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Aplicação da teoria da causa madura no julgamento de agravo de instrumento interposto em face de decisão que recebe ação civil pública por improbidade administrativa

Agenda 22/06/2017 às 19:54

Faremos um estudo da doutrina e da jurisprudência que vêm aceitando a aplicação da Teoria da Causa Madura, prevista para a Apelação, em relação ao Agravo de Instrumento, em consideração aos princípios da instrumentalidade do processo e a efetividade da tutela jurisdicional.

O art. 1.015 do CPC dispõe sobre quais são as decisões interlocutórias que desafiam a interposição do recurso de agravo de instrumento:

Art. 1.015.  Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Prescreve a Lei n. 8429/92 ser cabível recurso de agravo da decisão que receber a inicial da ação civil pública:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

(...)

§ 10.  Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.  

Na prática forense, é sabido que algumas ações são ajuizadas sem que, sequer, esteja evidenciada a existência de atos de improbidade justificadores do recebimento da ação, ou seja, não há um mínimo de provas, muito menos fundamentos para o recebimento da inicial!

Não obstante a isso, muitas são as decisões que recebem essas ações, violando, assim, inúmeros dispositivos legais, desafiando a interposição de agravo de instrumento.

O simples processamento de uma ação de improbidade já acarreta prejuízos àqueles que exercem atividades públicas. Para evitar ou, ao menos, minorar esses prejuízos é que o legislador criou – ou melhor, importou do processo penal – a fase inicial de admissibilidade da ação de improbidade.

É nessa fase que o magistrado não só pode como, em verdade, deve analisar se há indícios da prática de ato ímprobo, inclusive verificando se o ato apontado na inicial não se configura como mera irregularidade/ilegalidade e se, no caso, está presente o elemento subjetivo do tipo, seja o dolo nas hipóteses previstas no art. 9º e 11 da LIA, seja, ao menos, a culpa nos casos do art. 10 da mesma lei.

Sobre o assunto, veja-se relevante precedente do Superior Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. NÃO OCORRÊNCIA DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. ACÓRDÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADO. IMPUTAÇÃO DA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NEPOTISMO. INDISPENSABILIDADE DE COMPROVAÇÃO DO DOLO DO AGENTE. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PELO PROVIMENTO DO APELO. RECURSO ESPECIAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS DESPROVIDO, NO ENTANTO.

2.   A primeira e mais urgente função preparatória da aceitação da petição inicial da Ação por Ato de Improbidade Administrativa é a de extremar o ato apontado de ímprobo da configuração da mera ilegalidade (dada a inegável afinidade formal entre as duas entidades), para verificar se o ato tido como ímprobo não estará apenas no nível da mera ilegalidade, ou seja, não se alça ao nível da improbidade; essa atividade é relevante porque especializa a cognição judicial no objeto específico da ação em apreço, evitando que a sua energia seja drenada para outras áreas afins, ou desperdiçada em movimentos processuais improdutivos.

11.  Recurso Especial do Ministério Público de Minas Gerais desprovido.

(REsp 1193248/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/04/2014, DJe 18/08/2014)

Muitos são os casos nos quais o magistrado inverte a lógica da fase de recebimento da inicial, havendo o recebimento e o processamento da ação, não porque se verificou a presença de indícios da participação de pessoas na prática de ato de improbidade, mas com fundamento no princípio da indisponibilidade do interesse público, considerando ainda a função da tutela do MP ao patrimônio público, e por haver supostos “indícios” de existência de ato de improbidade cuja análise mais aprofundada exigirá o exame do conjunto probatório a ser produzido nos autos.

Ora, ainda que o magistrado afirme que há “indícios”, deve indicar expressamente a “prova mínima” de que existe ato ímprobo, o que implica dizer que somente deve ser recebida a ação se existirem provas e não indícios, suposições a serem apuradas, da prática de ato de improbidade (com a necessidade de apreciaçãona decisão), inclusive com verificação do elemento subjetivo que distinga o fato de mera ilegalidade, e não diante da ausência de elementos para pronta declaração de inocência, mesmo porque esse tipo de ação não pode ser recebida e processada para realizar investigações, as quais possuem o adequado foro do inquérito civil.

Logo, caso inexistam indícios/provas pontuais contra o requerido numa ação civil pública, é caso de não recebimento da inicial, e não o processamento da ação, para, então, verificar se ocorreu ou não algum ato ímprobo, mesmo porque, como cediço e já exposto, a fase de recebimento da inicial tem por objetivo justamente impedir os efeitos danosos da ação quando, sequer, existem elementos mínimos individualizados da prática de algum ato reprovável.

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Não se pode esquecer que, em se tratando de ação de improbidade, cujo rito é regido pela 8.429/92, é natural que tenha existido um Inquérito Civil para apurar os fatos, contudo, mesmo assim, há casos em que, mesmo não sendo produzido provas sólidas, o MPE ingressa com a ação, e o juiz a recebe, muitas vezes, sem a devida fundamentação.

Nesse norte, após o recebimento da ação pelo juiz singular, deve-se interpor recurso de agravo visando, primeiramente, anular a decisão desprovida de fundamentação, bem como pedir que o Tribunal adote, por analogia, a “Teoria Da Causa Madura”, prevista no art. 1.013, §3º, IV, do CPC/2015.

A doutrina e a jurisprudência do STJ vêm aceitando a aplicação da Teoria da Causa Madura, prevista especificamente para a Apelação, em relação ao Agravo de Instrumento, em consideração aos princípios da instrumentalidade do processo e a efetividade da tutela jurisdicional.

É lógico que, caso a decisão venha a ser anulada em razão da ausência de devida fundamentação, esse defeito deverá ser corrigido em primeira instância, mas, o Tribunal, caso tenha elementos para tanto, pautado no conjunto probatório produzido, pode analisar o mérito da questão.

Sobre o tema o STJ decidiu:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFERIMENTO DE LIMINAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS. VÍCIO DE FUNDAMENTAÇÃO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TEORIA DA CAUSA MADURA (ART. 515, § 3º, CPC). APLICABILIDADE.

1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública movida contra diversos sujeitos alegadamente envolvidos em licitações superfaturadas de medicamentos e material hospitalar em que está implicada a Prefeitura Municipal de Cachoeiro do Itapemirim. A indisponibilidade de bens requerida na Petição Inicial foi deferida pelo Juízo de 1º Grau e submetida a Agravo de Instrumento.

(...)

7. Por fim, de essencial relevância destacar que a jurisprudência do STJ admite a não aplicação da teoria da causa madura quando for prejudicada a produção de provas pela parte de forma exauriente, o que não acontece na presente hipótese, já que se trata de recebimento da inicial da Ação de Improbidade e de determinação cautelar da medida de indisponibilidade dos bens, situações em que o juízo exara provimento de exame precário das provas juntadas com a inicial, sem prejuízo de prova em contrário no curso da ação.

8. Recurso Especial não provido. (REsp 1215368/ES, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, CORTE ESPECIAL, julgado em 01/06/2016, DJe 19/09/2016)

Recentemente o TJMS aplicou a Teoria da Causa Madura ao julgar um caso semelhante ao dos autos:

E M E N T A - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ACAO CIVIL PUBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – PRELIMINAR DE INEPCIA DA INICIAL - AFASTADA - PETICAO QUE NARRA OS FATOS, OS FUNDAMENTOS DE DIREITO E OS PEDIDOS DE FORMA COERENTE - PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISAO, POR FALTA DE FUNDAMENTACAO – ACOLHIDA - POSSIBILIDADE DE APLICACAO DO ART 1 013, §3º, IV, DO CPC, AO AGRAVO - TEORIA DA CAUSA MADURA - POSSIBILIDADE - NULIDADE SEM REMESSA A ORIGEM - MERITO - IRREGULARIDADES REFERENTES A LICITACAO E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS - PROCEDIMENTOS LICITATORIOS E CONTRATOS REALIZADOS - OCORRENCIA DE MERA IRREGULARIDADE QUANTO A NUMERACAO - SERVICOS PRESTADOS - NAO DEMONSTRACAO DE DOLO OU CULPA - INEXISTENCIA DE ATO DE IMPROBIDADE COMPROVADA DE PLANO - REJEICAO DA INICIAL COM RELACAO AS AGRAVANTES - RECURSO PROVIDO. Não é inepta a petição inicial, quando ela expõe, de forma coerente e logica, os fatos, os fundamentos jurídicos e os pedidos. A decisão que dá uma determinada solução ao caso concreto, fazendo uso de fundamentos genéricos, sem correlação com o caso concreto, é nula, por afronta ao art 489, do CPC/2015. Entretanto, mesmo sendo anulada a decisão, por falta ou insuficiência de fundamentação, não é caso de remessa a instancia de origem para que o ato seja realizado adequadamente, podendo o tribunal, de imediato, julgar a matéria devolvida no agravo, aplicando-se a teoria da causa madura, prevista para a apelação no art 1 013, §3º, IV, do CPC, para a hipótese do agravo de instrumento. Para que a inicial da ação civil pública por improbidade seja rejeitada, deve o requerido comprovar, de plano, que os fatos imputados a ele não configurem atos de improbidade. Havendo provas nos autos no sentido de que as empresas agravantes submeteram-se aos procedimentos licitatórios e a celebração dos respectivos contratos, bem como de que os serviços foram prestados, sem que haja violação as regras referentes a Lei de Licitações ou prejuízo ao erário ou aos princípios da administração publica, a ação deve ser rejeitada, segundo interpretação do art 17, §8º, da Lei de Improbidade Administrativa. A C O R D A O Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da 4ª Camara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos, por unanimidade, rejeitar a preliminar de inépcia e acolher a preliminar de nulidade, no mérito, por maioria, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Relator, vencido em parte o 2º Vogal. (Agravo de Instrumento nº 1412679-81 2016 8 12 0000 Comarca de Corumbá - Vara de Fazenda Publica e de Registros Públicos Relator(a): Des Claudionor Miguel Abss Duarte)

Nesse norte, mesmo que a decisão seja nula por ausência da devida fundamentação, pode o Tribunal, havendo acervo probatório suficiente, julgar o mérito do Agravo para o fim de analisar se há elementos para que a Ação Civil de Improbidade seja recebida.

Sobre o autor
Thiago Chianca Oliveira

Especialista em Direito Processual Civil e Direito Público (administrativo, ambiental, constitucional e tributário). Advogado, inscrito na OAB/MS. Sócio do Escritório Godoy & Chianca - Advocacia e Consultoria Jurídica, sediado em Campo Grande, MS, com atuação nos ramos do direito agrário, civil e público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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