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A constitucionalidade procedimental do inquérito policial e seu controle pelo ministério público

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Agenda 09/12/2004 às 00:00

O Ministério Público é o órgão incumbido da persecução penal, por isso, deve participar ativamente de todas as fases da persecução, inclusive da fase preliminar, considerada a mais importante - pois, sem ela, na maioria dos casos, não há que se falar em ação penal.

SUMÁRIO: ABREVIATURAS; RESUMO; INTRODUÇÃO; CAPÍTULO I, 1. O Inquérito Policial e seu Lugar no Direito Processual Brasileiro, 1.2. O Inquérito Policial tal qual ele se Apresenta no Ordenamento Jurídico Brasileiro – Conceito e Características., 1.3. Princípios que Regem o Inquérito Policial, 1.4. A Crise do Inquérito Policial; CAPÍTULO II, 2. O Inquérito Policial em Perspectiva Comparada, 2.1. Espanha, 2.2. França, 2.3. Itália, 2.4. Alemanha, 2.5. Portugal; CAPÍTULO III, 3. Redefinição da Atuação do Ministério Público e as Centrais de Inquérito, 3.1 O Ministério Público na Legislação Constitucional Brasileira e As Centrais de Inquérito do Rio de Janeiro, 3.2 Atuação do Ministério Público após a Constituição de 1988 e a Legislação Infraconstitucional; CONCLUSÃO; OBRAS CONSULTADAS; APENDICE.


ABREVIATURAS

Art......................................................Artigo

CF......................................................Constituição Federal do Brasil de 1988

CP......................................................Código Penal Brasileiro

CPI......................................................Comissão Parlamentar de Inquérito

CPP....................................................Código de Processo Penal Brasileiro

DP......................................................Delegacia de Polícia

MP......................................................Ministério Público

PIP.......................................................Promotoria de Investigação Penal

STF....................................................Supremo Tribunal Federal

VPI.....................................................Verificação Preliminar de Inquérito


RESUMO

O presente estudo pretendeu localizar o inquérito policial no ordenamento jurídico brasileiro analisando sua aplicabilidade, sua eficácia e sua eficiência. O estudo foi realizado através de pesquisa bibliográfica, textos jornalísticos, e entrevistas pessoais. O trabalho apresentado teve como base a solução de algumas questões tais quais: O conceito de inquérito, seu funcionamento,finalidade, trajetória histórica. A idéia de modelo garantista adotado pela CF 88, seu funcionamento e finalidade. Identificação dos preceitos constitucionais que estão sendo violados pelo inquérito. Abordagem sobre as interferências do juiz no inquérito. O conceito de Ministério Público, sua finalidade, sua função e trajetória histórica. Apresentação de estatísticas que mostrem a ineficácia do inquérito. Análise dos aspectos da hipossuficiencia social frente a dicotomia do inquérito. Possíveis soluções para a crise do inquérito, especialmente sobre o ângulo de modificação do procedimento funcional do inquérito e do controle externo da polícia pelo Ministério Público. Apresentação de como se deu a criação das Centrais de Inquérito no RJ, seu funcionamento, problemas e proposta de melhoria, bem como sua ampliação a outros Estados Nacionais. Através do estudo dessas questões constatou-se que inquérito encontra-se decadente, tendo em vista a ineficiência do instituto frente a atual realidade social. A polícia enquanto única controladora é uma das principais responsáveis pela crise de tal sistema. Ao final, o estudo conclui que a solução para a superação da crise depende de uma reestruturação do inquérito, tendo em vista o controle externo do inquérito policial realizado pelo Ministério Público.


INTRODUÇÃO

O inquérito policial está previsto no Código de Processo Penal e pode ser definido como um procedimento administrativo destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e de sua autoria. Trata-se de um procedimento administrativo porque é realizado pela polícia.

Seu destinatário final é o Ministério Público e assim o é, porque este é o órgão incumbido de propor a ação penal. (Considera-se o indivíduo como destinatário final do inquérito quando o caso é ação penal privada).

Sabe-se que o CPP é de 1937 e foi influenciado pelo fascista Código de Rocco. Assim, apesar de estarmos em pleno século XXI, ainda é utilizado um instrumento criado para atender as necessidades da década de 30 do século passado. Daí que, ante qualquer análise do instituto ora em questão, pode-se dizer que as datas de sua criação, e a sua vigência na atualidade sem ter sofrido qualquer alteração, são por sí só expressivas em mostrar que o sistema encontra-se, no mínimo, defasado, desatualizado. Partindo-se, do pressuposto de que o Direito está sempre em evolução, acompanhando o desenvolvimento social.

Atualmente, no Brasil, tem-se um sistema processual penal acusatório, instituído pela Constituição Federal da República de 1988. Deste modo, torna-se inconcebível que ainda esteja vigente um sistema precipuamente inquisitorial, realizado para atender as necessidades da época de sua criação. O que se quer dizer é que embora a CF de 88 tenha trazido inovações à área do direito penal, dentre outras áreas; tais inovações não foram aplicadas ao inquérito policial.

A aplicação faz-se mais do que necessária não só pela necessidade de enquadramento das normas ao modelo atual instituído, mas principalmente pela falência na qual se encontra o instituto. Tal idéia – Falência - surge pela sua total ineficácia frente às necessidades a que este deve atender.

O inquérito policial é o principal instrumento de trabalho do MP na propositura da ação penal; não é o único e nem sempre é indispensável, mas na maioria dos casos, assim ele acaba por se tornar. Como principal instrumento do MP para que este atinja sua finalidade, e sem, contudo, estar tendo a eficácia que deveria, conclui-se que a sociedade encontra-se hipossuficiente. Tal qualidade social não decorre somente da ineficácia funcional do inquérito, como também da sua forma procedimental em sí, enquanto um procedimento inquisitivo. Assim é que, a sua procedimentabilidade gera insegurança à sociedade, já que o indivíduo encontra-se totalmente vulnerável dentro do sistema enquanto suspeito.

No inquérito o que se tenta provar é a culpa do sujeito suspeito, enquanto que no processo judicial o que prevalece é a inocência do suposto agente. A forma inquisitiva como o inquérito é realizado não garante ao indivíduo qualquer segurança quanto à sua possibilidade de defesa e conseqüente inocência, tendo em vista que o inquérito não admite o contraditório e tem suas peças como sigilosas.

A insegurança social surge também pela ineficácia funcional objetiva, já que pelas práticas procedimentais encontra-se incapaz de cumprir a sua função social.

Diz o artigo 129, I, CF, que o MP é o único órgão competente para promover a ação penal pública. Como pode ele, sendo o único responsável, não participar ativamente da colheita de provas a qual servirá de base à sua atuação?! O MP acaba por utilizar-se de um procedimento em que, não tendo participação nem gerência, servirá de base para sua denúncia, não tendo qualquer efetividade no processo judicial.

Deve-se questionar: Como uma peça que serve de base para a denúncia não pode ter eficácia no processo judicial?! A resposta é simples. Não pode servir de base, porque não respeita os requisitos mínimos do atual modelo garantista. Por isso, há a necessidade de constitucionalizar tal instituto, para que efetivamente possa cumprir sua proposta dentro da atualidade extinguindo com a dicotomia existente.

A questão vai muito mais além. O MP é o órgão incumbido da persecução penal, por isso, deve com a sua experiência processual unida ao seu interesse final, participar ativamente de todas as fases da persecução, inclusive da fase preliminar, considerada a mais importante, pois sem ela, na maioria dos casos não há que se falar em ação penal. Assim é que uma persecução preliminar não realizada dentro da regra constitucional acaba por comprometer todo o curso do processo judicial.

O inquérito policial não pode ser usado no processo judicial como base para a condenação, salvo nas hipóteses de tribunal do júri. Há um projeto estadual que prevê seu banimento até do júri. A medida não pode ser efetivada, pois as poucas condenações que ainda se tem conseguido é graças a utilização de tal procedimento.

A proposta da monografia é justamente a de mostrar que o inquérito policial hoje é um sistema ineficaz do ponto de vista funcional e procedimental, mas muito necessário; de modo que sua extinção no procedimento tribunal do júri em nada resolverá. O inquérito policial deve existir e deve passar por uma reformulação conceitual, funcional, de forma a interagir com o atual sistema penal do país, de modo à efetivamente cumprir a sua função social, tendo efetividade, funcionalidade e aplicação dentro do processo judicial.

O que se quer não é uma supressão da participação policial, mas ao contrário, uma participação conjunta entre a polícia e o MP. Aplicando-se a regra do artigo 129, VII CF. O artigo traz como precedente o controle externo da polícia realizado pelo MP. Tal controle não quer dizer que não mais haverá a independência funcional policial, e sim que o MP com as suas experiências processuais tendo em vista seu objetivo final, deve estar lado a lado com a experiência e prática policial.

O controle externo significaria a constitucionalidade do inquérito, na medida em que o MP e a policia criariam estratégias juntos, unindo o conhecimento de campo ao conhecimento legal. O MP dirá à polícia como ele precisa que determinada prova seja colhida, para garantir a legalidade processual do inquérito e a polícia executará o seu trabalho independentemente da interferência do MP. Só o fato de já estar presente em uma delegacia o MP e a defensoria já ajudaria em muito na efetividade do inquérito.

O controle do MP precisa existir não só pelo caráter constitucional da norma, mas pelo enquadramento do inquérito ao modelo atual garantista. Há que se ter em mente também que a participação do MP no inquérito, o tornaria mais eficaz e garantiria à sociedade a funcionalidade social do inquérito em todos os seus sentidos.

Deste modo, urge a sociedade pela modificação do inquérito policial enquadrando-o nas normas constitucionais e conseqüentemente no modelo atual garantista, onde o MP deverá ter participação, visando dar eficácia ao referido instituto.

Assim, o que a monografia pretende discutir é a constitucionalidade e eficácia do inquérito enquanto procedimento e o controle do inquérito pelo MP, como forma de solução da constitucionalidade e eficácia por seus vários aspectos.


1. O INQUÉRITO POLICIAL E SEU LUGAR NO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO

O direito penal é eminentemente público, pois tutela os bens mais importantes de uma sociedade. Por isso, quando ocorre um ilícito penal quem sofre lesão é o próprio Estado, já que é ele o representante da sociedade. Assim sendo, cabe também ao Estado tomar a iniciativa para garantir a aplicação da lei. O jus puniendi, o direito de punir pertence ao Estado enquanto representante da sociedade.

A norma penal ao ser violada não tem aplicação imediata, pois está submetida aos Princípios Constitucionais e aos Princípios Processuais do Direito Penal, de modo que o Estado somente poderá aplicar a sanção penal desde que tenha havido o devido processo legal. E para que este ocorra é necessário que exista a ação, pois ela é o instrumento que o configura.

Como bem define Tourinho., [1]

Se o direito de punir pertence ao Estado, se a pena somente poderá ser imposta pelo órgão jurisdicional por meio de regular processo, se este se instaura com a propositura da ação, é óbvio que o Estado necessita de órgãos para desenvolverem a necessária atividade, visando a obter a aplicação da sanctio juris ao culpado. Essa atividade é denominada persecutio criminis.

A persecução penal corresponde à investigação e à ação penal. É justamente a primeira fase da persecução penal – a investigação - que será objeto de análise.

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No processo penal, a ação tem como condição a justa causa, além das condições previstas também para o ordenamento civil, tais quais a legitimidade ad causam, a possibilidade jurídica do pedido e o interesse de agir. A justa causa é a prova mínima de que o crime tenha ocorrido e a prova mínima da autoria do crime. Assim é que a exigência de justa causa explica porque há necessidade de investigação para a propositura da ação.

1.2. O INQUÉRITO POLICIAL TAL QUAL ELE SE APRESENTA NO ORDENAMENTO PROCESSUAL BRASILEIRO – CONCEITO E CARACTERÍSTICAS.

O inquérito policial pode ser definido como o conjunto de diligências investigatórias realizadas com a finalidade de apurar um fato criminoso e sua autoria, possibilitando, ao Ministério Público, nos crimes de ação penal pública, a propositura da ação penal condenatória. O inquérito policial tem por fim, oferecer à acusação, o mínimo necessário para a propositura da ação penal. De modo que, normalmente, é com base nas informações contidas no inquérito policial que o Ministério Público oferece a denúncia, pois é através dele que se tem provada a justa causa. Nada impede, no entanto, que a justa causa se concretize de outra forma que não através do inquérito. Conclui-se então, que o inquérito policial é dispensável.

A competência para presidir o inquérito policial é deferida pela CF, aos delegados de polícia de carreira, de acordo com as normas de organização policial dos Estados.

"Art.144 § 4º CF - Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares." [2]

Art.129 CF - São funções institucionais do Ministério Público:

I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas. [3]

De acordo com a CF, art. 129, VII, é função institucional do Ministério Público executar o controle externo da atividade policial, examinando se estão sendo perfeitamente apurados os fatos materiais e utilizados os métodos legais para seu completo esclarecimento. O art. 129, VIII prevê que é função do Ministério Público requisitar a instauração do inquérito policial.

Os atos de investigação reservados à elucidação dos crimes não são específicos da polícia judiciária, tendo o Ministério Público legitimidade para atuar nas investigações e diligências, conforme determinarem as leis orgânicas estaduais, podendo inclusive intervir no inquérito policial em razão da demora em sua conclusão.

Art.5º CPP - Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

I - de ofício;

II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo. [4]

Conforme a hipótese, o inquérito policial pode ser instaurado de ofício por portaria da autoridade policial (cognição imediata - quando a Autoridade Policial toma conhecimento do fato criminoso por meio das suas atividades rotineiras) e pela lavratura do flagrante (cognição coercitiva - no caso de prisão em flagrante), mediante representação do ofendido, por requisição do Ministério Público e por requerimento da vítima (cognição mediata quando a Autoridade Policial sabe do fato por meio da vítima ou do Ministério Público). Assim, é a partir da ciência da conduta criminosa através notícia criminis que a Autoridade Policial dá inicio às investigações.

Embora o art. 5º, II, do CPP dite que o inquérito policial será iniciado mediante requisição da autoridade judiciária, o entendimento majoritário é de que tal artigo não foi recepcionado pela CF, em razão do comprometimento do juiz, pois se o juiz tem capacidade para requerer o inquérito, ele torna-se parte interessada e como tal perde a sua imparcialidade. Além de que, deve-se respeitar a separação dos poderes. A aplicação do Art. 40 CPP é o procedimento mais correto, pois o juiz deverá comunicar ao Ministério Público para que este decida se há ou não provas suficientes para efetuar a denúncia. [5]

"Art.40 CPP - Quando, em autos ou papéis de que conhecerem, os juizes ou tribunais verificarem a existência de crime de ação pública, remeterão ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia." [6]

A imparcialidade do juiz também encontra-se comprometida pelos termos do art. 13, II CPP; pois o juiz ao intervir nas diligências das autoridades policiais deixa de ser imparcial.

"Art.13 CPP - Incumbirá ainda à autoridade policial:

II - realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público." [7]

Na hipótese de crime que se apura mediante ação penal pública, a abertura do inquérito policial é obrigatória pois a autoridade policial deverá instaura-lo, de ofício, assim que tenha notícia da prática da infração. Caso em que o inquérito será também indisponível, pois, uma vez instaurado regularmente, não poderá a autoridade arquivar os autos. No entanto, não pode o delegado de ofício realizar o inquérito nos crimes de ação penal pública condicionada à representação nem nos crimes de ação penal privada, pois dependerá de representação ou do requerimento do ofendido, de onde após verificar na lei, decidirá se deve ou não instaurar inquérito.

A referência quanto à obrigatoriedade de abertura do inquérito nos crimes de ação penal pública se dá em razão da existência das chamadas VPI – Verificação Preliminar de Inquérito, cujo procedimento, será utilizado pela a autoridade policial antes do inquérito para verificar a procedência das informações obtidas. As VPIs estão legitimadas pelo Art. 5º § 3º, CPP, e são proibidas nos crimes de ação penal pública incondicionada justamente porque o inquérito deverá ser instaurado.

Art. 5º § 3º CPP - Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito. [8]

"Art. 5º § 2º CPP - Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia." [9]

O Art. 5º § 2º CPP é pouco utilizado, pois em caso de indeferimento de abertura do inquérito o mais comum é que a pessoa procure o Ministério Público.

O destinatário imediato do inquérito policial é o Ministério Público a quem cabe promover a ação penal pública de natureza condenatória. Nos crimes de ação penal privada o destinatário é o ofendido ou quem tenha qualidade para representá-lo.

O juiz é o destinatário mediato do inquérito porque o juiz poderá ser chamado a decidir sobre medidas de natureza cautelar ainda na fase do inquérito – como exemplo temos a prisão preventiva do acusado. Por outro lado, há certas diligências investigatórias que demandam autorização judicial como a interceptação telefônica e a busca e a apreensão onde o juiz decidirá com base nas provas contidas no inquérito policial; mais ainda, quando do juízo de admissibilidade da ação penal, caberá ao juiz verificar se há justa causa para a instauração da ação penal condenatória.

"Art.10 § 1º CPP - A autoridade fará minucioso relatório do que tiver sido apurado e enviará os autos ao juiz competente." [10]

"Onde está escrito juiz competente leia-se Ministério Público, pois o juiz não deve receber inquérito, tal atribuição cabe ao Ministério Público como titular da ação penal condenatória." [11] Na fase de inquérito é o Ministério Público quem deve formar a opinio delicti pelo arquivamento ou não do inquérito.

"Art.10 § 3º CPP - Quando o fato for de difícil elucidação, e o indiciado estiver solto, a autoridade poderá requerer ao juiz a devolução dos autos, para ulteriores diligências, que serão realizadas no prazo marcado pelo juiz." [12]

Tal situação reflete os casos em que o juiz atuará somente como atravessador, de modo a receber os autos pela autoridade policial e remetê-los ao Ministério Público. O juiz somente opinará na fase de inquérito se for para apreciar alguma questão judicial, como já foi dito acima.

Passo decisivo para o início desta necessária mudança foi dado no ano de 1991 a partir da resolução nº. 438/91 do então Procurador - Geral de Justiça Antônio Carlos Biscaia, com a criação das Centrais de Inquérito. Desde então, os inquéritos policiais passaram a serem distribuídos pelas Centrais para as Promotorias de Investigação Penal com atribuição para atuarem em inquéritos referentes à regiões territoriais compreendidas nas áreas de circunscrição policial a serem determinadas pela referida resolução. Criou-se assim, as Centrais de Inquérito do Ministério Público. Com este ato, a figura o juiz como investigador foi eliminada, representando uma exclusão dos resquícios do sistema inquisitorial. O Rio de Janeiro foi o pioneiro em tal procedimento, não sendo seguido por todos os Estados, havendo até hoje, Estado que atue de maneira inquisitorial.

Este seria um avanço sem precedente, não fosse pela dificuldade em que se esbarra no tocante à atividade policial no Estado do Rio de Janeiro (não somente neste).

A remessa de inquéritos policiais às Centrais de Inquéritos encontra-se completamente comprometida, viciada, à mercê da vontade da autoridade policial. Destarte, só chegam às mãos do Promotor de Justiça aqueles inquéritos pelos quais não há interesse da polícia. Os que efetivamente chegam, não raras as ocasiões, encontram-se desfalcados, incompletos, viciados. Diante desta realidade, o Promotor de Justiça acaba por tornar-se uma espécie de "joguete" nas mãos do Executivo, ao qual é subordinada a polícia. Ou seja, ficam comprometidos o princípio institucional da independência administrativa e a função institucional do controle externo da atividade policial, constitucionalmente atribuídos ao Parquet. [13]

O inquérito policial, ou procedimento investigatório pré-processual tem três características básicas: É inquisitivo ou inquisitório, sigiloso e escrito. É inquisitivo porque a autoridade policial que o preside o conduz com absoluta discricionariedade, determinando a realização de diligências que considere úteis ou necessárias para o esclarecimento do fato criminoso e de sua autoria.

Aliás, não há uma seqüência pré-ordenada de diligências investigatórias que deva ser rigorosamente realizada pela autoridade policial nos autos do inquérito, e por isso, há doutrinadores que questionam a assertiva de que o inquérito policial é um procedimento administrativo, como conceituado pela doutrina majoritária, havendo quem prefira chamá-lo de expediente administrativo. Decorre desta premissa um conceito que não se aplica ao inquérito – nulidade – tendo em vista que a nulidade é questão de forma e não de conteúdo. [14]

Como a autoridade policial conduz discricionariamente o inquérito não se pode falar em ampla defesa ou contraditório, nesta fase da persecução penal, pois neste momento inexiste acusação devidamente formalizada, de modo que ainda não há a figura do imputado, do acusado. Justamente porque não foi submetido aos princípios da ampla defesa e do contraditório é que o inquérito policial por si só não pode servir de base para uma sentença condenatória, sob pena de violação sobre tudo do devido processo legal.

No entanto, há certas provas produzidas na fase do inquérito que são renovadas em juízo, são as chamadas provas irrepetíveis, também denominadas de provas pré-constituídas, de que é exemplo típico o exame de corpo de delito, que normalmente é realizado na fase do inquérito policial e dificilmente será repetida na instrução.

Em relação a tais provas diz-se que o contraditório é diferido, retardado ou postergado para momento ulterior, já que em relação a tais provas o contraditório não é observado no momento da produção da prova, pois a prova é produzida unilateralmente pelo Estado, na fase do inquérito, sem a participação do judiciário. [15]

O projeto do novo CPP, em tramitação no congresso, estabelece que o contraditório e a ampla defesa sejam realizadas na fase de inquérito com relação à prova pericial, assegurando ao indiciado o contraditório e a ampla defesa na fase do inquérito no tocante à tal espécie de prova.

O art. 14 CPP indica claramente a natureza inquisitorial do inquérito policial. O indiciado e a vítima não têm direito de produzirem provas na fase do inquérito, podendo apenas requerer diligência, que será realizada ou não pela autoridade policial que decidirá com base no seu poder discricionário. A regra do art. 14 CPP é excepcionada pelo disposto no art. 184 do CPP que impõe à autoridade policial o deferimento do exame de corpo de delito nos crimes que deixam vestígios, pois tal exame visa provar a materialidade do crime e deve ser realizado tão logo possível a fim de que os vestígios não desapareçam.

Como conseqüência da inquisitorialidade do inquérito pode a autoridade policial conduzir as investigações de maneira sigiliosa.

Art.20 CPP - A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade.

Parágrafo único - Nos atestados de antecedentes que lhe forem solicitados, a autoridade policial não poderá mencionar quaisquer anotações referentes a instauração de inquérito contra os requerentes, salvo no caso de existir condenação anterior. [16]

O sigilo do inquérito não alcança o advogado nos termos da lei 8.906/94, no entanto, o STF decidiu recentemente que o sigilo poderá ser imposto também ao advogado sempre que o interesse da investigação assim exigir fundamentando a sua decisão na supremacia do interesse público. [17]

A incomunicabilidade do indiciado é também uma conseqüência da inquisitorialidade do inquérito.

Art.21 CPP - A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir.

Parágrafo único - A incomunicabilidade, que não excederá de 3 (três) dias, será decretada por despacho fundamentado do juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no art. 89, III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei nº 4.215, de 27 de abril de 1963). [18]

O CPP atual entrou em vigor em 1 de janeiro de 1942, tendo sido elaborado na vigência da constituição de 1937. Tourinho, entre outros, defende que o art. 21 CPP não foi recepcionado pela CF, pois vai de encontro ao que diz o art. 136 § 3º da CF. Vicente Greco Filho, no entanto, defende que a incomunicabilidade somente está vedada durante o estado de defesa. De qualquer maneira, a incomunicabilidade não atinge o advogado, podendo o preso, ainda que incomunicável contatar seu advogado pessoal e reservadamente, como dito na lei 8906/94. Atualmente é entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência de que o art. 21 CPP foi revogado pelo art. 5º, LXIII da CF de 1988. [19]

"O inquérito é escrito, conforme dispõe o art. 9º CPP: "Todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade." [20]

Se o indiciado for menor, lhe será nomeado um curador pela autoridade policial, como dispõe art. 15 CPP. Se durante o inquérito não tiver sido indicado um curador para os casos necessários, por se tratar apenas de procedimento informativo não acarretará nulidade do processado ou da ação penal subseqüente, já que o erro pode ser corrigido em juízo. No entanto, a falta de nomeação de curador ao indiciado menor por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante é causa de nulidade.

Nos termos do art. 10 do CPP:

Art.10 CPP - O inquérito deverá terminar no prazo de 10 (dez) dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 (trina) dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela. [21]

Há uma crítica a tal artigo – o inquérito existe justamente para fornecer ao Ministério Público as provas de materialidade do crime e indícios mínimos de autoria, visando a configuração da justa causa para a propositura da ação penal condenatória. Ocorre que tanto a prisão em flagrante quanto a prisão preventiva têm como pressupostos a materialidade do crime e indícios de autoria. "Assim sendo, torna-se incoerente o prosseguimento do inquérito frente a presença de qualquer das duas prisões cautelares, tendo em vista que se assim o for, já existirá a justa causa que é a finalidade do inquérito policial." [22]

Ao término da investigação policial o Ministério Público terá formado a sua opinio delicti e poderá oferecer a denúncia ou decidir pelo arquivamento, que é a não propositura da ação penal. O arquivamento é realizado através de uma decisão judicial que, acolhendo as razões do Ministério Público, encerra as investigações do fato delituoso.

É vedado ao Juiz arquivar inquérito de ofício, bem como o Procurador Geral não pode subtrair a formulação da opinio delicti do Promotor, a não ser que tenha avocado as suas atribuições ou que se trate de crime da competência originária dos tribunais. Nesta mesma linha de raciocínio, ainda que fique provada a inexistência do fato ou que não se tenha apurado a autoria do ilícito penal, a autoridade policial não pode mandar arquivar o inquérito "Art.17 CPP - A autoridade policial não poderá mandar arquivar autos de inquérito." [23] Tal providência cabe ao juiz, a requerimento do MP.

O vigente CPP carece de um artigo que diga claramente quando o Ministério Público deve requerer o arquivamento e, a contrario senso, quando deve apresentar denúncia. Entretanto, o art. 43 elenca os casos em que o Juiz deve rejeitar a denúncia. Por via de conseqüência, nestas hipóteses previstas, a ação penal não deve ser proposta e o inquérito deve ser arquivado. Vale ressaltar que o art. 43 CPP é regido pelo princípio in dubio pro societat; por isso, em havendo dúvida quanto à existência de qualquer um de seus requisitos a denúncia deverá ser oferecida.

Art.43 CPP - A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - o fato narrado evidentemente não constituir crime;

II - já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa;

III - for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.

Parágrafo único - Nos casos do nº III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição. [24]

Discordando o juiz da manifestação do MP, encaminha-se os autos ao Procurador Geral – Princípio da devolução.

Art.28 CPP - Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender. [25]

Existe uma forte crítica a tal artigo no sentido de que o juiz ao considerar que o caso é de denúncia e não de arquivamento está emitindo um juízo de valor que é incompatível com a sua função julgadora que deve ser imparcial. Para justificar tal artigo, parte da doutrina, atribui ao juiz a função anômala de fiscal da promotoria. Tal idéia não pode ser aceita, pois agindo desta forma estará o juiz emitindo um juízo de valor, tendo que posteriormente considerar-se suspeito, o que não ocorre. Seria bem mais coerente com o sistema vigente garantista, que a fiscalização do Ministério Público quanto ao oferecimento da denúncia fosse realizada por um órgão colegiado do próprio Ministério Público. O Art. 12, XI da Lei 8625/93 trata da fiscalização do Procurador Geral em casos em que ocorre a atribuição originária, sendo o colégio dos procuradores o órgão competente para rever a decisão, mediante o requerimento do legítimo interessado. O termo legítimo interessado não é claro, podendo ser remetido à vítima. Nos casos de crime em que não há vítima poderá ser a sociedade considerada como legítima interessada, bem como o delegado que presidiu a investigação. [26]

O arquivamento nem sempre é expresso, podendo ser tácito ou implícito e até mesmo parcial. Diz-se que o arquivamento é implícito ou tácito quando o Ministério Público deixar de incluir na denúncia algum fato investigado ou algum dos indiciados, sem expressa manifestação ou justificação deste procedimento. Este arquivamento se consuma quando o Juiz não se pronuncia na forma do art. 28 CPP com relação ao que foi omitido na peça acusatória, situação em que também ocorrerá o arquivamento parcial.

Também ocorre o arquivamento implícito quando, embora estejam sendo investigados vários fatos penalmente relevantes em um só inquérito, o Ministério Público se pronuncia pelo arquivamento integral, embora se refira apenas a um destes fatos apurados, alegando não ser caso de oferecer denúncia. Se o juiz acolher tal requerimento e, igualmente, omitir na sua decisão aqueles outros fatos, tem-se implicitamente arquivadas todas as investigações. O arquivamento implícito, tal como hoje vem sendo concebido, não condiz com a realidade das coisas. É artificial, devendo ser sepultado pelo Projeto em tramitação no Congresso Nacional.

A decisão que arquiva o inquérito policial, a pedido do Ministério Público, é irrecorrível, porém o desarquivamento diante de novas provas é possível, possibilitando-se o oferecimento da denúncia. No entanto, se o arquivamento do inquérito policial foi determinado em decorrência da atipicidade do fato imputado ao indiciado, fundamento essencial e permanente e não passageiro, é inadmissível a instauração da ação penal.

"Súmula 524 STF: Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas." [27]

Como o arquivamento não faz coisa julgada, não há qualquer problema em desarquivar o inquérito, de modo que mediante novas provas, poderá o Ministério Público requerer o desarquivamento. O atual CPP tem apenas dois artigos sobre o desarquivamento: o art. 17 e 18. O art. 18 regula o arquivamento, quando decorrente de carência de prova (falta de base para denúncia), só permitindo a continuação das investigações se houver notícia de novas provas. O desarquivamento do inquérito policial nada mais significa do que uma decisão administrativa persecutória no sentido de modificar os efeitos do arquivamento.

A atribuição para decidir pelo desarquivamento do inquérito é regulada por leis orgânicas estaduais, deste modo, a Lei Complementar 28 de 21/05/1982, do Estado do Rio de Janeiro, através de seu art. 10, XXXIII, diz ser atribuição do Procurador Geral de Justiça "requisitar autos arquivados, promover seu desarquivamento e, se for o caso, oferecer denúncia ou designar outro órgão do Ministério Público para fazê-lo." [28]

1.3. PRINCÍPIOS QUE REGEM O INQUÉRITO POLICIAL

Por fim, pode-se dizer que os seguintes princípios fazem parte do Inquérito:

Princípio da Oficialidade – Refere-se ao art. 4º CPP, pois o órgão que procede o inquérito deve ser presidido por autoridades.

Princípio da Devolução – Segundo este princípio, o juiz transfere (devolve) a apreciação do caso ao Procurador ao qual cabe a decisão final sobre o oferecimento ou não, da denúncia.

Princípio da Verdade Real – "Este princípio procura estabelecer que o jus puniendi somente seja exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos exatos limites de sua culpa numa investigação que não encontra limites na forma ou na iniciativa das partes." [29] Tal princípio acaba por comprometer a imparcialidade do juiz, não só pela sua interferência na fase pré-processual (iniciativa na busca de provas, fiscalização quanto à decisão do promotor em relação ao arquivamento do inquérito) como também porque o direito processual brasileiro é regido pelo princípio in dubio pro reo.

Princípio da Obrigatoriedade – Obriga a autoridade policial a instaurar inquérito quando da ocorrência da prática de crime que se apure mediante ação penal pública e obriga também o desarquivamento em caso de fato novo.

Princípio da Inquisitorialidade – Este princípio norteia nosso CP quanto à investigação.

Princípio da Indisponibilidade – "Uma vez instaurado o inquérito, este não pode ser paralisado indefinidamente ou arquivado." [30]

Ao inquérito, vale ressaltar, que não se aplica os princípios do contraditório, da ampla defesa e da publicidade.

1.4. A CRISE DO INQUÉRITO POLICIAL

Atualmente, vive-se o que se pode chamar de crise do inquérito policial. Os estudos mostram, no entanto, que a insatisfação com tal instituto não é nada atual.

Como dá notícia Espinola Filho, já em 1924 o presidente da comissão redatora do anteprojeto que se converteu no Código de Processo Penal para o Distrito Federal, Candido Mendes, informava da preocupação com a fase preliminar e a necessidade de restringir as funções da polícia aos seus verdadeiros fins: a vigilância, a prevenção, a manutenção da ordem e auxílio a justiça.

Em 1936, o anteprojeto organizado pela comissão composta por Bento Faria, Plínio Casado e Gama Cerqueira suprimia o inquérito policial e instituía o sistema da instrução judicial. No relatório apresentado, Bulhões Pedreira afirmava que... testemunham a completa falência do sistema atual, que, na duplicidade de formação da prova, investe a polícia, como o inquérito, da função apuradora da verdade... que desserve à economia processual, enfraquece a ação repressiva e não obedece a nenhum critério político – nem individual nem social; perde a defesa coletiva e não lucram as garantias individuais.(ESPÍNOLA FILHO [31],1976 apud LOPES JUNIOR, 2001).

Tendo em vista a amplitude da crise do inquérito onde muitos falam sobre a extinção do instituto, outros sugerem a alteração do órgão responsável, é necessário, antes de qualquer proposta de mudança, entender o que é a crise do inquérito policial e o que e a quem ela está prejudicando, além de se entender o porque e como ela ocorre.

Embora a Constituição Federal defina que o controle do inquérito será exercido pelo Ministério Público, isto de fato não ocorre da maneira como deveria, pois o MP, como titular da ação penal deveria ter plena gerência, participação e controle dos atos do inquérito, pois em sendo este ineficaz, prejudicada está a ação penal e consequentemente a sociedade.

Em 14 de outubro de 2002, foi publicada uma matéria no jornal Folha de São Paulo, no caderno Cotidiano que esclarece bem o que é a crise do inquérito. Diz a reportagem que o Projeto Delegacia Legal que em 2001, deu origem às delegacias sem carceragem e informatizadas no Rio de Janeiro, não conseguiu alcançar dentre outros, o objetivo de aumentar a eficiência da investigação policial. Os índices mostram que na 5ª DP, no centro, apenas em 35% dos inquéritos foi possível uma elucidação dos crimes. Isto porque anteriormente o índice médio de elucidação era de aproximadamente 7%.

Levando-se em consideração os dados da reportagem de que as Delegacias Legais respondem por 50% das ocorrências criminais no Estado do Rio de Janeiro e de que menos de 40% dos casos são elucidados ainda que sob a existência das delegacias legais, chega-se um dado capaz de chocar qualquer cidadão, na medida que se constata que o que existe atualmente é quase que completa impunidade.

A situação é alarmante. Até porque muitos dos crimes que não são de ação penal pública nem chegam a virar inquérito, sendo arquivados ainda enquanto VPI.

A perplexidade vai além, quando se verifica que esses inquéritos que são elucidados e remetidos à promotoria para a abertura da ação penal, quando da sentença poucos são os processos que geram a condenação do réu. Tal fato se dá porque apesar de muitas vezes estarem no inquérito as provas necessárias à condenação, pois esclarecem o crime como um todo e sua autoria; tal procedimento administrativo não pode e não é utilizado na fase judicial, havendo exceção somente ao que se refere às provas irrepetíveis tais quais as provas periciais, dentre elas o exame de corpo de delito.

Os dados mostram que apesar da melhora, no aproveitamento com a criação das Delegacias Legais ainda não é esta a solução para a crise do inquérito policial.

O inquérito policial está impregnado de atos inquisitórios e por isso não pode ser utilizado no sistema judicial acusatório que caracteriza-se pelo contraditório e ampla defesa.

É indispensável o estudo das práticas policiais com a sua própria cultura policial para compreender-se a cultura jurídica brasileira e a crise do inquérito policial.

A atuação policial se dá em todas as classes sociais da sociedade desde a mais baixa até a mais alta. Ocorre que o dia-a-dia policial é consumido pelo contato com a classe mais pobre da sociedade. Tal camada social está à margem da sociedade seguindo suas próprias leis e costumes, que muitas ou na maioria das vezes choca-se com os critérios legais definidos pela sociedade.

O distanciamento entre o crime cometido pelas classes sociais mais elevadas e os crimes cometidos pelas classes mais baixas se dá não pelo crime em si, ou pela forma como cometido, mas pela banalização dele entre os menos favorecidos como fruto de suas próprias leis e éticas sociais como marginalizados pelo sistema hierarquizado. Decorre daí a necessidade policial de se inserir neste submundo.

A polícia tem a função de prevenir e reprimir a criminalidade, nesta oposição de funções, entre prever o futuro identificando a atuação de potencial criminoso e prevenir a conduta; e a função de reprimir o crime praticado no passado, inseridos numa oposição social de leis e realidades, todas abrangidas em um único universo jurídico é que ela se perde, pois se deixa consumir por regras e leis que estão à margem da sociedade, inserindo-se no rol do submundo social justamente porque enxerga ser esta a única forma de atender às necessidades jurídicas e sociais do mundo real, o que acaba por gerar uma nova oposição. E enquanto todas as outras oposições são aceitas e legitimadas pela sociedade, esta última, é por ela repelida não só socialmente como juridicamente.

Ou seja, a tarefa policial está embutida em um emaranhado social e jurídico que aos poucos deverá ser solucionado.

Diz-se que a polícia se insere no submundo social na medida em que se utiliza de métodos discricionários, arbitrários, que constituem abuso de direito no universo legal para poder atingir seus objetivos. Agem assim por acreditarem que tais indivíduos devem ser tratados pela mesma "lei" que "impõem". Ao agirem assim, utilizam-se de juízo de valor pessoal, de preconceitos, racismo, etc. – questões muito arraigadas na sociedade legal.

"Dada a discrepância entre o que a polícia sabe e o que ela pode provar judicialmente, indivíduos notoriamente culpados são muitas vezes absolvidos pelo sistema judicial." [32]

A necessidade de fazer justiça com as próprias mãos trazidas pelo descrédito no sistema judiciário gera a insegurança do sistema policial. Não só no sentido de aplicação da legalidade em si enquanto meio eficaz de se chegar à verdade, mas também quanto ao medo que as pessoas inocentes tem da policia pois esta está permeada de seus próprios valores que soam incoerentes ao cidadão comum, de forma a fazer com que não cooperem como trabalho da polícia. E não só isso, os réus que confessam a sua atuação em sede policial, normalmente em juízo acusam a polícia de ter utilizado métodos ilegais e principalmente a tortura física para fazer com que eles falassem. [33]

"A polícia está cara-a-cara com o crime e o criminoso, e o juiz está à muitas léguas de distância, por isso a polícia justifica a sua atuação, por se dizer conhecedora da realidade dos fatos." [34] Muito bem, sendo isto verdade, é preciso não fazer justiça com as próprias mãos, mas garantir que tais verdades cheguem ao conhecimento do juiz de forma lícita.

A atuação da polícia é imediata enquanto a atuação do juiz somente será futura. Desta forma, deve-se e muito questionar a atuação da polícia, a especialização e a sua localização no ordenamento jurídico brasileiro. Já não é tarde para que a polícia perceba a importância da sua função e papel no ordenamento jurídico brasileiro enquanto investigadora, subindo um degrau na hierarquia judicial, trabalhando lado-a-lado com o Ministério Público, desenvolvendo unicamente a sua função específica e especializada de colheita de provas, deixando a cargo do Ministério Público a administração e conjugação de tais procedimentos na medida em que a ação penal por ele será proposta. Deve-se ter cuidado para não interpretar o trabalho do Ministério Público como investigador, longe disso, tal atividade pertence à polícia, mas como participante de algo de lhe pertence e lhe servirá de base no futuro.

A questão do hiato entre as investigações da polícia e fiel cumprimento de suas funções por parte do Ministério Público não é uma característica do sistema brasileiro. Alguns países da Europa também enfrentam debates no intuito de redefinir as funções e as atribuições do órgão acusador. No capítulo seguinte serão abordados de maneira concisa como se dá o funcionamento do inquérito na Espanha, França, Itália, Alemanha e Portugal.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Inessa Franco. A constitucionalidade procedimental do inquérito policial e seu controle pelo ministério público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 520, 9 dez. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5995. Acesso em: 26 dez. 2024.

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