O mormo é uma doença infecto-contagiosa dos equídeos, causada pelo burkholderia mallei. Manifesta-se por um corrimento viscoso nas narinas e a presença de nódulos subcutâneos, nas mucosas nasais, nos pulmões, gânglios linfáticos, pneumonia etc.
Os sintomas mais comuns são a presença de nódulos nas mucosas nasais, nos pulmões, gânglios linfáticos, catarro e pneumonia. A forma aguda é caracterizada por febre de 42ºC, fraqueza e prostração, pústulas na mucosa nasal que se transformam em úlceras profundas com uma secreção, inicialmente amarelada e depois sanguinolenta; intumescimento ganglionar e dispnéia.
É o tipo de doença sobre a qual não se tem dúvidas sobre a existência (ou não) em uma propriedade! O diagnóstico do mormo é regulamentado pela Instrução Normativa MAPA n. 24/04.
Pois bem, no território brasileiro, para um animal ser deslocado, o Ministério da Agricultura prevê, no Decreto nº 5.741 de 30 de março de 2006, a apresentação da Guia de Trânsito Animal (GTA), que contém as informações sobre o destino e condições sanitárias, bem como a finalidade do transporte animal, possuindo cada espécie animal uma norma específica para a emissão da guia de trânsito.
O Decreto n. 24.548/34 dispõe que:
Art. 7º O atestado de saúde, de origem, ficará em poder do funcionário incumbido da inspeção dos animais, o qual concederá uma guia de livre trânsito, caso estejam os mesmos em boas condições de saúde.
Em Mato Grosso do Sul, os equídeos que serão transportados de um município a outro ou para outros Estados, e que irão participar de algum tipo de aglomeração, feiras, exposições, vaquejadas e competições de outras naturezas necessariamente precisam portar uma Guia de Trânsito Animal (GTA), de modo que, para se obter essa guia, devem ter os exames de AIE (Anemia Infecciosa Equina) e mormo negativos.
Quando o exame tem resultado positivo, o laboratório tem que encaminhar o laudo imediatamente ao órgão de defesa sanitária animal para a providências legais.
A Instrução Normativa do MAPA n. 24/04 estabelece o seguinte:
Art 8º A propriedade que apresente um ou mais animais com diagnóstico de mormo positivo conclusivo será considerada foco da doença e imediatamente interditada e submetida a Regime de Saneamento.
No caso específico mormo, quando o exame apresentar resultado inconclusivo e anticomplementar, outra amostra deve ser examinada num prazo de quinze a trinta dias e o animal não pode sair da propriedade onde se encontra.
O que deve ser ressaltado é que o resultado anticomplementar não siginifica positivo, já que tal fato pode ocorrer pelos seguintes fatores: presença de outros imunocomplexos, prenhez, alimentação, estresse, preparo, vacinação e outros.
Logo, pode-se afirmar que fatores externos podem alterar os resultados no teste de Fixação de Complemento, com ou sem sintomas clínicos e com resultado positivo no teste complementar (maleína ou Western Blotting).
Até mesmo o acondicionamento inadequado da amostra, ainda que temporariamente, poderia gerar um resultado “inconclusivo” ou “anticomplementar” de um ou outro animal.
Essa questão do diagnóstico da doença mormo no Brasil há muito tempo vem sendo questionada, de modo que, no ano de 2016, esse debate chegou no Senado Federal[1], senão vejamos:
“Apesar da garantia de que o Brasil possui capacidade técnica para diagnosticar o mormo, doença que vem afetando o plantel de cavalos, burros e mulas no país, os laboratórios nacionais enfrentam dificuldades para lidar com uma peculiaridade: a sororeversão, o desaparecimento, em novas amostras, dos anticorpos que indicavam a infecção em animais antes positivados para a enfermidade bacteriana, mas sem haver uma cura. Essa inconsistência de resultados positivos e negativos tem gerado desconfiança e indignação em produtores.
Este foi o teor da exposição dos representantes dos criadores, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e dos Laboratórios Nacionais Agropecuários (Lanagro), vinculados ao Ministério, durante a segunda audiência pública da Comissão de Agricultura (CRA) para discutir o tema, nesta quinta-feira (7).
Atualmente, os Lanagro de Pernambuco e Pará são os mais capacitados para realizar o diagnóstico do mormo, explicou Leandro Barbieri, da Secretaria de Defesa Agropecuária do Mapa. O governo vem trabalhando para expandir essa rede, que conta com seis Lanagros e 28 laboratórios particulares credenciados nacionalmente, disse ainda. Do resultado desses exames, depende a decisão de suspender ou não as atividades de um haras e de sacrificar animais contaminados.
A pesquisadora Fabiola Correa, do Lanagro-PE, garantiu que as técnicas em uso no Brasil são as mesmas adotadas por laboratórios em países com os quais a instituição tem estreita colaboração.
Estamos em treinamento, estamos trabalhando em conjunto. A perspectiva é boa, mantemos contato constante com o pessoal de referência de Alemanha, França, Dubai. Trabalhamos em conjunto, a gente trabalha com as técnicas disponíveis, com o que existe no momento, mas claro que podemos melhorar —, afirmou.
Porém, esses exames às vezes têm dado resultados falsos. Negativo, apesar de haver contaminação, ou positivo e o animal não estar realmente doente, ou, ainda, apresentar os sintomas, mas não possuir a bactéria. Para que os diagnósticos sejam seguros, o presidente da Associação Brasileira dos Médicos Veterinários de Equídeos, Rui Vincenzi, defendeu a padronização dos procedimentos para evitar o que chamou de “dança de resultados”. Problemas com o envio de amostras, o acondicionamento e a temperatura, por exemplo, em sua opinião, afetam os resultados.
O ideal seria termos reagentes iguais, tanto na rede credenciada particular como na rede oficial, tanto do reagente, dos antígenos, das técnicas, se é a frio ou a quente. Talvez a padronização seja um dos fatores que vai eliminar esse problema do positivo-negativo —, disse.
Segundo Fernando dos Santos, médico veterinário do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), um dos problemas está na sensibilidade dos testes disponíveis. Um dos desafios para o futuro é adotar uma combinação de exames que possibilitem mais sensibilidade e mais especificidade, com baixo custo e disponíveis no comércio.”
Em alguns casos, quando o resultado do exame de mormo tem como resultado anticomplementar, fiscais agropecuários têm interditado de forma geral e indiscriminada toda a propriedade, todos os animais, mesmo não havendo na Instrução Normativa do MAPA n. 24/04 a previsão de interdição da propriedade em caso de exame com resultado anticomplementar.
Somente após um resultado positivo do exame complementar de diagnóstico, que será o teste da maleína, é que se poderia aplicar a interdição da propriedade, de modo que não pode o produtor rural ser brutalmente penalizado quando o resultado for anticomplementar, ficando claro e evidente que a interdição geral (impedimento de emissão de GTA) é injusta e ilegal.
No caso, ainda que haja um animal sob essa condição, os demais, que possuam resultado negativo de mormo, podem e devem ser transportados para fora da propriedade.
Inconteste que o ato que gera a interdição de toda a propriedade do produtor em razão de ter um de seus animais com resultado anticomplementar de mormo é ilegal, injusto, abusivo e danoso.
Conclui-se que o ato de interdição é ilegal, porquanto fora realizado em descompasso com a legislação, já que somente deve ocorrer a interdição da propriedade que apresente animal com diagnóstico de mormo “positivo conclusivo”, e não anticomplementar.
Assim, o produtor tem direito líquido e certo de transportar os demais animais de sua propriedade que apresentaram resultado negativo, de modo que a sua propriedade deve ser “desinterditada”.
O ato ilegal e abusivo deve ser atacado via mandado de segurança e consiste na indevida e ilegal interdição de todos os animais da propriedade em razão de um único resultado apontar como sendo “anticomplementar”, que não é positivo para nenhuma doença, de modo que tal ato desviou-se (indo além) dos limites e contornos legais, do que decorre o direito líquido e certo do proprietário de ver restabelecida a legalidade e seus direitos.
O mandado de segurança é a medida adequada e cabível para coibir a ilegalidade questionada. Para tanto, imperiosa é a análise das hipóteses de cabimento de Mandado de Segurança, e a leitura do art. 1º, II, da Lei n.º 12.016/2009:
Art. 1o Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
Os atos questionados implicaram violação direta às regras do inc. XXII do art. 5º da CF, art. 7º do Decreto Federal 24.548/34 e art. 8º da Instrução Normativa do MAPA n. 24/04.
O proprietário tem direito líquido e certo a ver recomposto o seu direito de propriedade e o direito de transporte de seus animais, e essa medida somente será possível a partir da declaração de ilegalidade e inconstitucionalidade do Ato de Interdição da Propriedade.
A nossa Constituição Federal prescreve:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes
XXII - é garantido o direito de propriedade;
Nesse norte, deve o produtor impetrar mandado de segurança para sustar/suspender os efeitos de ato coator que interdita a sua propriedade, bem como proíbe a saída generalizada dos equídeos, requerendo-se, assim, a desinterdição da propriedade, com a liberação para expedição da Guia de Trânsito Animal (GTA) dos equídeos que possuem exame de mormo com resultado conclusivo negativo vigente.
Nota
[1] http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2016/07/07/inconsistencias-nos-resultados-sao-problemas-no-diagnostico-do-mormo-conclui-audiencia-na-cra