Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Instrumentos para a tutela de direitos em face do reconhecimento da ilegalidade da norma regulamentadora do artigo 29, II, da Lei 8.213/99

Exibindo página 3 de 4
Agenda 13/07/2017 às 17:50

2          DOS INSTRUMENTOS JURÍDICOS PARA A TUTELA DOS DIREITOS AFETADOS

O Estado contemporâneo apresenta-se como Estado Social, é intervencionista e repudia a filosofia política dos fins limitados, uma vez que pretende chegar ao valor homem por meio do culto à justiça, ciente de que para isto é indispensável dar ao conceito de justiça um conteúdo substancial e efetivo.[7]

Tomando como premissa um cenário em que existentes institutos estatais estruturados e guiados por valores como a garantia da legalidade e a busca por um conceito de justiça substancial e efetivo, esta segunda parte do trabalho tem o escopo de analisar os instrumentos jurídicos hábeis e disponíveis para a tutela dos direitos dos beneficiários e pensionistas do Regime Geral da Previdência Social afetados pela adoção de critério ilegal pela Administração Pública na aferição da RMI de seus benefícios e pensões, conforme se demonstrou ao longo dos itens anteriores.

2.1 Da Prerrogativa de Autotutela da Administração Pública

Ao discorrer acerca da posição singular da Administração Pública com relação à "pessoa privada ou pessoa jurídica privada" Cretella Júnior (1971) nos ensina que diversos traços gerais e especiais assinalam a tipologia da pessoa jurídica pública, dentre eles “a capacidade que, por mais variada que seja, ultrapassa de muito a paralela do direito privado, porque a pessoa jurídica pública dispõe de prerrogativas ou privilégios, decorrentes de seu poder de imperium, que lhe assegura posição singular no mundo jurídico."

Cretella Júnior (1971) aduz que a doutrina francesa tem dedicado excelentes páginas ao tema, empregando os vocábulos puissance e pouvoir, o primeiro devendo ser traduzido pelo nosso potestade, o segundo - pouvoir -, representando em nosso vocabulário comum e técnico-jurídico pelo termo poder.

Explica aquele autor que a expressão prerrogativas públicas ("puissance publique") designa a situação tôda (sic) especial que cerca a Administração, dotando-a de atributos necessários e suficientes para conferir-lhe uma série de prerrogativas - e também de restrições ou de sujeições -, exorbitantes do direito comum, inexistentes nas pessoas jurídicas de direito privado.

Desta forma, inserida dentre as prerrogativas/sujeições da Administração está a autotutela.

Maria Sylvia Zanella di Pietro (2000, p. 73) aponta que pela autotutela “o controle se exerce sobre os próprios atos, com possibilidade de anular os ilegais e revogar os inconvenientes e inoportunos, independentemente de recurso ao Poder Judiciário.”

O artigo 53, da lei n. 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal também dispõe sobre a autotutela, in verbis:

Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.

O poder de autotutela encontra-se consagrado em duas súmulas do Supremo Tribunal Federal que tratam, em especial, do poder-dever da Administração de rever seus atos quando eivados de vício de legalidade, são elas:

Súmula 346: A administração pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.

Súmula 473: A administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

A autotutela, portanto, é a prerrogativa pública que permite à Administração agir de modo direto, por si mesma, sem necessidade de recorrer à via judicial, a fim de efetuar a defesa do bem público, ameaçado ou violado, em sua integridade.

2.1.1 O Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFE/INSS de 2010

A Administração Pública utilizou-se de seu poder/dever de autotutela com o desígnio da pacificação social.

Para este intuito serviram: o PARECER PFE/INSS VIRTUAL N. 01/2007; a NOTA CGLN N. 363/2007, de 26/11/2007; e o PARECER CONJUR/MPS N. 248/2008; por meio dos quais resultou no advento do Decreto n. 6.939/2009 e na edição do Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFE/INSS, de 15/04/2010.

Por meio da iniciativa da Procuradoria Federal Especializada do INSS (Parecer PFE/INSS VIRTUAL n. 1/2007) a questão foi levada à apreciação da Secretaria de Políticas de Previdência - SPS do MPS, que anuiu à conclusão daquela Procuradoria no sentido de serem ilegais os dispositivos regulamentares do RPS estudados no item anterior, bem como, ratificou a necessidade de se proceder à revisão dos benefícios calculados.

Do até aqui exposto, infere-se que a Administração Pública, por meio de seu poder/dever de autotutela, buscou restaurar a legalidade do método de cálculo dos benefícios de aposentadoria por invalidez, auxílio-doença e das pensões derivadas deles.

Não se pode olvidar que tais medidas são resultantes da iniciativa da Procuradoria Especializada do INSS que se deu em face da crescente quantidade de demandas que vinham enfrentando.

Não obstante o êxito obtido na satisfação do interesse de parcela dos beneficiários e pensionistas afetados pela aplicação de critério de cálculo menos vantajoso, há de se ressaltar que o Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFE/INSS dispunha sobre a necessidade de manifestação por parte do interessado, ainda que indiretamente, para que o INSS, por meio de suas agências, pudesse proceder com a revisão da renda mensal inicial de benefícios e pensões.

Desta maneira, parcela considerável de beneficiários e pensionistas optaram por mover ações em face da autarquia previdenciária perante o Poder Judiciário.

2.1.1.1 Prescrição e decadência

Conforme leitura que se depreende do Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFE/INSS, em especial, com relação ao item 4 e seus subitens, estipulou-se que o prazo de prescrição quinquenal (art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8213/91) deve ser considerado a partir da Data do Pedido de Revisão - DPR (subitem 4.6), no caso de revisões requeridas a partir da publicação do referido memorando-circular conjunto; o mesmo termo é contado para a aferição do prazo decadencial decenal (subitem 4.1.).

Contudo, no caso de pendência de ação judicial proposta anteriormente à publicação daquele memorando, estipulou-se que a data de ajuizamento da demanda seria a considerada para fins de cômputo do prazo prescricional (subitem 4.7).

2.2. Do Controle Jurisdicional dos Atos da Administração Pública

No Brasil não se admite o contencioso-administrativo. O sistema brasileiro de acesso à jurisdição adota o sistema uno, exercendo o Poder Judiciário a função de controle sobre determinados atos da Administração.[8]

Considerando o sistema jurídico pátrio atual, tal afirmação parece irrelevante; não se pode olvidar, todavia, que nosso ordenamento jurídico advém de raízes da família romano-germânica.  

Analisando-se a evolução histórica dos ordenamentos de tradição romano-germânica denota-se que esta vertente caracterizava-se essencialmente pelo escopo privatista, em que o "direito civil" figurava como o centro por excelência da ciência jurídica.

Em outras palavras, na tradição romano-germânica as jurisdições instituídas ou reconhecidas pelo Estado só podiam desempenhar suas funções na esfera do direito privado. Se a Administração figurasse como parte do litígio, todo o sistema ver-se-ia falseado, tanto no plano da teoria quanto da prática.[9]

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Com efeito, o ordenamento jurídico pátrio enveredou-se por senda diversa.

O sistema uno foi introduzido pelo constituinte de 1946, conforme disposto no artigo 141, § 4º, e perdura até hoje no texto constitucional de 1988; v.g., os incisos dos artigos 102 e 109, da Carta Republicana de 1988.

Assim, o importante destaque ao princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no artigo 5º, XXXV, da CF, que estabelece que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

2.2.1 Da jurisdição e sua perspectiva funcional

Cândido Rangel Dinamarco nos ensina que a jurisdição é uma das expressões do poder estatal, e não o poder estatal propriamente dito, sendo este, uno. Confira a seguir:

(...) inserindo a jurisdição no quadro da política e do poder, decorre com muita naturalidade que ela não é e não pode ser, como costuma ser dito, um poder do Estado. O poder é uma inerência deste e chega-se a afirmar, até, que "o Estado é poder". Se poder é a capacidade de impor as próprias decisões, nem logicamente se pode conceber a convergência de uma suposta pluralidade de poderes sobre uma só entidade: dispondo ela de poder, ou seja, exercê-lo-á em variadas direções, conforme os objetivos específicos e, portanto, as funções assumidas. Por isso é que, em vez de definir-se como um poder do Estado, a jurisdição deve ser vista como uma das expressões do poder estatal, que é uno. (DINAMARCO, 2009, pp. 135-139) 

Como expressão estatal do poder a perspectiva funcional da jurisdição deve servir ao bem comum observando-se as mutações e contingências sociais no âmbito de alcance de seu exercício.

Assim, o mestre das Arcadas identifica alguns dos objetivos que o Estado deve buscar atingir por meio da atividade jurisdicional, citando: i) os propriamente jurídicos (atuação da vontade do direito substancial); ii) no campo social (pacificação com justiça; educação para a consciência dos próprios direitos e respeito aos alheios); e iii) no político (afirmação do poder estatal; participação democrática; preservação do valor liberdade; nos regimes socialistas, propaganda e educação para a vida e a ação socialistas). Conforme se extrai do fragmento transcrito abaixo: 

(...) Na busca do bem comum, o Estado sente a necessidade de remover obstáculos e implantar condições favoráveis à desejada realização integral do homem. Daí os serviços que presta à população e que tradicionalmente costumam ser agrupados nas três clássicas funções consideradas. Essa é, conforme prometido, uma visão marcadamente teleológica, que propõe identificar a jurisdição segundo os objetivos que através dela o Estado busca atingir. Existe realmente um feixe de objetivos a serem alcançados mediante a atividade que se convencionou chamar jurisdicional e que se situam no campo propriamente jurídico (atuação da vontade do direito substancial), no campo social (pacificação com justiça; educação para a consciência dos próprios direitos e respeito aos alheios) e no político (afirmação do poder estatal; participação democrática; preservação do valor liberdade; nos regimes socialistas, propaganda e educação para a vida e a ação socialistas). A jurisdição caracteriza-se, pois, como uma das funções do Estado, voltada aos objetivos assim definidos. (2009, pp. 135-139)

Como desdobramento desta primeira análise, tem-se a proposta de Dinamarco (2009) da consideração do poder (ou a jurisdição como expressão estatal do poder) por dois aspectos, como relação e como processo, residindo neste segundo o que ele denomina dinâmica do poder.

Deste modo, a distinção entre a noção de jurisdição e a de processo deve estar suficientemente clara. Não se confunde o poder (jurisdição) com o método predisposto ao seu exercício (o processo). Conclui-se que por meio do processo tem-se o exercício da jurisdição.

Desta forma, chega-se ao ponto em que se faz necessário perquirir, criticamente, o papel que o processo desempenha para a consecução dos objetivos do Estado Social, bem como, os reflexos que incidirão sobre o direito previdenciário.

2.2.2  A ação civil pública n. 0002320-59.2012.4.03.6183

Na busca da reestruturação do processo adequado aos escopos sociais e políticos da jurisdição, surge movimento legislativo para o redimensionamento dos institutos processuais, v.g., a elaboração de normas como a Lei de Pequenas Causas (lei n. 7.244/84, posteriormente revogada pela lei n. 9.099/95); a Lei da Ação Civil Pública (lei n. 7.347/85 - LACP); o Código de Defesa do Consumidor (lei n. 8.078/90 - CDC).

Por meio destes diplomas legais foram propostas releituras aos institutos processuais clássicos, cabendo destacar: a legitimação para a causa e a coisa julgada.

Com relação à legitimação para a causa, com a promulgação da LACP em 1985, foi dado o primeiro passo para a quebra do paradigma da já sedimentada disposição do artigo 6º, do Código de Processo Civil, de que: ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

Assim, a LACP, por meio de seu artigo 5º, legitimou expressamente às ações coletivas o Ministério Público, outros entes públicos, bem como, as associações que, pré-constituídas há pelos menos um, tivessem entre seus fins institucionais a defesa dos bens e direitos protegidos por aquela lei.

A Constituição de 1988 manteve as linhas traçadas inicialmente na lei de 1985, cujo esquema foi preservado pelo CDC de 1990.

Deste modo, conforme nos ensina Ada P. Grinover:

(...) estava garantido o acesso à justiça a amplos segmentos da população, pela via das ações coletivas, por intermédio dos portadores, em juízo, dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. E, assegurada, de um lado, a participação popular pelo processo e, de outro, a consecução dos fins jurídicos, sociais e políticos da jurisdição. (GRINOVER, 2006)

Com relação ao instituto da coisa julgada, Grinover (2006) afirma que já estava consolidada na doutrina processual a limitação subjetiva, às partes, a imutabilidade da sentença e de seus efeitos. Neste sentido, o dispositivo do artigo 472, do Código de Processo Civil, in verbis:

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiro.  

O regime da coisa julgada secundum evento litis é introduzido no ordenamento jurídico por meio da norma contida no enunciado do artigo 18, da Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717/65), in verbis:       

Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

A partir de 1965 o ordenamento começou a delinear a ampliação subjetiva da decisão final transitada em julgado, prevendo o efeito erga omnes ao julgado na ação popular constitucional.

Estes princípios foram adotados pela LACP/85 (artigo 16) e, posteriormente, no CDC/90 o legislador foi além, uma vez que, conforme A. Grinover:

 (...) não só agasalhou os princípios da Lei da Ação Popular e da LACP, para os processos coletivos em defesa de interesses difusos e coletivos; mas ainda, ao regular os processos em defesa de direitos ou interesses individuais homogêneos, coletivamente tratados, adotou igualmente a coisa julgada ‘erga omnes’, mas agora ‘secundum eventum litis’." (GRINOVER, 2006)

Do até aqui exposto, o que se pretendeu demonstrar foi a (re)evolução dos institutos processuais que permitiu, em 2012, a propositura da ação civil pública n. 0002320-59.2012.4.03.6183, proposta pelo Ministério Público Federal em litisconsórcio com o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical, que tinha dentre os pedidos a revisão dos benefícios, cujos detalhes da transação firmada foi exposta no item 2.3.1.

2.2.2.1 Prescrição e decadência

Ficou entabulado no acordo proposto pelo INSS e anuído pelas partes que o prazo prescricional quinquenal, nos termos do artigo 103, parágrafo único, e da decadência decenal, caput do artigo 103, ambos da LBPS, teriam como termo a data da citação da autarquia na ACP n. 0002320-59.2012.4.03.6183, ocorrida em 17/04/2012.

Exceção a esta regra era a situação dos beneficiários e pensionistas que haviam requerido a revisão na via administrativa anteriormente à citação do INSS na referida ACP, sendo que tanto o prazo de prescrição como o de decadência seriam computados considerando a data do requerimento administrativo.

2.2.3 Das Situações Estabelecidas na Esfera Jurídica Individual dos Beneficiários e Pensionistas Afetados

A primeira indagação que se tem é: considerando a edição do Decreto n. 6.939/09, que revogou o texto do § 20, do artigo 32, e alterou o artigo 188-A, § 4º, do Decreto 3.048/99; considerando, também, o Memorando-Circular Conjunto n. 21/DIRBEN/PFE/INSS; considerando, ainda, a existência de acordo homologado na ação civil pública, n. 0002320-59.2012.4.03.6183; persistiria o interesse dos beneficiários e pensionistas adstritos às condições até aqui elencadas em propor demandas judiciais individuais pleiteando a revisão da renda mensal inicial, nos termos do artigo 29, inciso II, da LBPS?

A questão ora trazida está relacionada aos efeitos da decisão com a qualidade da coisa julgada nas ações coletivas que, quanto a sua limitação subjetiva, diversamente do que acontece nas ações individuais, alcança toda uma coletividade (direitos difusos: coisa julgada erga omnes); ou os integrantes de um determinado grupo, classe ou categoria (direitos coletivos stricto sensu: coisa julgada ultra partes); ou, então, todas as pessoas unidas por uma origem comum (direito individual homogêneo: coisa julgada erga omnes).

Neste sentido o artigo 81 e parágrafo único, do CDC, dispõe que: 

Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

Ademais, o Código de Defesa do Consumidor, dispõe sobre o instituto da coisa julgada em seus artigos 103 e 104, transcritos a seguir: 

Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.

Considerando a natureza do pedido veiculado na ACP n. 0002320-59.2012.4.03.6183, vislumbra-se tratar-se da espécie de direitos e interesses individuais homogêneos (art. 81, parágrafo único, inciso III, do CDC), uma vez que, no aspecto subjetivo, há a determinabilidade de seus titulares e a existência de uma origem comum e, no aspecto objetivo, caracterizada a divisibilidade do objeto.

 Desta feita, aplica-se o regime da coisa julgada erga omnes, secundum eventum litis, conforme se extrai da leitura do artigo 103, inciso III, do CDC; ou seja, o beneficiário ou pensionista afetado, ou então, seu sucessor, poderá promover a execução fundada na sentença de procedência, não sendo necessário o ajuizamento de ação condenatória individual.

De modo diverso, caso improcedente o pedido na ação coletiva, poderá o segurado ou pensionista promover sua ação individualmente, desde que não tenha ingressado no processo coletivo como litisconsorte ou assistente litisconsorcial (art. 103, §2º, do CDC). Por fim, no caso do processo ser extinto, sem resolução do mérito, a sentença produzirá apenas coisa julgada formal.

No caso em apreço, com referência ao acordo homologado na sentença proferida pelo juízo da Vara Federal Previdenciária na referida ACP, parece emergir dois pontos que merecem ser analisados separadamente.

O primeiro diz respeito ao 'reconhecimento do pedido' de revisão da renda mensal inicial dos benefícios e pensões afetados pela norma regulamentar ilegal. Com relação a este, denota-se ser assente a posição de que o cálculo da RMI deva pautar-se pelo critério estipulado no artigo 29, inciso II, da LBPS.

O ponto seguinte atinge a questão do pagamento dos valores atrasados oriundos da revisão da renda mensal inicial. É de conhecimento geral que houve a adoção de pagamento escalonado dos valores atrasados devidos, partindo-se dos seguintes critérios: idade do beneficiário; situação do benefício: ativo, suspenso ou cessado; e faixa de valores devidos (cf. Resolução INSS/PRES nº 268, de 24 de janeiro de 2013, retificada posteriormente pela Resolução n. 357, de 31 de outubro de 2013).

Deste modo, seguindo o cronograma de pagamento firmado no acordo homologado pela Justiça Federal da 3ª Região (SP/MS), o adimplemento total acontecerá apenas em maio de 2.022, ficando 'contemplando' ao final o beneficiário ou pensionista que em 17/04/2012 - data da citação do INSS na ACP - enquadrava-se na faixa etária de até 45 anos, cujo benefício encontrava-se em situação cessada ou suspensa, e, ainda, cuja faixa do valor de atrasados atingisse quantia superior a R$6.000,00.

O critério escalonado de pagamento pode ser prejudicial aos beneficiários e pensionistas,[10] que se sintetiza aqui à questão das prestações previdenciárias tratarem de verba de natureza alimentícia.

A partir da assertiva de que, no plano constitucional, é assegurado o direito de ação e a inafastabilidade da tutela jurisdicional, cujo equivalente prático substancial pode ser traduzido na garantia do acesso ao ordenamento jurídico justo; asseverando, também, o propósito do Estado contemporâneo de se alcançar o "valor ‘homem por meio do culto à ‘justiça’ ciente de que para isso é indispensável dar ao conceito de ‘justiça’ um conteúdo substancial e efetivo" (DINAMARCO, 2009, pp. 34-35), conclui-se que, em determinadas situações concretas, a coisa julgada erga omnes (art. 103, inciso III) não deveria se impor.

Para tais casos, observe-se, a lide não satisfez os escopos sociais e políticos da jurisdição. O desígnio da norma para a tutela das lides coletivas não tem a finalidade de prejudicar os direitos isolados de cada indivíduo, tampouco impedir o direito da ação individual (artigo 103, §§ 1º e 2º, do CDC).

Sob este prisma, válida também a releitura do artigo 103, inciso III, do CDC, que dispõe que a sentença fará coisa julgada “erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.” [grifei]

Por estes motivos, analisando-se as peculiaridades de cada caso, sustenta-se a possibilidade da propositura de demanda individual com idêntico objeto da ação civil pública n. 0002320-59.2012.4.03.6183.

Por fim, considerando persistir interesse na propositura da ação individual, surge discussão acerca da fixação do dies a quo para o cômputo do prazo prescricional, previsto no artigo 103, parágrafo único, da LBPS.

Dentre os posicionamentos encontrados na jurisprudência, salientam-se os a seguir:

i) há um primeiro posicionamento que fixa o dies a quo da prescrição na data da propositura da ação individual por entender que o Memorando-Circular Conjunto nº. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010, ou qualquer outro ato da Administração, não configuraram reconhecimento do direito à revisão do ato de concessão do benefício, pela aplicação da regra do art. 29, inciso II, da Lei 8.213/91, de modo a incidir a Súmula n. 85 do STJ, in verbis: 

Súmula 85 - Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação. (Súmula 85, CORTE ESPECIAL, julgado em 18/06/1993, DJ 02/07/1993) 

ii) outro posicionamento considera que o Memorando-Circular Conjunto nº. 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15.04.2010, constitui marco interruptivo do prazo prescricional para a revisão dos benefícios com base no artigo 29, II, da Lei 8.213/91, todavia, a prescrição contra a Fazenda Pública somente pode ser interrompida uma única vez e o prazo interrompido voltaria a fluir pela metade, nos termos do art. 9º do Decreto 20.910/32, conforme fixado pelo STJ no REsp n. 1.270.439/MG (Min. Rel. Og Fernandes, 2T.).

iii) finalmente, o posicionamento que tem predominado na Turma Nacional de Uniformização - TNU no sentido de que o Memorando-Circular Conjunto nº. 21/DIRBEN/PFEINSS configura ato administrativo de reconhecimento do direito à revisão do ato de concessão do benefício, pela aplicação da regra do art. 29, II, da Lei 8.213/91, e, desse modo, causa interruptiva do prazo prescricional eventualmente em curso, importando na renúncia do prazo já consumado (PEDILEF 50000472320134047100; PEDILEF 5001752-48.2012.4.04.7211 e PEDILEF 00129588520084036315).

Sobre o autor
Gustavo Kasaoka

Mestrando do núcleo de pesquisa em Direito Processual Civil, da PUC de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela COGEAE-PUC/SP. Membro colaborador do Centro de Estudos Avançados de Processo – CEAPRO. Oficial de Gabinete na Turma Recursal/Sp

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KASAOKA, Gustavo. Instrumentos para a tutela de direitos em face do reconhecimento da ilegalidade da norma regulamentadora do artigo 29, II, da Lei 8.213/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5125, 13 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59070. Acesso em: 23 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!