1 INTRODUÇÃO
A improbidade administrativa configura séria violação aos princípios regentes da administração pública. Com previsão no texto constitucional, esse ilícito enseja a aplicação de gravosas sanções aos seus agentes.
Neste artigo, realiza-se breve estudo das sanções por improbidade, buscando-se, de início, analisar quais são seus fundamentos constitucional e legal. São investigadas as sanções em espécie, apreciando-se sua natureza jurídica e sua aplicabilidade aos atos ímprobos.
A partir dessa análise, pretende-se demonstrar a importância do instituto da improbidade administrativa, considerando-se a gravidade das sanções cominadas para os agentes que cometerem essa violação qualificada das normas disciplinadoras da boa administração.
2 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAL E LEGAL DAS SANÇÕES
A Constituição Federal dispõe acerca dos tipos básicos de sanções aplicáveis aos atos de improbidade administrativa. Veja-se:
Art. 37, § 4° - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Note-se apenas que a indisponibilidade de bens, conquanto arrolada ao lado de outras sanções, constitui em verdade uma medida de natureza cautelar, a ser adotada com vistas a garantir a aplicação das demais consequências da condenação por improbidade administrativa, sobretudo o ressarcimento ao erário, a multa civil e a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente.
A fim de regulamentar o transcrito dispositivo constitucional, editou-se a Lei n° 8.429/1992, que estabelece em seu art. 12:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.
Da leitura do dispositivo legal, depreende-se que o legislador ordinário previu um rol de sanções mais extenso que aquele estabelecido pela Constituição Federal. Disso não decorre qualquer inconstitucionalidade, uma vez que a previsão constitucional deve ser interpretada como uma relação mínima de sanções, não impedindo que o legislador fixe outras, desde que consentâneas com os princípios da Administração Pública e capazes de servir ao propósito de punir os agentes e recompor o patrimônio público.
Nesse sentido, o STF já assentou que “As sanções civis impostas pelo art. 12 da Lei n° 8.429/1992 aos atos de improbidade administrativa estão em sintonia com os princípios que regem a Administração Pública”.1
2.1 Natureza jurídica das sanções
Destaque-se, primeiramente, que nenhuma das sanções previstas no art. 12 da Lei n° 8.429/1992 tem natureza criminal. Essa constatação já fica evidente a partir do disposto no art. 37, § 4°, da Constituição, na locução “sem prejuízo da ação penal cabível”. É também explicitado no caput do próprio art. 12, em que se lê “Independentemente das sanções penais[...]”.
Diante disso, tem-se que podem ser identificadas sanções com quatro naturezas distintas, conforme lição de Pazzaglini.2
Há sanção de natureza política, consubstanciada na suspensão dos direitos políticos. Sanção de natureza político-administrativa, que é a perda da função pública. Observa-se ainda sanção de natureza administrativa, consistente na proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. E, finalmente, há três sanções de natureza civil, que são a multa civil, o ressarcimento integral do dano e a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio.
3 SANÇÕES EM ESPÉCIE
3.1 Suspensão dos direitos políticos
O art. 15, V, da Constituição Federal assenta que a prática de ato de improbidade administrativa importa na suspensão dos direitos políticos do agente3. Essa previsão se harmoniza com o contido no art. 37, § 4°, do texto constitucional, já transcrito.
Atendendo ao mandamento constitucional, a Lei n° 8.429/1992 comina, às três espécies de improbidade administrativa, a sanção da suspensão dos direitos políticos.
Os direitos políticos se reportam ao exercício da cidadania pelo indivíduo, legitimando sua participação ativa na vida política do Estado. Conforme José Afonso da Silva:
Os direitos políticos positivos consistem no conjunto de normas que asseguram o direito subjetivo de participação no processo político e nos órgãos governamentais. Eles garantem a participação do povo no poder de dominação política por meio das diversas modalidades de direito de sufrágio: direito de voto nas eleições, direito de elegibilidade (direito de ser votado), direito de voto nos plebiscitos e referendos, assim como por outros direitos de participação popular, como o direito de iniciativa popular, o direito de propor ação popular e o direito de organizar e participar de partidos políticos.4
Assim, o indivíduo fica impossibilitado de exercer plenamente a cidadania, mesmo porque a prática do ato ímprobo demonstra sua inaptidão, pelo menos temporária, para influenciar os rumos políticos do Estado.
Observe-se que a suspensão dos direitos políticos só se efetiva após o trânsito em julgado da sentença condenatória, conforme disposição expressa do art. 20 da Lei n° 8.429/1992.5
Destaque-se que a sanção em estudo só deve ser aplicada se constar expressamente da sentença condenatória. Além disso, o magistrado deve explicitar qual o prazo da suspensão. Caso não o faça, deve ser aplicado o período mínimo fixado na lei. Nesse sentido, posiciona-se Carvalho Filho.6
A sanção de suspensão é aplicada pela Justiça Comum, Estadual ou Federal, no curso da ação civil de improbidade administrativa, tendo a Justiça Eleitoral, quando cientificada do trânsito em julgado da condenação, a atribuição para praticar o ato administrativo de cancelamento da inscrição eleitoral do sujeito que teve os direitos políticos suspensos.7
Se o agente do ato ímprobo for detentor de mandato eletivo, a suspensão implicará na perda do cargo, uma vez que o pleno exercício dos direitos políticos é condição de elegibilidade, conforme o art. 14, § 3°, II, da Constituição Federal.8
3.2 Perda da função pública
A perda da função pública é sanção cominada a todas as espécies de improbidade administrativa. A punição importa no desfazimento do vínculo jurídico que liga o servidor ao ente público que sofreu o ato ímprobo.9
É importante ter em consideração que a sanção é aplicável somente aos agentes públicos, segundo o conceito presente no art. 2° da Lei n° 8.429/1992, os quais mantém vínculo com um dos possíveis sujeitos passivos de improbidade, conforme o rol do art. 1° do citado diploma legal.
Vê-se, pois, que a interpretação de função pública, para fins de sanção por improbidade, deve ser ampla, abarcando todo exercício, ainda que transitório ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, de mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no art. 1° da Lei de Improbidade.
Com efeito, apenas os terceiros, sujeitos ativos previstos no art. 3° da Lei n° 8.429/1992, ficam imunes à sanção em análise, mesmo porque não ostentam qualquer vínculo jurídico direto com o Estado.
Assim como a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública só pode ser aplicada após o trânsito em julgado da sentença condenatória, segundo estabelece o art. 20 da Lei n° 8.429/1992.
A finalidade da sanção, que tem natureza político-administrativa, é afastar dos quadros públicos os agentes que apresentam condutas incompatíveis com os princípios norteadores da Administração Pública, o que demonstra sua inaptidão para desempenhar funções em nome do Estado.
Quando sobrevier a condenação definitiva, caso o agente esteja no exercício de função diferente da que exercia ao tempo da prática do ato, ainda assim estará sujeito à sanção. É que, com sua conduta, o agente demonstrou falta de apreço pelo bom andamento da atividade estatal, e isso se incompatibiliza com o exercício de qualquer função pública, e não apenas daquela ocupada por ocasião da conduta ímproba.10
3.2.1 A perda da função pública e os aposentados
Questão polêmica é a aplicabilidade da sanção de perda da função pública aos agentes que já estejam aposentados no momento em que advém a sentença condenatória.
Para Garcia, se o agente estiver na inatividade quando da prolação da sentença condenatória, deverá ser cancelado o vínculo de ordem previdenciária existente com o Poder Público, o qual representa simplesmente a continuidade do vínculo que havia por ocasião da prática do ato de improbidade, tendo ocorrido somente a modificação da situação jurídica de ativo para inativo.11
Em sentido contrário, Carvalho Filho entende que a perda da função pública não incide sobre os aposentados. Para o autor, tendo o agente passado para a inatividade, a aposentadoria opera a extinção do vínculo jurídico de caráter administrativo antes existente com a Administração Pública. O vínculo previdenciário, que daquele difere, só pode ser desfeito por outro tipo de sanção, que é a cassação de aposentadoria, que é diferente da perda da função pública e não se encontra prevista na Lei de Improbidade.12
Nesse sentido já se manifestou a 2ª Turma do STJ. Verbis:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. CASSAÇÃO DA APOSENTADORIA. MEDIDA QUE EXTRAPOLA O TÍTULO EXECUTIVO. DESCABIDO EFEITO RETROATIVO DA SANÇÃO DE PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA.
1. Cuidam os autos de execução de sentença que condenou o ora recorrente pela prática de improbidade administrativa, especificamente por ter participado, na qualidade de servidor público municipal, de licitações irregulares realizadas em 1994. Foram-lhe cominadas as seguintes sanções: perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, proibição temporária de contratar com o Poder Público e multa.
2. O Juízo da execução determinou a cassação da aposentadoria, ao fundamento de que se trata de conseqüência da perda da função pública municipal. O Tribunal de Justiça, por maioria, manteve a decisão.
3. O direito à aposentadoria submete-se aos requisitos próprios do regime jurídico contributivo, e sua extinção não é decorrência lógica da perda da função pública posteriormente decretada.
4. A cassação do referido benefício previdenciário não consta no título executivo nem constitui sanção prevista na Lei 8.429⁄1992. Ademais, é incontroverso nos autos o fato de que a aposentadoria ocorreu após a conduta ímproba, porém antes do ajuizamento da Ação Civil Pública.
5. A sentença que determina a perda da função pública é condenatória e com efeitos ex nunc, não podendo produzir efeitos retroativos ao decisum, tampouco ao ajuizamento da ação que acarretou a sanção. A propósito, nos termos do art. 20 da Lei 8.429⁄1992, "a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória".
6. Forçosa é a conclusão de que, in casu, a cassação da aposentadoria ultrapassa os limites do título executivo, sem prejuízo de seu eventual cabimento como penalidade administrativa disciplinar, com base no estatuto funcional ao qual estiver submetido o recorrente.
7. Recurso Especial provido.13
O segundo entendimento, perfilhado por Carvalho Filho e pela decisão citada do STJ, parece ser mais consentâneo com o sistema da improbidade administrativa. Não se deve olvidar que a Lei n° 8.429/1992 se encontra no campo do direito sancionador, o que implica em que a interpretação de seus dispositivos, sobretudo dos que cominam sanções, deve ser restritiva.
Outra postura por parte do intérprete e aplicador da norma redundaria em evidente afronta aos princípios da legalidade, tipicidade, segurança jurídica e devido processo legal.
Com efeito, a perda da função pública e a cassação da aposentadoria são sanções distintas. Em reforço a essa noção, cite-se a Lei n° 8.112/1990, Estatuto dos Servidores Civis da União, que prevê as duas sanções como modalidades diversas de punição disciplinar.14
Assim, a cassação da aposentadoria é uma sanção autônoma, que não decorre diretamente da perda da função pública. Como não se encontra tipificada no art. 12 da Lei n° 8.429/1992, não deve ser aplicada por uma interpretação ampliativa, inadmissível na hipótese.
Nada impede, contudo, que se altere a Lei n° 8.429/1992 para acrescentar a cassação de aposentadoria como uma das sanções do ato ímprobo. Em verdade, apenas se essa medida legislativa vier a ser adotada é que será possível a extinção do vínculo previdenciário.
3.3 Proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário
Essas sanções têm natureza administrativa, devendo constar expressamente na sentença condenatória prolatada na ação civil de improbidade.
Estendem-se para além do âmbito do ente público lesado, abrangendo todos os entes da Federação, seus Poderes e respectivas entidades da administração direta e indireta.15
Observe-se que a sanção é aplicada não só ao agente ímprobo, como também à pessoa jurídica de que seja sócio majoritário.
A proibição de contratar implica também na vedação de o agente participar de licitação, que é um antecedente imprescindível da futura contratação.
Sobre a proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, atente-se que a sanção se aplica apenas aos benefícios ou incentivos condicionados ou onerosos, os quais exigem o cumprimento de algumas condições especiais por parte dos beneficiários.
Diversamente, os benefícios ou incentivos genéricos ou incondicionados, que independem do cumprimento de qualquer requisito, não são atingidos pela sanção, uma vez que não constituem privilégio, mas sim medida de política fiscal efetivada em favor de toda a coletividade.16
São exemplos de benefícios ou incentivos fiscais e creditícios proibidos para o agente ímprobo: dispensa ou limitação de pagamento de obrigação tributária (isenção de caráter não geral); perdão de sanção tributária (anistia) ou de débito tributário (remissão); subvenções (sociais e econômicas); e subsídios (auxílios financeiros) de entidades públicas.17
3.4 Multa civil
A multa civil é sanção de caráter simplesmente punitivo, não ostentando feição indenizatória. Seu objetivo precípuo é desestimular a prática dos atos de improbidade administrativa, por intermédio de forte repercussão patrimonial sobre o agente infrator.
Está cominada para as três modalidades de ato ímprobo, com diferentes graduações para cada um deles. Deve constar expressamente na sentença condenatória.
Segundo Carvalho Filho, a multa civil apresenta dois aspectos diferenciados quanto à sua aplicação. Em primeiro momento, observa-se inflexibilidade quanto a seu limite, uma vez que a lei o estabelece em todos os casos. Dentro do limite, entretanto, a aplicação tem caráter de flexibilidade, cabendo ao julgador eleger o valor mais adequado. Em todo modo, deve ser considerada a proporcionalidade entre a sanção e a conduta, assim como a devida justificação para o valor fixado.18
Por fim, mencione-se que a sanção em comento, paga pelo agente condenado, deve ter seu valor revertido para a entidade pública vítima do ato de improbidade.19
3.5 Ressarcimento integral do dano
O ressarcimento integral do dano sofrido pela entidade lesada pelo ato de improbidade tem natureza de indenização, e não de sanção.
A reparação é obrigatória em caso de ato lesivo ao erário previsto no art. 10 da Lei n° 8.429/1992, e condicionada à efetiva comprovação da ocorrência de prejuízo patrimonial quanto se tratar de enriquecimento ilícito ou ofensa aos princípios da administração pública, conforme os arts. 9° e 11 da Lei em estudo.
Segundo Di Pietro:
Quanto ao ressarcimento do dano, constitui uma forma de recompor o patrimônio lesado. Seria cabível, ainda que não previsto na Constituição, já que decorre do artigo 159 do Código Civil de 1916, que consagrou, no direito positivo, o princípio geral de direito segundo o qual quem quer que cause dano a outrem é obrigado a repará-lo.
Por isso mesmo, só é cabível o ressarcimento se do ato de improbidade resultou prejuízo para o erário ou para o patrimônio público (entendido em sentido amplo). Onde não existe prejuízo, não se pode falar em ressarcimento, sob pena de enriquecimento ilícito por parte do Poder Público. Essa conclusão decorre de norma expressa da lei, contida no artigo 5°, segundo o qual “ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano”.20
Assim, o dano deve ser efetivo para que se imponha o dever de ressarcimento. O quantum deve ser revertido em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ato ilícito, segundo determinação do art. 18 da Lei n° 8.429/1992.
Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito.
Cabe ainda mencionar lição de Martins Júnior, no sentido de que o agente público, o beneficiário e o partícipe são solidariamente responsáveis pelo ressarcimento, inclusive os sucessores no limite das forças da herança.21
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI N. 8.429/92. ATO DE IMPROBIDADE. REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. DOSIMETRIA DA PENA. CABIMENTO.
1. Os atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito (art. 9º) normalmente sujeitam o agente a todas as sanções previstas no art. 12, I, pois referidos atos sempre são dolosos e ferem o interesse público, ocupando o mais alto 'degrau' da escala de reprovabilidade. Todos são prejudicados, até mesmo os agentes do ato ímprobo, porque, quer queiram ou não, estão inseridos na sociedade que não respeitam.
2. Na reparação de danos prevista no inciso I do art. 12 da Lei n. 8.429/92, deverá o julgador considerar o dano ao erário público, e não apenas o efetivo ganho ilícito auferido pelo agente do ato ímprobo, porque referida norma busca punir o agente não só pelo proveito econômico obtido ilicitamente, mas pela prática da conduta dolosa, perpetrada em ferimento ao dever de probidade.
3. Na hipótese em que sejam vários os agentes, cada um agindo em determinado campo de atuação, mas de cujos atos resultem o dano à Administração Pública, correta a condenação solidária de todos na restituição do patrimônio público e indenização pelos danos causados.
4. Recursos especiais conhecidos em parte e improvidos.22
Em conclusão, destaque-se que o art. 37, § 5°, da Constituição Federal23 determinou a imprescritibilidade do dever de ressarcimento em caso de lesão ao erário. Dessa forma, a ação civil de improbidade com vistas a impor ao agente o dever de recompor o patrimônio público lesado pode ser proposta a qualquer tempo.
3.5.1 O ressarcimento do dano moral
O ressarcimento do dano moral é admitido pela doutrina majoritária. Nesse sentido, citem-se Carvalho Filho24, Garcia25 e Osório26. Martins Júnior, por sua vez, entende que a multa civil e a perda de bens já refletem e englobam esse tipo de indenização.27
É certo, no entanto, que prevalece a tese da possibilidade de indenização por dano moral em sede de ação de improbidade. Isso porque a Lei n° 7.347/198, que regulamenta a ação civil pública, é aplicável às ações civis de improbidade, nas disposições que não forem conflitantes. E a Lei da Ação Civil Pública, em seu art.1°, prevê expressamente que o microssistema de defesa dos direitos difusos encampa a reparação dos danos morais.
O STJ tem precedente admitindo a indenização em discussão. Veja-se:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DANO AO ERÁRIO. MULTA CIVIL. DANO MORAL. POSSIBILIDADE. PRESCRIÇÃO.
1. Afastada a multa civil com fundamento no princípio da proporcionalidade, não cabe se alegar violação do artigo 12, II, da LIA por deficiência de fundamentação, sem que a tese tenha sido anteriormente suscitada. Ocorrência do óbice das Súmulas 7 e 211⁄STJ.
2. "A norma constante do art. 23 da Lei nº 8.429 regulamentou especificamente a primeira parte do § 5º do art. 37 da Constituição Federal. À segunda parte, que diz respeito às ações de ressarcimento ao erário, por carecer de regulamentação, aplica-se a prescrição vintenária preceituada no Código Civil (art. 177 do CC de 1916)" – REsp601.961⁄MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJU de 21.08.07.
3. Não há vedação legal ao entendimento de que cabem danos morais em ações que discutam improbidade administrativa seja pela frustração trazida pelo ato ímprobo na comunidade, seja pelo desprestígio efetivo causado à entidade pública que dificulte a ação estatal.
4. A aferição de tal dano deve ser feita no caso concreto com base em análise detida das provas dos autos que comprovem efetivo dano à coletividade, os quais ultrapassam a mera insatisfação com a atividade administrativa.
5. Superado o tema da prescrição, devem os autos retornar à origem para julgamento do mérito da apelação referente ao recorrido Selmi José Rodrigues e quanto à ocorrência e mensuração de eventual dano moral causado por ato de improbidade administrativa.
6. Recurso especial conhecido em parte e provido também em parte.28
Reforce-se o entendimento sumulado do STJ no sentido de que as pessoas jurídicas podem sofrer dano moral29. Nesses termos, não faria sentido afastar a possibilidade de as entidades públicas serem indenizadas por atos ímprobos que gerem esse tipo de abalo à sua própria imagem.
3.6 Perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio
A perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio não constitui verdadeira sanção decorrente do ato de improbidade, mas sim uma forma de fazer com que haja o retorno da situação do agente à situação anterior à prática do ato, mantendo incólume seu patrimônio legítimo.30
Dessa forma, a perda recai sobre os bens adquiridos indevidamente, que são aqueles incorporados ao patrimônio do agente em decorrência da improbidade.31 Segundo Martins Júnior, só se aplica a perda “em razão da ilicitude ou da imoralidade do enriquecimento. O perdimento alcança o objeto do enriquecimento ilícito, bem como seus frutos e produtos. Se os bens são fungíveis (como o dinheiro), incide, se consumidos, sobre o equivalente no patrimônio do infrator”.32
Repare-se, por fim, que o perdimento é cominado para os atos de improbidade que importem enriquecimento ilícito do agente (art. 9° da LIA), assim como para aqueles que causem prejuízo ao erário (art. 10 da LIA).