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O pedido genérico nas ações de revisão contratual nos termos do novo Código Civil

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Agenda 28/10/2004 às 00:00

5. O pedido genérico e a sentença determinativa

O pedido no processo civil tem acepções distintas, ora referindo-se à demanda em si, ora ao objeto da pretensão do demandante. Assim, é comum utilizar-se do termo julgamento do pedido como sinônimo de julgamento da demanda. Conforme leciona Cândido Rangel Dinamarco, "o ato de demandar é o responsável pela colocação da pretensão diante do juiz, para que a seu respeito ele se manifeste – julgando-a no processo de conhecimento, satisfazendo-a no executivo" [34].

O autor da demanda coloca sua pretensão à análise do juiz que, após o contraditório, decidirá a quem assiste a razão sobre o pedido [35]. O pedido, em síntese, é o objeto do processo [36], e este se caracteriza como a matéria sobre a qual o juiz, estando regular o processo, é obrigado a se manifestar, colocada diante deste por intermédio da atuação das partes, vedado o processo inquisitório. É o mérito da causa.

Nos termos do art. 286 do Código de Processo Civil, há a regra geral de que "o pedido deve ser certo ou determinado", devendo-se entender certo e determinado, como já pacificado na doutrina. A certeza exigida refere-se à individualização do bem da vida sobre o qual se pede a manifestação do juiz, como, em nosso caso, referido contrato de execução diferida ou determinadas cláusulas deste. Diz-se determinado, ou líquido, o pedido que indica o montante pretendido, fazendo-se necessária a indicação precisa da quantidade de bens ou do valor da parcela do bem. Nesses termos, determinar-se-ia quais efeitos almejados pela parte que recairão sobre o bem da vida, se o pedido for procedente.

O pedido genérico, por outro lado, atine a esta última qualidade, uma vez que a certeza é requisito imprescindível. A segunda parte do art. 286 indica as hipóteses permitidas para a formulação de pedido genérico, ou ilíquido, em cuja demanda não seja possível precisar a quantificação dos bens pretendida, devendo-se, contudo, nas hipóteses do rol taxativo do Código, atenuar a interpretação literal, como indica Dinamarco: "como na prática é às vezes muito difícil o encontro de um valor preciso desde logo – sendo arriscado pedir a mais e sucumbir parcialmente por não ter razão a tudo quanto pede, ou pedir a menos e não poder depois obter tudo a que se tem direito – tal exigência não pode ser rígida e os próprios tribunais não são radicais a esse respeito" [37].

5.1. Caráter constitutivo da sentença revisional

A ação de revisão contratual tem como objeto a modificação de uma situação jurídica, decorrente da insatisfação com relação ao estado do bem da vida. Julgada procedente a demanda, ter-se-á uma situação nova, que gerará, a partir da sentença que a constitui, novos efeitos legítimos em relação aos contratantes.

Isto quer dizer que a decisão judicial definitiva reconhece a constituição, a modificação ou a extinção em determinada relação jurídica, e opera, concomitantemente, essa alteração no plano fático, sem a necessidade de outros atos complementares. Trata-se da sentença constitutiva, que possui eficácia própria. Há que se salientar a existência, outrossim, de uma declaração, comum às sentenças de conhecimento, na sentença constitutiva, que é o reconhecimento do direito à alteração do contrato.

Não muda o caráter da sentença revisional a eventualidade de não ocorrer a revisão, mas, ao invés, a resolução do contrato, realizada mediante uma sentença constitutiva negativa, sendo que a extinção do contrato alterará, tanto quanto, a situação jurídica existente, desconstituindo esse vínculo.

Esta se distingue, contudo, da sentença que julgar improcedente o pedido do autor, negando-lhe o direito à revisão ou resolução do contrato, possibilitando ao réu exigir o cumprimento do contrato nos moldes pactuados originalmente. Essa sentença será declaratória negativa, na medida em que reconhece a inexistência do direito do demandante a alterar a relação jurídica.

5.2. Sentença Determinativa em Ação de Revisão Contratual

A sentença constitutiva nos moldes previstos no art. 478 e seguintes possui outro atributo especial, que se refere ao fundamento em que se baseará, ou seja, qual a fonte formal de direito de conteúdo abstrato, à qual o juiz subsumirá o caso concreto.

Isto porque, nestes casos, está o juiz autorizado a realizar o julgamento por eqüidade no teor do art. 127 do Código de Processo Civil: "o juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei". A permissão legal para tanto decorre da inteligência dos arts. 421, 479 e 2035, parágrafo único do Código Civil.

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Por se tratar de cláusula geral, tendo como destinatário o juiz, o teor da função social do contrato deverá ser preenchido por este, com valores buscados na eqüidade, permitindo-lhe dar a solução que lhe pareça a mais correta, em cada caso [38].

Na ação revisional, poderá o juiz, em prol da função social do contrato, utilizar-se do julgamento por eqüidade, entendendo-se este como a permissão para o juiz remeter-se "ao valor do justo e à realidade econômica, política, social ou familiar em que se insere o conflito – à æquitas enfim – para retirar daí os critérios com base nos quais julgará" [39].

A sentença que se fundamenta na eqüidade é conhecida como sentença determinativa, e esta característica soma-se, na sentença revisional, como um aspecto peculiar ao ato constitutivo nela previsto, isto é, a sentença revisional julgada por eqüidade é uma sentença constitutiva-determinativa, distinguindo-se apenas pelo fato de que se fundamenta em fonte formal diversa da lei editada pelo Estado [40], não se constituindo, portanto em "um quartum genus que se possa acrescentar, com coerência sistemática, às outras categorias de sentença classicamente estabelecidas" [41], declaratória, condenatória e constitutiva.

Concluem Nery & Nery que "a atividade jurisdicional deixa o seu caráter tradicional e geral de função substitutiva da vontade das partes pela do Estado-juiz, e passa a fazer parte do contrato", passando a integrar o negócio jurídico contratual, mediante a "concretização da cláusula geral da função social do contrato" [42].

5.3. Sentença genérica e sentença determinativa

Há que se diferenciar a sentença genérica da determinativa, tendo em vista que eventual confusão pode restar do conceito de sentença genérica, que seria a que não ‘determina’ o quantum debeatur, ou seja, não especifica a quantidade de bens, ou efeitos sobre o bem, que será concedida àquele que tem razão. Sentença determinativa, por outro lado, é a que se fundamenta na eqüidade, fonte formal diversa da lei editada pelo Estado.

Assim, ambas são características que podem estar presentes em determinadas decisões judiciais, e que não se excluem, já que independentes.

O Código de Processo Civil limita a possibilidade de pedido genérico a três, a saber: (a) o pedido de coisas coletivas, em ações universais, nas quais seja possível ao autor individuar os bens que são objeto do pedido, tanto podendo se referir à universalidade de direito – como o espólio ou a massa falida – quanto à universalidade de fato – como o direito a uma pinacoteca ou a um rebanho; (b) o pedido genérico de indenização, em decorrência de ato ou fato ilícito, nos casos em que não for possível precisar as conseqüências, sejam materiais ou morais, impingidas à vítima – caso os danos possam ser calculados no momento da apresentação da demanda, deverá fazê-lo o autor, obrigatoriamente [43]; e (c) o pedido dependente de ato a ser praticado pelo réu, uma vez que não possibilitado ao autor saber o quantum na propositura da ação, como em ação de prestação de contas.

Fora destas hipóteses, a legislação extravagante prevê mais duas hipóteses de cabimento de pedido genérico, em razão da especificidade da situação material e da qualidade das partes litigantes. Trata-se do Código de Defesa do Consumidor, que permite o pedido genérico em ações que tutelem direitos individuais homogêneos, com previsão nos arts. 91 e seguintes da Lei 8.078/90. E posteriormente, em 1995, com o advento da Lei dos Juizados Especiais, em decorrência de seu caráter informal, abriu-se nova possibilidade, como expressamente previsto no art. 14, § 2.º, nesses termos: "é lícito formular pedido genérico quando não for possível determinar desde logo, a extensão da obrigação".

Em virtude do art. 128 do Código de Processo Civil, "o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta", assim, imprescindível a correlação entre o pedido e a sentença. Outrossim, o art. 459, parágrafo único, indica que a sentença deve ser líquida, caso o pedido seja determinado, o que leva parte da doutrina a interpretar o artigo a contrario sensu, afirmando que deduzido pedido genérico, deveria ser proferida sentença ilíquida. Mas tal tese iria de encontro ao princípio da efetividade processual, na medida em que se espera da jurisdição a segurança jurídica, alcançada com a determinação precisa da sentença, devendo, se possível, ser proferida uma sentença líquida, ainda que diante de um pedido genérico.

Além disso, pode-se afirmar que o processo de liquidação de sentença, afinal, é complemento da cognição realizada anteriormente. Leciona Calmon de Passos que "tudo recomenda que a indeterminação no tocante ao quantum debeatur seja eliminada no próprio procedimento da ação de cognição, salvo se foi impossível fazê-lo" [44]. Esta é previsão no Juizado Especial, no qual as sentenças devem ser líquidas, ainda quando genérico o pedido, a teor do art. 30, parágrafo único, da Lei 9.099/95.

Nada obstante, em casos de prolatação de sentença genérica, passar-se-á à fase de liquidação da mesma, cujo objetivo é determinar a quantidade de bens ou direitos sobre os quais cairão os efeitos da sentença. Numa condenação, ficaria impossibilitada a sua execução sem a liquidação da sentença genérica, uma vez que não se conheceria a dimensão do valor dos bens a penhorar para a futura satisfação do crédito. Tal sentença de liquidação tem natureza declaratória, produzida em processo novo, destinado unicamente a apurar o quantum, completando a parte declaratória das sentenças genéricas [45].

Conclui-se, repisando, que a liquidação da sentença genérica, posto que determina a quantidade afetada do bem ou bens da vida, em nada se confunde com a sentença determinativa, que se refere à jurisdição por eqüidade, permitida em nosso sistema processual somente em casos previstos na lei.


6. O pedido genérico e a ação de revisão contratual

Tendo em mente os conceitos expostos nos tópicos anteriores, passa-se à conclusão acerca da possibilidade da utilização de pedido genérico em ação de revisão contratual, e, para tanto, cumpre-nos analisar abstratamente se este pedido – alteração do contrato – subsume-se a alguma das hipóteses mencionadas.

Primeiramente, por se tratar de uma aplicação abstrata, podemos chegar aprioristicamente a algumas conclusões, pois é evidente que se o demandante, em ação revisional de contrato, optar, se lhe for lícito, por utilizar-se do Juizado Especial Cível, estará permitido o pedido genérico, se a alteração que busca for de difícil quantificação.

O mesmo se pode dizer quanto à revisão contratual em face de direitos universais, nos termos do art. 286, I, cuja quantificação seja difícil de ser realizada. Neste caso, busca-se a revisão contratual que desonere a responsabilidade do demandante sobre determinada prestação referente àqueles bens.

Quanto aos demais casos previstos na legislação, deve ser realizada uma análise mais detida, no que toca à interpretação do art. 286 do Código de Processo Civil, na medida em que cercada de discussões e entendimentos jurisprudenciais divergentes.

Como já afirmado, a sentença revisional apresenta nítido caráter constitutivo, o que implica na produção de efeitos por sua própria força vinculante. Isto quer dizer que tem eficácia própria, prescindindo de atos posteriores que operem a mudança determinada em sua parte dispositiva.

Isto implica que, pela natureza da ação revisional, o demandante não buscará a condenação do credor, que cumpriu suas obrigações, para lhe devolver uma parcela imprevista e excessivamente onerosa de sua prestação. Busca, sim, a revisão que restaure o equilíbrio econômico-financeiro dos contratantes, com efeitos ex nunc, quiçá mediante a antecipação dos efeitos da tutela. Ressalte-se, novamente, que é requisito para a aplicação da teoria da imprevisão, a ausência de estado moratório por parte do demandante

Nesse sentido, descartadas as hipóteses de ação revisional que redundariam em condenação para o réu-credor da prestação. Diante desta afirmação, não poderá o autor, para tutelar direitos individuais homogêneos, pleitear uma tutela condenatória com pedido genérico contra o credor que cumpriu regularmente o contrato e, por circunstâncias imprevisíveis, incorreu em extrema vantagem.

É o mesmo ponto envolvendo o inciso III do art. 286, no qual o pedido é a condenação do réu, cujo valor depende de ato que deva ser praticado pelo réu. Assim, em razão de interpretação literal, que se coaduna com a intenção do legislador, conclui-se que não se há que falar em revisão contratual para possibilitar uma condenação do credor.

Passa-se, finalmente, à análise do inciso II do art. 286, que permite o pedido genérico em ações em que a causa de pedir seja a ocorrência de um ato ou fato ilícito pelo demandado. Decorrerão destes, conseqüências indenizáveis à vítima, mas cujo montante não é possível ser quantificado no momento da propositura da demanda.

Pela interpretação literal, vê-se que a causa de pedir da ação revisional é distinta daquela, pois decorre de ato imprevisto pelas partes, a que nenhuma delas deu causa, que gerou onerosidade excessiva para uma e extrema vantagem para a outra. Assim, pela leitura do art. 286 do Código de Processo Civil, o pedido, na ação de revisão contratual, deve ser certo ou determinado. De acordo com interpretação sistemática, entende-se que a alteração contratual almejada deve ser certa e determinada. Além disto, vale ponderar que a intenção do legislador foi a de exigir a certeza e liquidez na petição inicial, possibilitando ao demandado total compreensão da demanda proposta, sendo elemento identificador da ação. Portanto, as exceções devem ser interpretadas restritivamente, relevando a formalidade e a segurança jurídica no processo civil pátrio [46].

Conclui-se que o demandante, na propositura da ação de revisão contratual deve demonstrar os requisitos exigidos para a aplicação da teoria da imprevisão, apresentando as mudanças que julga pertinentes para a restauração do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, requerendo especificadamente, ou seja, quanto à qualidade e quantidade, a alteração pretendida, não lhe sendo lícito deduzir pedido genérico.

Nestes termos, a ação revisional com pedido genérico, como o pedido de alteração de índice de atualização monetária a critério do juiz, deverá ser emendada, para que o pedido seja certo e determinado, nos termos da lei, sendo quantificada a alteração pretendida, ou sendo fornecidos elementos suficientes para que o pedido seja determinado, sob pena de ser indeferida a petição inicial.

Sobre o autor
Ilton Carmona de Souza

Membro da Comissão dos Novos Advogados do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP, Advogado em São Paulo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ilton Carmona. O pedido genérico nas ações de revisão contratual nos termos do novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 478, 28 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5858. Acesso em: 22 nov. 2024.

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