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A inconstitucionalidade do bônus de eficiência aplicada aos auditores e julgadores fiscais

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Agenda 02/02/2018 às 12:00

III – DA OFENSA AO PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE EIVANDO DE VÍCIOS O JULGAMENTO ADMINISTRATIVO

O bônus de eficiência não é uma previsão restrita da esfera administrativa fiscal estadual, tendo também previsões na esfera federal pela Medida Provisória nº 765/2016, que assim dispõe:

Art. 5º. Ficam instituídos o Programa de Produtividade da Receita Federal do Brasil e o Bônus de Eficiência e Produtividade na Atividade Tributária e Aduaneira, com o objetivo de incrementar a produtividade nas áreas de atuação dos ocupantes dos cargos de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e de Analista-Tributário da Receita Federal do Brasil

A revista Consultor Jurídico – CONJUR elaborou reportagem em 12/03/2017 sobre o tema que merece ser compartilhada para enriquecimento da pesquisa e posterior feitura de comentários:

O servidor público que tiver interesse, direto ou indireto, na matéria tratada no processo administrativo fica impedido de atuar nele. Com base nessa regra, determinada pela Lei 9.784/1999, um auditor fiscal que atua na alfândega do Aeroporto de Viracopos (Campinas-SP) disse não ter imparcialidade para elaborar parecer analisando auto de infração de perdimento de mercadorias devido ao seu interesse em receber “bônus de eficiência”.

O benefício foi criado em dezembro de 2016 pela Medida Provisória 765. Foi a saída encontrada pelo governo para aumentar a remuneração de auditores fiscais sem conceder-lhes aumento salarial, que precisa de aprovação de lei. De acordo com a MP, o dinheiro para pagar o bônus virá de um fundo composto das multas que forem aplicadas a contribuintes em autuações fiscais.  

Mas o benefício é polêmico. Para advogados e especialistas em tributação, o bônus cria um incentivo para que os auditores apliquem mais multas e as qualifiquem durante as autuações. E acreditam ser pior o fato de o incentivo ser pago também aos auditores que atuam como membros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf) e nas delegacias de julgamento da Receita (DRJs). Entendem que o mecanismo estimula julgadores a concordar com o Fisco, violando seu dever de imparcialidade e criando situações de impedimento.

A Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB avaliou que o “bônus de eficiência” pago a auditores fiscais é inconstitucional. De acordo com parecer do tributarista Igor Mauler Santiago, a verba viola o princípio constitucional da moralidade, além de afrontar a vedação constitucional da destinação de tributos a fins privados. O documento foi enviado ao conselho, que discutirá o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade contra o benefício.

Por essa interferência nos votos dos conselheiros, a Justiça Federal vem tirando processos do Carf de pauta. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal. A corte reconheceu a repercussão geral num recurso que discute se a administração fazendária pode pagar bônus a auditores fiscais conforme as multas aplicadas. Portanto, o tribunal vai julgar o recurso, que questiona uma versão estadual do “bônus de eficiência” pago a auditores da Receita Federal conforme as multas que apliquem a contribuintes autuados.

Como muito bem salientado, o “mecanismo estimula julgadores a concordar com o Fisco, violando seu dever de imparcialidade e criando situações de impedimento.”

O princípio da Imparcialidade é um pressuposto de validade do processo, estando o juiz acima e equidistante das partes, podendo assim o magistrado exercer sua função jurisdicional. A garantia da imparcialidade possui, inclusive, respaldo na Declaração Universal dos Direitos do Homem:

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça. Imparcial é o magistrado que não tenha interesse no objeto do processo, nem queira favorecer uma das partes, incumbindo-lhe o dever de conduzir o processo de tal modo que seja efetivo instrumento de justiça, que vença quem realmente tenha razão.

A própria Constituição Federal em seu art. 95 já estipulou os requisitos mínimos assecuratórios para se atingir a necessária imparcialidade pelos magistrados: i) vitaliciedade; ii) inamovibilidade e iii) irredutibilidade de subsídios.

O art. 139 do novo Código de Processo Civil assim estipula:

Art. 139.  O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:

I - assegurar às partes igualdade de tratamento;

(...)

Como se sabe, o Novo CPC 2015 é plenamente aplicável aos processos administrativos, como bem estipula o seu art. 15:

Art. 15.  Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

Ou seja, a garantia da imparcialidade é mais que um direito, é dever do Estado para integridade e validade do julgamento, assim como uma garantia assegurada por cláusula pétrea por ser um direito individual (art. 60, §4º, IV, da CF).

A própria Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, preocupada em evitar conflitos de interesses e ofender o princípio da imparcialidade, impediu o exercício da advocacia para os membros do CARF indicados pelos contribuintes, devendo o Fisco fazer o mesmo em prol da segurança jurídica e máxima efetivação dos preceitos fundamentais.

Assim, não há como se efetivar o princípio da imparcialidade quando os julgadores possuem nítido interesse no resultado do julgamento, recebendo “bônus de eficiência” pelas multas tributárias mantidas em desfavor dos contribuintes.


IV – DA REPERCUSSÃO GERAL JÁ CONHECIDA PELO STF E OS RESPECTIVOS FUNDAMENTOS

O Pretório Excelso já conheceu a Repercussão Geral do RE 835.291 e irá julgar a questão da constitucionalidade da receita arrecada com multas tributárias para o pagamento de adicional de produtividade (bônus de eficiência) a servidores públicos da carreira fiscal que trata de uma lei de Rondônia sobre o assunto.

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O respectivo Recurso Extraordinário foi interposto pelo Ministério Público de Rondônia contra decisão do TJRO que julgou improcedente a ADIn contra dispositivos da Lei estadual 1.052/2002 e do Decreto 9.953/2002 que trata sobre o adicional de produtividade fiscal.

O TJRO considerou que a utilização da multa para fins de pagamento de adicional de produtividade fiscal não fere o princípio constitucional de vedação de vinculação de receitas, uma vez que tal dispositivo se restringe aos impostos. Apontou que, tendo em vista não possuir a mesma natureza jurídica dos impostos, a multa não pode a ele ser equiparada, dentre os fundamentos, destacasse:

Segundo, pelo descabimento da afetação da receita de impostos – as multas são acessórios que seguem a mesma sorte do principal – a gastos específicos (CF, art. 167, IV). Terceiro, pela vedação constitucional da vinculação de receitas à remuneração dos servidores (CF, artigo 37, XIII), que levou o STF a invalidar gratificação estadual de produtividade atrelada à arrecadação de tributos e multas (Pleno, ADI 650-MC/MT, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ 22.05.92). Quarto, e principalmente, por ofensa à moralidade e à impessoalidade da Administração (CF, art. 37), corolários diretos do princípio republicano.

Como se pode perceber no presente caso em Pernambuco, o art. 167, IV, da CF, expressamente prevê a proibição da vinculação da receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, salvo nas hipóteses de repartição constitucional de receitas, tendo em vista que a multa é um acessório, e todo acessório segue a sorte do principal, também estaria acobertada pela vedação legal de vinculação de receitas de impostos.

O percentual de 40% para fins de IELC viola flagrantemente os princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal.

No RE 835.291, já existe parecer da Procuradoria Geral da República pelo provimento do recurso (PARECER Nº 19711 – OBF-PGR – Ministério Público Federal), considerando manifestamente inconstitucional o pagamento do bônus de eficiência com participação no ingresso de receita proveniente de multas relativas a impostos.


V – CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho procurou fazer uma análise da legalidade e constitucionalidade do art. 10º da Lei Complementar nº 362/2017, que fez alterações e incluiu o art. 50-B à Lei Complementar nº 107/2008 instituindo o bônus de eficiência para os Auditores e Julgadores do âmbito administrativo fiscal do SEFAZ/PE.

Através do estudo detalhado das respectivas Leis, concluiu-se que os Auditores e Julgadores Fiscais recebem um adicional pela manutenção das multas tributárias lavradas contra os contribuintes, tendo reflexos, inclusive, na base de cálculo da gratificação natalina (13º salário) e abono salarial.

Procurou-se confrontar o bônus de eficiência com o princípio da impessoalidade, princípio essencial que rege toda a Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, inferindo-se que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que deve nortear os comportamentos dos agentes públicos, vedando qualquer decisão administrativa fundada em represálias, favorecimentos, vínculos de amizade, dentre outros sentimentos pessoais desvinculados dos fins coletivos.

Não possuindo a Fazenda Pública condição especial que a torne superior à parte oposta em juízo, pelo contrário, estando em equiparidade de condições, não haveria o que se falar de tratamento benéfico com a manutenção dos autos de infrações lavrados em desfavor dos contribuintes, sendo o IELC benefício concedido em prol dos julgadores quando a decisão beneficiar o Fisco, o que macula todo o julgamento de vício insanável, devendo-se anular pela ilegalidade e inconstitucionalidade das previsões que ofendem a própria garantia de imparcialidade do julgador.

Como já se afirmou, o interesse público não se faz presente com o mero ganho de causa do Estado, mas sim quando se efetiva os princípios fundamentais para um julgamento respaldado nos princípios norteadores da Administração Pública (legalidade, moralidade, pessoalidade, impessoalidade, eficiência, dentre outros), garantindo-se assim o controle de legalidade dos lançamentos de forma íntegra, moral, ética e legal.

Ou seja, a garantia da imparcialidade é mais que um direito, é dever do Estado para integridade e validade do julgamento, assim como uma garantia assegurada por cláusula pétrea por ser um direito individual (art. 60, §4º, IV, da CF).

Assim, não há como se efetivar o princípio da imparcialidade quando os julgadores possuem nítido interesse no resultado do julgamento, recebendo “bônus de eficiência” pelas multas tributárias mantidas em desfavor dos contribuintes.

Conclui-se, portanto pela ilegalidade do art. 10 da Lei Complementar 362/2017 que institui o art. 50-B na Lei Complementar nº 107/2008 cujo objeto é flagrantemente inconstitucional.


VI - REFERÊNCIAs BIBLIOGRÁFICAs

1.      Disponível em: <http://legis.alepe.pe.gov.br/arquivoTexto.aspx?tiponorma=2&numero=107&complemento=0&ano=2008&tipo=&url=> Acessado em 16/07/2017.

2.      Disponível em: <http://legis.alepe.pe.gov.br/arquivoTexto.aspx?tiponorma=12&numero=1989&complemento=0&ano=1989&tipo=&url=> Acessado em 16/07/2017.

3.  Disponível em: <https://deyvsonhumberto.jusbrasil.com.br/artigos/324050024/o-principio-da-impessoalidade-sobre-a-administracao-publica> Acessado em 16/07/2017

4.      Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1718/Principio-da-impessoalidade-Direito-Administrativo> Acessado em 16/07/2017

5.      Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/43717/a-importancia-do-principio-da-impessoalidade-na-administracao-publica> Acessado em 16/07/2017

6.      Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_da_Impessoalidade> Acessado em 16/07/2017

7.      Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-mar-14/sindicato-fiscais-bonus-eficiencia-nao-afeta-isencao> Acessado em 16/07/2017

8.      Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-mar-12/devido-bonus-auditor-declara-impedido-elaborar-parecer> Acessado em 16/07/2017

9.      Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jan-27/bonus-eficiencia-auditores-inconstitucional-oab> Acessado em 16/07/2017

10.  Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-mar-03/stf-julgara-recurso-pagamento-bonus-auditores-fiscais> Acessado em 16/07/2017

11.  Disponível em: <http://blogs.correiobraziliense.com.br/servidor/parecer-da-oabnacional-sobre-o-bonus-de-eficiencia-para-servidores-da-receita-federal/> Acessado em 16/07/2017

12.  Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=337547> Acessado em 16/07/2017

13.  Disponível em: <https://simonefigueiredoab.jusbrasil.com.br/artigos/112230058/poderes-do-juiz-e-principio-da-imparcialidade> Acessado em 16/07/2017

14.  Disponível em: <https://meportella.jusbrasil.com.br/artigos/174191723/imparcialidade-do-juiz> Acessado em 16/07/2017

15.  Disponível em: <http://www.processoscoletivos.com.br/index.php/ponto-e-contraponto/865-direito-processual-civil-m-principio-da-imparcialidade-do-juiz> Acessado em 16/07/2017

Sobre o autor
Filipe Reis Caldas

Advogado Tributarista. Bacharel em Direito pela Faculdade Marista. Pós-graduado em Direito Público pela Faculdade de Ciências Humanas e Exatas do Sertão do São Francisco - FACESF. Pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. Membro da Comissão de Assuntos Tributários da OAB/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALDAS, Filipe Reis. A inconstitucionalidade do bônus de eficiência aplicada aos auditores e julgadores fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5329, 2 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59254. Acesso em: 22 nov. 2024.

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