Visando conferir maior proteção a vítima, a lei Maria da Penha, lei 11.340/06, inovou ao conferir a possibilidade de serem decretadas medidas destinadas proteger a integridade física, psicológica e patrimonial da ofendida. As denominadas Medidas Protetivas de Urgência.
As medidas protetivas podem ter como destinatário o agressor, criando obrigações para ele (art. 22), ou serem destinadas à salvaguarda da vítima ou de seus bens (arts. 23 e 24). Dentre as medidas se encontram a possibilidade do afastamento do ofendido do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida, a proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor, dentre outras.
A norma, porém, não é de fácil aplicação.
Além da grande dificuldade na fiscalização das medidas, a lei não prevê sanção ao descumprimento. Não há previsão explicita de punição penal ou processual para a conduta daquele que desobedece à medida cautelar de urgência.
A Lei nº 11.343/06 prevê medidas cautelares progressivas, podendo evoluir a uma possível decretação de uma prisão preventiva do agente, no caso de as medidas mais brandas não se mostrarem suficientes. Assim, verifica-se que não há sanção prevista, havendo tão somente a possibilidade da decretação da prisão preventiva, nos ditames do art. 313, inciso III, CPP.
Da omissão, surgiu uma grande controvérsia: o agressor que descumprir as medida protetiva de urgência estará, em tese, praticando o crime de desobediência (art. 330 do Código Penal) ou, diante da possibilidade de ser preso preventivamente ou de sofrer sanções de natureza civil, a conduta seria atípica.
Vamos analisar todas as possibilidades.
O entendimento majoritário sustenta a atipicidade do crime de desobediência naqueles casos em que a lei de conteúdo extrapenal cominar, para o mesmo fato, sanção de natureza civil ou administrativa. Com efeito, apenas pode coexistir a sanção civil e crime de desobediência (art. 330 do CP) quando a lei expressamente a prever. Como exemplo clássico se encontra a possibilidade da condução coercitiva do ofendido no curso da persecução penal, que não autoriza a tipicidade do crime de desobediência e, por outro lado, a condução coercitiva de testemunha, que autoriza a tipicidade do crime. Inteligência dos art. 201, §1º, e art. 218 c.c art. 219, todos do CPP.
Pois bem.
Desta linha do pensar, não é possível a conduta daquele que desobedece as medidas implique no crime de desobediência, apenas em eventual prisão preventiva do agente. Esse é o entendimento majoritário da doutrina e jurisprudência.
Nos autos do REsp nº 1.477.671 – DF, a Quinta Turma do STJ asseverou que:
RECURSO ESPECIAL. DESOBEDIÊNCIA. ART. 330 DO CP. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. IMPOSIÇÃO COM AMPARO NA LEI MARIA DA PENHA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. PREVISÃO DE SANÇÕES ESPECÍFICAS NA LEI DE REGÊNCIA. 1. A jurisprudência desta Corte Superior firmou o entendimento de que para a caracterização do crime de desobediência não é suficiente o simples descumprimento de decisão judicial, sendo necessário que não exista cominação de sanção específica. 2. A Lei n. 11.340/06 determina que, havendo descumprimento das medidas protetivas de urgência, é possível a requisição de força policial, a imposição de multas, entre outras sanções, não havendo ressalva expressa no sentido da aplicação cumulativa do art. 330 do Código Penal. 3. Ademais, há previsão no art. 313, III, do Código de Processo Penal, quanto à admissão da prisão preventiva para garantir a execução de medidas protetivas de urgência nas hipóteses em que o delito envolver violência doméstica. 4. Assim, em respeito ao princípio da intervenção mínima não se há falar em tipicidade da conduta imputada ao ora recorrido, na linha dos precedentes deste Sodalício. 5. Recurso especial a que se nega provimento.
Afasta-se, assim, a incidência do crime de desobediência (art. 330, CP).
Mas a questão não é simples.
A prisão preventiva é sempre condicionada ao preenchimento dos requisitos do art. 312, do Código de Processo Penal. Portanto, não existindo ofensa à garantia da ordem pública, da ordem econômica, ou necessidade por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicabilidade da lei penal, não há o que se falar em decretação de prisão preventiva. Assim a possibilidade da prisão do agente não pode, data venia, ser considerada uma sanção extrapenal para os casos de desobediência de medida protetiva de urgência.
Da mesma forma, a requisição da força policial – conforme autoriza o art. 22, §3º, da lei 11.340/06 – não pode ser considerada uma sanção ao descumprimento. A medida compreende uma forma de compelir o particular ao cumprimento.
Por fim, a única sanção é aquela possibilitada pelo art. 22, §4º, da lei Maria da Penha, ou seja, do juiz determinar a aplicação de multa em virtude da descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer imposta. Aplica-se o art. 537 do Novo Código de Processo Civil, ou seja, para o caso de descumprimento de medida protetiva, pode o juiz fixar providência com o objetivo de alcançar a tutela específica da obrigação.
Insta frisar que, na redação da lei, é feita expressa referência ao disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). No fato posto em discussão nos autos do REsp 1.374.653/MG, de relatoria do Exmo. Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/03/2014, o juízo de primeiro grau havia combinando ao descumprimento perpetrado pelo agressor multa diária de R$ 100,00 (cem reais).
Assim, podemos avançar e concluir.
A sanção pelo descumprimento das medidas deve se afastar da repercussão penal e seguir na aplicação de multas em face do descumprimento, especialmente quando a medida descumprida é de natureza civil. Cite-se, como exemplo, que, entre as medida protetivas, estão a suspenção do direito de visitas aos dependentes e o pagamento de alimentos, ambas de natureza civil.
Ademais, para as circunstâncias em que o agente esteja colocando a ofendida em perigo haverá a possibilidade de prisão cautelar do agressor, além da prática de condutas criminosas, como ameaça (CP, art. 147) ou lesão corporal (CP, 129, §9º), para as quais há sanção penal.