderação, em verdade, é apenas uma imagem que reflete a sua valoração, pois a ausência de um escalonamento hierárquico entre todos os bens e valores impede que as hipóteses de conflito sejam adredemente solucionadas como numa tabela.

A ponderação, no entanto, não deve ser desenvolvida em uma atmosfera de intenso subjetivismo, pois o contrário certamente conduziria ao arbítrio. Segundo Robert Alexy, deve ser ela direcionada por critérios racionais que culminarão em estabelecer uma relação de precedência condicionada, identificando o princípio que possui maior peso em determinada situação a partir da verificação das condições específicas que envolvem essa ponderação. Com isto, se chegará à estruturação da lei de colisão, segundo a qual as condições que conduzem à prevalência de um princípio sobre o outro constituem o pressuposto fático de uma regra que explica a conseqüência jurídica do princípio precedente, sendo que, "quanto maior é o grau de não satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior tem que ser a importância de satisfação do outro".

Ainda sobre a ponderação, afirma Alexy que ela deve suceder em três fases. "Na primeira fase deve ser determinada a intensidade da intervenção. Na segunda fase se trata, então, da importância das razões que justificam a intervenção. Somente na terceira fase sucede, então, a ponderação no sentido estrito e próprio".

A técnica da ponderação tem sido utilizada pelo Tribunal Constitucional Federal Alemão para solucionar situações de colisão entre direitos fundamentais, do que é exemplo o importante "caso Lebach", que foi objeto de comentário por Robert Alexy. O litígio versava sobre a pretensão de uma emissora de televisão de exibir um filmedocumentário sobre o assassinato de soldados em Lebach, crime que assumira trágicas proporções no país e que consistira na morte de quatro soldados do Exército Federal, lotados em um depósito de munições próximo a Lebach. O crime fora praticado enquanto as vítimas dormiam e visava à subtração de armas do local, as quais seriam utilizadas para a prática de outros crimes. Um dos cúmplices do crime, que havia sido condenado e estava prestes a deixar a prisão, considerou que a exibição do documentário, no qual era nominalmente identificado e tinha sua fotografia exibida, violaria seus direitos à honra e à privacidade, além de em muito dificultar a sua ressocialização. Após a negativa das instâncias inferiores, que haviam prestigiado os direitos à informação e à liberdade de imprensa, denegando a pretensão de que fosse proibida a divulgação do filme, foi apresentado recurso à Corte Constitucional.

Após a realização de ampla instrução, na qual foram inquiridos diversos especialistas em criminologia, comunicação social e psicologia, o Tribunal Constitucional, ao apreciar a questão, equacionou o litígio em três vertentes.

Na primeira, visualizou a tensão existente entre a proteção da personalidade e o direito à informação, ambos amparados pela Lei Fundamental. Enquanto o primeiro princípio, por si só, conduziria à proibição da transmissão, o segundo a autorizaria. Como nenhum dos dois princípios tinha precedência sobre o outro e não seria possível declarar a invalidez de qualquer deles, a identificação do interesse que deveria prevalecer seria realizada a partir da ponderação das circunstâncias do caso em particular.

Identificada a colisão de princípios, o Tribunal, em uma segunda etapa, concluiu pela precedência geral da liberdade de imprensa quanto à informação sobre fatos criminosos contemporâneos à sua veiculação. Essa precedência geral, no entanto, não é intangível, pois nem todas as informações atuais poderão ser livremente expostas, sendo admitidas exceções consoante a situação concreta.

Ao final, a Corte Constitucional decidiu que a repetição de informações sobre um crime há muito perpetrado, e que já não correspondia aos interesses atuais de informação, comprometia a ressocialização do autor, o que fez com que a proteção da personalidade, no caso, tivesse precedência sobre a liberdade de imprensa.

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Sobre o autor
Emerson Garcia

Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Emerson. O direito à educação e suas perspectivas de efetividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 480, 30 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5847. Acesso em: 29 mar. 2024.

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