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Inquérito judicial para apuração de falta grave.

A ausência da gestante em seu rol de cabimento

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Agenda 16/09/2017 às 09:54

APLICAÇÃO DE ANALOGIAS PARA CABIMENTO DA GESTANTES NO ROL

Conforme verificado, devida a ausência de normas para regulamentar tal direito, entendido como cabível a gestante neste artigo científico, é necessário buscar em outras searas do direito uma forma de dar aplicabilidade e embasamento ao defendido nesta tese.

Para tanto, valendo-se das fontes do Direito, a melhor maneira de chegar a este fim é buscar fundamentar em analogias, que sempre na ausência de normas especificas, serão aceitas como argumentos para resolução de conflitos e dúvidas.

7.1 Analogia “in bonam partem” para reconhecimento de igualdade de estabilidade

A aplicação das Analogias é recepcionada e aceita em nosso ordenamento jurídico, sendo de grande eficácia onde existem lacunas na lei. Cumpre ressaltar que as Analogias aqui defendidas se norteiam pelos Princípios dos Direito, passando por diversas áreas deste assunto tão complexo e profundo como a própria relação humana com o meio em que se encontra inserido.

Para tanto, essa busca de comparativos para resolução do problema apresentado inicia-se em nossa legislação suprema, a Constituição Federal. Nesta, pode-se invocar o fundamental princípio, que norteia e sustenta toda nossa Constituição cidadã, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, expresso no artigo 1º, inciso III da citada Lei maior. É de vital importância quando tutelar vidas, neste caso 2 (gestante e nascituro) invocar a observação a este princípio.

Ora, nada mais justo e isonômico que, ao imputar algo de tamanha complexidade, como uma Falta Grave a uma empregada gestante, dar-lhe a oportunidade de defender-se em juízo e somente após trânsito em julgado da lide, retirar-lhe a estabilidade se assim for entendido como correto. Afinal, tanto uma gestante que passa por mutações de cunhos tão peculiares quanto um feto devem ter suas dignidades resguardadas antes de sofrerem sanções tão severas como uma dispensa por justa causa.

Para maior sustentação dessa tese envolvendo o nascituro, pode-se fazer uma analogia ao Estatuto da Criança e do Adolescente, baseando-se como um dos pilares fundamentais do referido, que é o Princípio da Prioridade Absoluta, devidamente consagrado no artigo 4º do estatuto em questão. Tal princípio também encontra suporte no artigo 227 de nossa Magna Carta, afirmando ser um dever da família, da sociedade e do Estado, assegurar a criança, com absoluta prioridade diversos direitos, dentre eles, a dignidade e como principal função destes, deixa-la à salvo de toda forma de negligência.

Logo, não pode o Estado silenciar-se diante de tal negligência em âmbito trabalhista, deixando desamparada uma empregada gestante e seu futuro descendente, sem direito ao devido processo legal para defender suas dignidades, flagrantemente não observadas quando da aplicação de uma Falta Grave como motivo de dispensa por justa causa.

Pode-se, ainda, buscar na própria Consolidação das Leis do Trabalho, princípios que tonifiquem a tese de proteção a gestante, aqui defendida. Para isso, invoca-se 2 dos mais importantes aplicados nesta legislação: o Princípio da Proteção ao Trabalhador e o Princípio “in dubio pro operario”. O primeiro visa A tutelar a parte mais frágil de uma relação de trabalho, ou seja, o trabalhador. Já o segundo, consagra a devida aplicação da regra trabalhista que mais beneficiar o trabalhador.

Devidamente interpretados, não há nada mais razoável e equitativo que a aplicação destes 2 princípios a gestante, dando-lhe a devida proteção de sua estabilidade, colocando-a no rol de cabimento para Inquérito de Apuração de Falta Grave. Assim, defenderia a parte mais fraca da lide trabalhista e aplicaria a norma mais favorável a esta empregada.

Por fim, por derradeira citação, invoca-se um princípio constitucional que servirá para fundamentar todos os outros apresentados acima. Trata-se do Princípio da Isonomia, que pressupõe que pessoas colocadas em situações diferentes sejam tratadas de forma desigual, na exata medida de suas desigualdades.

Nada mais justo dar à gestante, que se encontra em uma situação excepcional tanto fisiológica, hormonal e psicológica, um tratamento diferenciado, desigual dos demais trabalhadores, dando-lhe aos seus possíveis erros e/ou faltas, uma leitura diferenciada e uma forma mais estrita para julgar estes atos, incluindo-lhe de maneira isonômica no rol de cabimento de Inquérito Judicial de Apuração de Falta Grave para somente após julgamento e decisão fundamentada, rescindir o contrato de trabalho desta.

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CONCLUSÃO

As buscas da emancipação feminina pelos séculos, bem como suas diversas conquistas nas últimas décadas, trouxeram muitos avanços e paridade em todas as relações sociais que as envolvem, incluindo-se, logicamente, as relações trabalhistas. Prova disso é um capitulo exclusivo, dedicado apenas ao trabalho da mulher dentro da Consolidação das Leis do Trabalho.

Mas, como é impossível ao Direito tutelar todas e quaisquer situações sem que haja, ao menos, uma movimentação social para tal caso, a questão da trabalhadora gestante veio ser tratada apenas na Constituição Federal de 1988, em seus Atos das Disposições Constitucionais Transitórias.

Como citado, sem uma movimentação social não há como prever ou tutelar, antecipadamente, direitos tão peculiares, como de uma gestação numa relação trabalhista, por exemplo. Apesar de a legislação atual garantir estabilidade empregatícia à gestante, tal instituto estende-se apenas em questões de prazos, contratos e salários, deixando de fora um importante item: a possibilidade desta mesma ser demitida por Justa Causa, de forma simples e sem direito à análise ao caso concreto e às particularidades que o mesmo envolve, notoriamente sabido e exemplificado no artigo acima.

Dar prioridade, em lei, a certas categorias e situações hipotéticas, para terem suas relações trabalhistas distratadas somente após um Inquérito Judicial, é dar tratamento isonômico para cada uma de suas particularidades. Nada mais justo e essencial para o verdadeiro sentido da aplicação do Direito. Todavia, taxar um rol de cabimentos com particularidades, mas não observarem para tal, algo maior, de muito mais valia, que é uma gestação, é no mínimo paradoxal e incoerente por parte do legislador.

Um bem maior, o mais tutelado por diversos ramos do direito: Vida! Logo, se a Vida é um bem maior, um direito de primeira dimensão e indisponível, a sua ausência num rol de cabimento para tratamento diferenciado é um abuso e extremamente lesivo à segurança jurídica de uma relação trabalhista que envolva uma gestante.

Se há, comprovadamente, alterações psíquicas, hormonais e fisiológicas em uma mulher durante seu período gestacional, nada mais justo e isonômico que dar tratamento diferenciado à mesma. Não existe possibilidade de imputar uma Falta Grave à uma empregada gestante sem ao menos, relevar e entender naquele momento qual seu grau de culpabilidade dentro daquele ato e até mesmo se houve culpa, não cabendo talvez para tal um excludente desta.

Diante disso, entende-se que há uma disparidade dentro das prioridades para dispensa com justa causa de empregados estáveis. Enquanto para alguns, basta figurar dentre simples suplentes de certos cargos, para a empregada gestante, que passa por diversas alterações físicas, químicas e psicológicas, além de tutelar uma vida em seu ventre, nenhum instituto de salvaguarda lhe é oferecido, sendo apenas necessário imputar uma conduta enquadrada como Falta Grave, para quebrar-lhe o vínculo empregatício estável e lhe retirar assim, todo e qualquer direito resguardado até aquele momento, naquela relação trabalhista individual.

Por fim, diante de um tema de relevância social e seu atual tratamento legislativo, é impossível ficar inerte perante essa necessidade que urge, ainda mais num momento de tantas turbulências e incertezas jurídicas advindas da Justiça do Trabalho e suas leis e procedimentos. Aproveita-se para tanto, tal movimentação social para inserir este anseio de mudanças e buscar tutela maior à vida, neste caso do nascituro e sua genitora nas relações trabalhistas.

Tal procedimento, de aparente e simples resolução, tem por forma a inserção de dispositivos legais para positivar tal direito, de imenso valor e de necessária reparação, a fim de evitar maiores conflitos, possíveis distorções legais e quiçá, injustiças por parte patronal, aproveitando do momento de fragilidades psíquicas, fisiológicas e emocionais, as quais a gestante está comprovadamente sujeita, não esgotando, neste artigo, as possibilidades de estudos para alcançar e firmar tais direitos.


BIBLIOGRAFIA

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BRASIL – Supremo Tribunal Federal. Súmulas. 21. ed. atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016.

BRASIL – Tribunal Superior do Trabalho. Súmulas. 21. ed. atual e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2016.

Sobre o autor
Rogério Lopes

Formado em DIREITO pela UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ. Atuando na área jurídica como ADVOGADO e também exercendo a profissão de CORRETOR DE IMÓVEIS.

Informações sobre o texto

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