Inquérito judicial para apuração de falta grave.

A ausência da gestante em seu rol de cabimento

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16/09/2017 às 09:54
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EMPREGADA GESTANTE

As leis brasileiras atuais, sob pretexto de tutelar um bem maior – a vida – vem conferindo certos status em algumas situações para atingir esta finalidade. O estado gestacional é uma das situações tuteladas, tendo previsão na Constituição Federal, na Consolidação das Leis do Trabalho e nos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias.

Logo, é de vital importância o conhecimento destas legislações para iniciar uma defesa embasada para o problema tema deste artigo.

Principais Garantias

Iniciou-se na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Capítulo III, uma forma de tratamento exclusiva para o trabalho da mulher, um movimento de proteção à trabalhadora e suas peculiaridades, dentre elas o estado gravídico. Tanto, que na seção V do referido Capítulo, encontram-se diversos artigos visando a proteção à maternidade.

Já a Constituição Federal de 1.988, posterior a Consolidação das Leis do Trabalho, vem efetivar uma das principais garantias das trabalhadoras gestantes, a chamada licença-maternidade, conforme o artigo 7º, inciso XVIII, onde se expressa ser direitos dos trabalhadores [...] – licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias. Advém daí, então, a estabilidade garantida para empregada gestante. Tal garantia ainda teve suporte nos Atos e Disposições Constitucionais Transitórias, conforme descrito no Artigo 10, inciso II, alínea b, informando até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o artigo 7º, I, da Constituição Federal ficará vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.

No entanto, vale atentar que este instituto, denominado licença-maternidade, compreende desde 28º dia antes do parto e 120 dias após a ocorrência deste. Diferencia-se, portanto, da estabilidade da gestante, que inicia no momento da ciência da gravidez até 5 meses após o parto. Ressalta-se então, que apesar de parecidos em alguns aspectos, a estabilidade é um direito mais amplo e guardião, tendo ele o poder de interromper os efeitos de um Aviso Prévio ou até mesmo de um Contrato de Trabalho com Tempo Determinado.

Porém, mesmo tendo força sobre vários poderes inerentes ao Empregador, a estabilidade gestacional não está livre de ser obstada por uma dispensa por justa causa, fundamentada em uma falta grave, constante no rol taxativo do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Diante disso, entende-se que há um paradoxo dentro das prioridades para dispensa por justa causa de empregados estáveis. Enquanto para alguns, basta figurar dentre simples suplentes de certos cargos, para a empregada gestante, que passa por diversas alterações físicas, químicas e psicológicas, além de tutelar uma vida em seu ventre, nenhum instituto de salvaguarda lhe é oferecido, sendo apenas necessário imputar uma conduta enquadrada como Falta Grave, para quebrar-lhe o vínculo empregatício estável.


ASPECTOS FISIOLÓGICOS, PSICOLÓGICOS E HORMONAIS PROVENIENTES DA GESTAÇÃO

Comprovadamente, diversos aspectos da mulher sofrem mudanças durante o processo gestacional, havendo alterações de cunho fisiológicos, hormonais e psicológicos. Tudo isso deve-se à grande carga de hormônios que esta nova vida gera, sendo totalmente recepcionado tal bombardeio pelo corpo da gestante, afetando o já dito equilíbrio hormonal como também sua fisiologia e psicológico.

Nos subitens que seguem, serão feitas breves explanações afim de dar uma vaga ideia deste processo tão complexo que atravessa a gestante nessa fase, afetando diversas áreas de sua vida.

Aspectos Hormonais e Fisiológicos

Segundo Nutricionista Bruno Fischer, Pós-Graduado em Fisiologia, as mudanças significativas ocorridas durante a gestação alteram 4 principais hormônios, a saber: Estrogênio, Progesterona, Gonodotrofina coriônica e Somatomamotropina coriônica. Além disso, existe uma mudança fisiológica que atingem as áreas Cardiovasculares, Renais, Pulmonares e Gastrointestinais. (FISCHER, Bruno. Bebês e Gravidez – Pontos de Vista. Alterações fisiológicas durante a gestação).

Essas alterações fisiológicas e de hormônios causam mudanças não apenas físicas, mas, principalmente psicológicas, alterando diversos comportamentos e ações da gestante.

5.2 Aspectos Psicológicos    

Nessa linha de raciocínio, e seguindo o entendimento do subitem anterior, podemos adentrar a situação psicológica da gestante, conforme dispõe a Psicóloga Flávia Alves Chi:

Podemos observar a crescente necessidade de compreender os aspectos psicológicos que permeiam o período grávido-puerperal [...]. Neste ponto, nem sempre a mulher grávida é compreendida, ao apresentar por exemplo sono em demasia, [...] ou baixa auto-estima. [...] A gravidez é um período de grandes transformações físicas e emocionais que exigem uma resposta adaptativa por parte da gestante e, consequentemente, das pessoas mais próximas a ela. Sendo, portanto, um momento de importantes reestruturações na vida da mulher e nos papéis que esta exerce. É durante esse período [...] além de ter de reajustar seu relacionamento conjugal, sua situação socioeconômica e suas atividades profissionais. Do ponto de vista hormonal, a progesterona, os corticosteróides e as catecolaminas exercem efeito sobre o comportamento introspectivo e sobre as oscilações entre depressão e euforia bastante comuns durante a gestação. Sendo assim, alguns sentimentos são descritos pelas gestantes com angústia e ansiedade. A ambivalência afetiva é caracterizada muitas vezes por períodos de alegria e motivação, intercalados com momentos depressivos e de desânimo. [...] (grifos meus). (CHI, Flávia Alves. Alguns aspectos psicológicos da gravidez).

Pode-se obter um entendimento, perante as narrativas, que o estado de gravidez é cercado de mudanças consideráveis, não sendo justo basear-se apenas no direito positivado, conforme está no artigo que dispõe da Falta Grave como motivo de dispensa para justa causa sem dar alternativa viável para defesa e explanação da empregada gestante.

A gestante, apresentando alterações fisiológicas cardiovasculares e pulmonares, bem provavelmente terá dificuldades de locomoção e de agilidade. Tais mudanças tendem a deixa-la mais lenta e com reflexos prejudicados. Na questão das alterações renais e gastrointestinais, afetará todo seu sistema vascular, modificando suas ingestões alimentares e suas necessidades fisiológicas.

Toda carga de hormônios recebida e alterada tem grande influência na alteração psicológica da gestante. Conforme visto na explanação da Psicóloga Flávia Alves Chi e com meus devidos grifos, as alterações físicas e emocionais da gestante requerem da mesma uma adaptação a esse novo meio, resposta essa que nem sempre é encontrada por ela. Tal reestruturação atinge também a área profissional desta, exigindo uma sobre força para manter sua devida rotina sem grandes alterações.

Com isso, como diferenciar uma Desídia de um sono em demasia no ambiente de trabalho e não aplicar uma dispensa por justa causa por cometimento da aludida Falta Grave? Será que há mesmo intenção de uma gestante em cometer um Mau Procedimento, que é a não observação do cumprimento de obrigações contatuais ou será que ela se encontra em uma oscilação de comportamento, sob o efeito de mudanças hormonais advindas da gestação. Quando momentos de depressão intercalados por de euforia, não podem ser interpretados como Atos de Indisciplina ou Insubordinação, ao entender que houve um descumprimento de ordens gerais ou pessoais, dadas a esta empregada.

Será que os empregadores são capazes de diferenciar todas estas alterações, de cunhos diversos e desconhecido muitas vezes até pela própria gestante? Estariam os empregadores gabaritados para agir, sabendo diferenciar situações tão adversas e não promover uma dispensa por justa causa de uma forma injusta ou até mesmo com má-fé?

Ante as exposições acimas, com seus devidos embasamentos, podemos chegar a algumas considerações e apresentar opções fundamentadas para a inclusão da gestante no rol do Inquérito Judicial para Apuração de Falta Grave, a serem tratadas nos próximos itens e na respectiva conclusão do trabalho.


AUSÊNCIA DE NORMAS REGULAMENTADORAS PARA GESTANTES

O sistema jurídico brasileiro, em diversas legislações, traz um tratamento diferenciado a vários tipos de indivíduos em diferentes situações. Tal forma de tratar indivíduos e suas peculiaridades é consagrado na Constituição Federal de 1.988 como Princípio da Isonomia, lidando cada qual com sua diferença e particularidade.

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Apesar disso, tal princípio constitucional não tem muita aplicação no direito processual atual, ausência essa sentida principalmente no caso das gestantes nas relações trabalhistas.

Breves Considerações

Há de se reconhecer que, antes da Constituição Federal de 1988, nenhuma de suas antecessoras tratava de qualquer tema referente ao trabalho da mulher, menos ainda da empregada gestante. Mas, mesmo na vanguarda do tratamento dos direitos e das garantias fundamentais, o constituinte da Carta Magna de 1988 não aprofundou no quesito de proteção à maternidade, trazendo apenas diretrizes e normas constitucionais de eficácia limitada sobre esta seara.

A Consolidação das Leis do Trabalho, após o legislador ordinário colaborar com sua atualização através da Lei n. 9.799 de 1.999, trouxe um Capítulo novo, direcionado para proteção do trabalho da mulher, inovando neste ramo e contribuindo para a proteção à maternidade, mais especificamente na Seção V do citado Capítulo.

As legislações supervenientes trouxeram garantias mais extensas as pessoas naturais, cita-se como exemplo, o Código Civil de 2002, em seu artigo 2º onde expressa que a personalidade civil da pessoa natural começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro (grifos meus). Tal artigo tem força tamanha, que ganha majoração em outros artigos do respectivo código, dando possibilidade de nascituro ser donatário (artigo 542) e ser parte legitima em sucessão de heranças.

Tal anseio protecionista ganhou contornos também na Lei n. 8.069 de 1.990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), em seu artigo 7º onde informa que a criança e o adolescente terão direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

6.2 Sistema Processual Trabalhista e a não aplicação da Isonomia para Gestantes          

Como verificado, apesar de nossas diversas legislações, inclusive a maior delas, prever certos tratamentos diferenciados à vida e a gestante, as normas processualistas atuais não tiveram o mesmo cuidado. Com exceção do Código Processo Penal, que prevê tratamento diferenciado as lactantes e gestantes, dando prioridades e privilégios à estas, o restante dos sistemas processuais em nada tratam de forma isonômica a referida figura deste artigo.

Compreende-se então, existir uma urgência de uma legislação processualista contemporânea, que venha ao encontro desta área tão especial e necessária, mais especificamente ainda nas relações trabalhistas que envolvam tais situações indicadas no presente texto argumentativo.

Para esta discussão, entendeu-se a real necessidade de apresentar tal tema e embasar devidamente sua defesa neste artigo científico, buscando uma solução ao problema aqui apresentado.

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Sobre o autor
Rogério Lopes

Formado em DIREITO pela UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ. Atuando na área jurídica como ADVOGADO e também exercendo a profissão de CORRETOR DE IMÓVEIS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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