6. Considerações finais: o pensamento de Theodor Viehweg como precursor das teorias da argumentação jurídica
Ao afirmar que o debate é a única instância possível de controle e discussão de problemas no domínio do aporético, Viehweg lançou um novo facho de luz sobre a ciência do Direito, descerrando vereda que constitui o principal objeto de estudo das contemporâneas teorias da argumentação jurídica. A definição da resposta a ser adotada para uma questão, situada no confronto entre pontos de vista granjeados pela tópica, será conferida pela aceitação racional dos interlocutores, mediada pelas regras da argumentação.
Entretanto, não fica claro na obra do pensador alemão quais seriam os parâmetros que orientariam a aferição da racionalidade de um discurso, dando azo à sua aceitabilidade racional pelos participantes do debate. A configuração da “discutibilidade do modo mais claro e simples possível” (VIEHWEG, 1979, p. 44) não mereceu maiores considerações no que toca a seu jaez operacional, remanescendo como fecundo e convidativo campo aos estudiosos que, a partir do mapa desenhado por Viehweg, por ele se embrenharam.
Entre os citados estudiosos, destaca-se Robert Alexy que, em sua obra “Teoria da Argumentação Jurídica”, centra suas reflexões sobre a teoria do direito como uma teoria do discurso racional, estabelecendo importantes premissas para a tomada de decisão face aos problemas jurídicos. A ars inveniendi recebe tratamento do pensador em suas reflexões sobre a justificação externa, ao passo que na justificação interna sujeitam-se à cogitação as regras de logicidade e concatenação formal do discurso.
A “tese do caso especial” talvez tenha sido uma das principais contribuições de Alexy às reflexões iniciadas por Viehweg. Buscando aclarar a nebulosa relação entre o direito positivo e o pensamento tópico-problemático, Alexy enuncia a tese segundo a qual o Direito é um caso especial do discurso prático geral.
Decerto, conforme afirmara Viehweg, o jurídico se insere na esfera do aporético, cuja investigação se volta sobre o modo de agir frente a um problema humano, que é contingente e, por isso, insuscetível de plena axiomatização dedutiva.
Sem embargo, o discurso jurídico se peculiariza em face do discurso prático, porque, a despeito de reunir todos os seus predicados essenciais, contém em si a especialidade da vinculação ao direito positivo, aos precedentes e à doutrina.
Assim, aquele que quiser levantar uma pretensão de correção nessa seara terá de se desincumbir adequadamente dos ônus argumentativos impostos pela tríplice vinculação, a par dos deveres discursivos expostos pelo Professor de Kiel.
Com base nessas breves considerações, é possível vislumbrar a magnitude da contribuição prestada por Alexy ao espaço lacunoso propositadamente legado por Viehweg. Inversamente, sobreleva, com superior limpidez, o impacto do pensamento tópico-problemático restaurado por este pensador, com quem a ciência do Direito e seus operadores possuem imensurável dívida de gratidão, a ser adimplida cotidianamente com a reflexão (e não o reflexo) de seus ensinamentos.
REFERÊNCIAS
ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica: A teoria do discurso racional como teoria da justificação jurídica. 2. ed. São Paulo: Landy, 2005.
ATIENZA, Manuel. As Razões do Direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. de Maria Cristina Guimarães Cupertino. 3ª ed. São Paulo: Landy, 2006
BUSTAMANTE, Thomas da Rosa de. Tópica e argumentação jurídica. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 41, n. 163, p. 153-165, jul./set. de 2004.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio, Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2008.
LIMA, Iara Menezes. Escola da Exegese. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, n. 97, p. 105-122, jan./ jun. 2008.
ROESLER, Cláudia Rosane. Theodor Viehweg e a Ciência do Direito: Tópica, Discurso, Racionalidade. Florianópolis: Momento Atual, 2004.
VIEHWEG, Theodor. Tópica e Jurisprudência. Trad. Tércio Sampaio Ferraz Jr. Brasília: UnB, 1979.